Olivier Besancenot: “Uma forma de paralisia política está acometendo a esquerda francesa em relação a guerra na Ucrânia”

Olivier Besancenot: “Uma forma de paralisia política está acometendo a esquerda francesa em relação a guerra na Ucrânia”

Como pensar o conflito enquanto militante anticapitalista? De volta da Ucrânia, Olivier Besancenot (NPA, Novo Partido Anticapitalista) estima que as forças progressistas do continente europeu devem apoiar de forma mais decidida o povo ucraniano, vítima do imperialismo russo.

Laurent Geslin e Mathilde Goanec 16 maio 2022, 12:40


Após participar da campanha de Philippe Poutou, o candidato do Novo Partido Anticapitalista (NPA) nas últimas eleições presidenciais francesas, Olivier Besancenot esteve na Ucrânia entre 3 e 8 de maio. Ele participou de uma delegação organizada pela Rede Européia de Solidariedade com a Ucrânia e contra a guerra juntamente com representantes de vários partidos de esquerda europeus, incluindo o movimento Ensemble. Retornando ele deu uma entrevista aos jornalistas Laurent Geslin et Mathilde Goanec publicada em Mediapart que reproduzimos a seguir.
Fonte: MEDIAPART https://www.mediapart.fr/journal/international/110522/olivier-besancenot-une-forme-de-paralysie-politique-travaille-la-gauche-francaise-sur-la-guerre-en

Por que ir à Ucrânia hoje, como ativista de um partido político?
Olivier Besancenot: Estávamos respondendo a um convite do Movimento Social, uma organização da esquerda ucraniana, em conexão com a Rede Europeia de Solidariedade com a Ucrânia e Contra a Guerra. Conversamos com ativistas políticos e sindicalistas. Também encontramos dois coletivos feministas (Feminist Worshop e Bilkis), que falaram com grande emoção sobre a situação das mulheres estupradas nas zonas de ocupação, ou daquelas que são aliciadas em redes de prostituição quando fogem do país.
Há também muitas mulheres engajadas em combate, e elas testemunham os reflexos sexistas que existem dentro dos batalhões ucranianos. Acima de tudo, estas mulheres nos lembraram que não se trata de “irmãos russos” atacando outros “irmãos ucranianos”, mas de soldados russos atacando homens e mulheres ucranianos.

O que o surpreendeu neste país que o Ocidente afinal mal conhecia antes da guerra?
O mais surpreendente é ver o quanto a vida política continua ativa apesar do conflito, com realidades diferentes, é claro, dependendo de onde você está no país. As questões sociais não desapareceram nos combates. Os sindicalistas que encontramos, que estavam envolvidos na resistência a Putin, continuam suas lutas contra as políticas liberais que o presidente Zelensky está tocando. Seu governo, por exemplo, está usando o contexto da guerra para facilitar as demissões em fábricas e empresas.
Outros ativistas ambientais protestam contra o corte de florestas, que haviam sido suspensas antes da guerra e que agora foram de novo autorizadas. Estas batalhas não são triviais. Do ponto de vista político, estes ativistas da esquerda ucraniana também pretendem mostrar às esquerdas francesas e europeias que a agressão russa tem nome: é uma ofensiva imperialista.

Mais de trinta anos após a queda da URSS, ainda é difícil reivindicar ser esquerdista na Ucrânia…

Os militantes que encontramos se reivindicam do socialismo. Uma lei sobre a “descomunização” foi aprovada [em 2015] na Ucrânia: todos aqueles que se referem ao comunismo são considerados aliados dos russos, mesmo aqueles que resistem ao invasor. Afirmar esta identidade política, no entanto, faz todo sentido em termos estratégicos. Estes militantes se opõem ao imperialismo russo e se referem a uma sociedade democrática que, obviamente, nada tem a ver com os sistemas burocráticos e totalitários do passado. Eles são, portanto, à sua maneira, parte da continuidade de uma esquerda anti-estalinista que sempre existiu na Ucrânia, e mais amplamente na Europa Oriental. Eles também estabeleceram relações com certos grupos socialistas independentes e dissidentes na Rússia, mesmo que isso agora seja muito complicado. Muitos desses russos estão agora vivendo escondidos, ou fugiram para o exterior.

Existe um legado de Nestor Makhno, famoso anarquista, e deste movimento hoje na Ucrânia?
Conheci dois ativistas “antiautoritários”, ligados a um batalhão anarquista de defesa territorial, posicionado no sul de Kiev. Coletas de fundos são organizadas em toda a Europa para trazer equipamentos para este batalhão (capacetes, drones ou coletes à prova de balas). Esses combatentes têm que se organizar por conta própria, como muitas unidades de defesa territorial. Foi feito, portanto, um apelo aos libertários e antifascistas europeus pedindo ajuda.
Estes ativistas insistem na necessidade de não se enganar sobre a resistência ucraniana, focando-se apenas no batalhão Azov. As milícias Wagner, no acampamento russo, são do mesmo gênero. Eles enfatizam especialmente o fato de que também há ativistas de esquerda nas unidades de defesa territorial. Na cidade de Kryvyi Rih, os sindicalistas por exemplo enviaram muitos de seus membros combater em unidades da região.

Qual é a posição da NPA sobre a guerra que está acontecendo na Ucrânia desde 2014?
Nossa regra pode parecer simples: estamos do lado dos oprimidos, nunca do lado dos opressores. Minha esperança, para superar preconceitos e apriorismo, é acreditar que, iniciando um diálogo direto com ativistas feministas ou sindicalistas na Ucrânia, novos setores da esquerda social e política francesa entenderão que a esquerda ucraniana também existe. De ferroviários para ferroviários, de enfermeiras para enfermeiras, de trabalhadores da energia para trabalhadores da energia, de acadêmicos para acadêmicos, solidariedades concretas já estão sendo estabelecidas. No NPA, acreditamos que nosso lugar é agir em solidariedade com os povos que lutam por sua emancipação e sua liberdade, qualquer que seja o status de seu opressor.
O imperialismo não é um anglicismo, não vale somente para a política norte-americana no continente latino-americano. O imperialismo francês existe, o imperialismo russo também. É uma realidade encarnada, que responde a objetivos econômicos e que refere à história. Este imperialismo russo reata com as tendências expansionistas czaristas, que os bolcheviques haviam quebrado depois de 1917, declarando-se a favor do direito à autodeterminação, antes da contrarrevolução estalinista. Aliás, Putin não esqueceu de opor Stalin a Lenin quando ele declarou guerra.

O que esta guerra pode ensinar à esquerda europeia?
Não pretendo ter nada para ensinar sobre o assunto ou dar lições. Eu simplesmente acredito que esta guerra é uma das principais questões em jogo na refundação da esquerda radical europeia. O conflito na Ucrânia marca o fim de um ciclo, o da ” globalização feliz ” dos capitalistas. A competição entre os blocos tem se reafirmado nos últimos anos e a Rússia de Putin espera encontrar novas saídas fora de suas fronteiras. Rosa Luxemburgo explicava que as guerras são muitas vezes a continuação no terreno militar de uma competição que até então só tinha acontecido no terreno econômico. Esta competição também está sendo disputada na Ucrânia, e o resultado desta guerra terá, portanto, um impacto sobre as forças sociais e políticas no mundo inteiro. A situação não será a mesma se o imperialismo ganhar ou perder.

Qual é sua opinião sobre a posição da FI (França Insubmissa) em relação a este conflito e o assunto fez parte de desacordos durante as discussões com o NPA por ocasião das eleições legislativas?
Não tenho como falar em nome da FI e não pretendo despejar conselhos. O que eu sei é que precisamos de um movimento coletivo, tão amplo e unido quanto possível, para realizar ações de solidariedade eficazes com esta esquerda ucraniana. Isto deve ir além das diferenças partidárias.
Hoje, a esquerda francesa sofre de uma forma de paralisia política: se você é a favor da retirada das tropas russas, você é necessariamente um agente da CIA, e inversamente, se você denunciar a OTAN como parte do problema, você é visto como um agente da FSB. Precisamos nos reconectar com a complexidade, entender que algo está acontecendo ali e que esta guerra não é um assunto vergonhoso que deveríamos ignorar.
Qual é sua posição sobre as entregas de armas à Ucrânia e sobre as sanções econômicas contra a Rússia? Esta última poderia levar a uma alta inflação nos países ocidentais e, em última análise, afetar as populações economicamente mais frágeis…
Achamos compreensível que os ucranianos estejam pedindo armas, especialmente armas defensivas que lhes permitam controlar os céus. Aqueles com quem falamos lá repetem que não pretendem que outras forças além das suas próprias substituam a resistência ucraniana.
Sobre a questão das sanções econômicas, estamos fazendo campanha para sancionar os oligarcas, mas isto está muito longe de acontecer. Na Grã-Bretanha, em Chipre, somente foi feito um centésimo do que poderia ser feito.
Os militantes ecologistas ucranianos também explicam que é urgente tirar todas as consequências, tanto de nossa dependência dos combustíveis fósseis, do gás, mas também dos perigos da energia nuclear. Imagine se as centrais nucleares fossem atingidas durante os combates? A guerra na Ucrânia levanta mais uma vez a questão da transição energética. Os sindicalistas ucranianos têm orgulho de sua indústria, de produzir energia, mas estes últimos, no âmbito do Movimento Social, não têm nada contra em discutir com os militantes ecologistas.

Os ucranianos explicam hoje que querem lutar até vencer. Alguns diplomatas europeus, por outro lado, querem pôr um fim ao conflito, encontrando uma saída para a Rússia. Como fazer a paz e a que preço?
Cabe aos ucranianos e ucranianas decidir, não a nós. Devemos abandonar qualquer atitude paternalista em relação a eles. A questão de uma paz duradoura diz respeito a todos, é claro, mas implica em demonstrar solidariedade com os povos que são as primeiras vítimas da política de Putin, o povo ucraniano e também o povo russo. E o tempo está se esgotando. Na verdade, os ucranianos que vi não estão exatamente na mesma posição que no início da guerra. As possibilidades de um cessar-fogo ou de um acordo estão se tornando cada vez mais remotas à medida que as semanas passam e os crimes se somam…
O direito à autodeterminação provavelmente não consistirá apenas na realização de um referendo ou na imposição de uma solução militar. Um verdadeiro processo democrático deve permitir que todos os ucranianos, no Leste e no Oeste, se reconheçam na solução encontrada. Isto exige que os deixemos decidir livremente sobre a Ucrânia do futuro, uma vez que as tropas russas tenham se retirado. Sem ficar preso entre o imperialismo russo, que atacou este país, e os interesses ocidentais. Sem ter uma arma apontada na cabeça. Sem o planeta inteiro que defende seus próprios interesses se convide na mesa para dizer-lhes o que fazer.

Na Ucrânia, podemos sentir um desejo de “virar a mesa”, de organizar um “reset” do sistema político do país. A sociedade se organizou para se defender e as pessoas explicam que, após a guerra, terão que se libertar da influência dos oligarcas. As pessoas querem tomar seu destino nas próprias mãos…

Reset é de fato uma expressão que eu ouvi muito. Muitas pessoas querem se livrar dos oligarcas, de uma vez por todas, e pôr um fim à corrupção. A questão da anulação da dívida imposta à Ucrânia é uma questão-chave deste ponto de vista. A ideia dos membros do Movimento Social é trazer todas estas questões sociais à tona imediatamente, sem esperar por um amanhã feliz. Esta vitalidade democrática persiste mesmo em tempos de guerra.
Entre eles, não se encontram soldados indo para a frente, por um lado, e militantes alimentando as discussões democráticas, por outro, na verdade, estes dois mundos estão intimamente ligados. Algumas unidades de defesa territorial criaram até mesmo formas, ainda muito parciais. de auto-organização.

A Suécia e a Finlândia certamente se candidatarão à adesão à OTAN. Somos forçados a escolher entre a Rússia e a OTAN, ou podemos criticar ambos os lados?
Criticamos a Rússia e, naturalmente, a OTAN, que não só não desapareceu após o fim do Pacto de Varsóvia em 1991, mas continuou a se desenvolver, e não para a defesa da humanidade… A OTAN será sempre parte do problema e não parte da solução.

O que você acha da ação da União Europeia (UE) na guerra na Ucrânia?

É absolutamente repugnante permitir que os refugiados sejam classificados de acordo com seu país de origem nas fronteiras da UE. No início da guerra, o Primeiro Ministro Jean Castex explicou que a França poderia acolher 100.000 ucranianos, e ainda bem. Quantas vezes nos foi dito que o princípio da liberdade de circulação e de estabelecimento que estávamos defendendo era certamente honroso, mas perfeitamente impraticável. Há anos eu ouço “gostaríamos, mas é impossível”.
Temos hoje a triste prova de que quando o acolhimento de refugiados não funcionou a favor de afegãos, curdos ou sírios, por exemplo, não foi porque as autoridades não puderam, mas porque não quiseram.
Para construir uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, que rompa com os tratados liberais, devemos partir de coisas terrivelmente concretas. Nossos camaradas na Ucrânia estão pedindo muitas coisas e muitos debates. Eles querem saber os detalhes do que significa a integração europeia, em termos de direitos sociais e democráticos, para os países do Leste Europeu que aderiram à UE. De fato, mesmo entre os apoiadores da adesão à UE, não há ilusão de que um equilíbrio coletivo de poder será necessário em qualquer caso para alcançar horizontes emancipatórios compartilhados por todos e todas.


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