O papel da polícia deveria ser de proteger e não matar
Os casos de violência policial reafirmam a necessidade de debater a necropolítica.
Dia 31/05/2022 o jornal UOL noticiou que as famílias estavam procurando os corpos de seus entes assassinados na chacina da Vila Cruzeiro, localizada na zona norte do Rio de Janeiro. É importante destacar que por falta de espaço no necrotério, os corpos estavam em sacos pretos no chão, como afirma um líder comunitário que auxiliou no socorro às vítimas. Nessa chacina foram mortas ao menos 23 pessoas. Essas pessoas foram jogadas em sacos, tratadas como lixo no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha.
É fundamental trazermos o debate a respeito dessa chacina, apontada como a segunda mais letal da história do Rio de Janeiro, haja vista que no massacre que ocorreu na Favela do Jacarezinho, que ocorreu em maio do ano passado, foram 28 mortos.
É necessário refletir sobre a falta de rede de apoio a esses familiares e também sobre a quantidade de direitos que são negados a eles todos os dias, pois todos os baleados que chegaram ao Hospital foram tratados como bandidos. Entretanto, nós, sociedade brasileira, nos esquecemos que a polícia também matou trabalhadores que a única coisa que recebem do Estado brasileiro é a violência e a discriminação.
Sabemos que sob o comando do presidente Jair Bolsonaro, a violência das polícias, tanto civis quanto militares, recrudesceu, mesmo considerando que as forças policiais brasileiras são as que mais matam e mais morrem em todo o mundo. Ademais, o governador do Rio de Janeiro anunciou em sua campanha que essas tragédias iriam acontecer, a partir do momento que declarou que a polícia iria fazer o seu papel, matando “bandido” e mirando na cabecinha.
Dessa maneira, podemos notar a necropolítica institucional abertamente transformada em ativo propagandístico. Um aprofundamento da violência de Estado que eu já citei acima, contra jovens, pobres, pretos, pautada na retórica reacionária da chamada guerra às drogas, sempre controlada pela classe dominante contra a população aviltada pelo capitalismo.
Nesse sentido, de acordo com o levantamento do Instituto Fogo Cruzado e o Geni (grupo de estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), em apenas um ano o atual governo do Estado do Rio de Janeiro acumula 181 mortes e 39 chacinas.
É dessa maneira que a carne mais barata do mercado é a carne negra, como já dizia a canção. Pois, na mesma semana, Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, morreu após abordagem de agentes da polícia rodoviária Federal. Inclusive, eles admitiram que utilizaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo dentro da viatura.
Genivaldo fazia uso de medicamentos, haja vista que tinha transtornos psíquicos. Inclusive, no momento da violência policial, ele ergueu a identificação e também os remédios que tomava. Isso nos mostra o despreparo da polícia ao lidar com pessoas com deficiência e também transtornos psíquicos, pois naquele momento eles utilizaram o protocolo da força, mesmo sabendo que era necessário outro procedimento.
Nós relatamos somente dois casos, entretanto, sabemos que já aconteceram diversos massacres e abordagens violentas por parte da polícia. Carandiru; Papuda; Jacarezinho; Vigário Geral; Salgueiro; São Gonçalo; Vila Cruzeiro; Genivaldo e diversos outros casos que terminaram em mortes e violência nos apontam para a necessidade de refletir sobre um debate de segurança pública de uma maneira crítica, pensando na prevenção.
Para além disso, é preciso superar o discurso do punitivismo, pois temos que realizar um debate sobre segurança pública com a sociedade e com os Movimentos Sociais, com o objetivo de fabricar e executar projetos para o fortalecimento dos territórios atingidos por uma política de segurança pública ineficaz, violenta e repressiva.
É necessário também que os policiais tenham novamente contato com a disciplina de direitos humanos, haja vista que essa matéria foi retirada do curso pela PRF. É de suma importância destacar que a mudança na formação pode representar uma alteração geral nos valores pregados na corporação.
Diversos especialistas salientam que a disciplina de direitos humanos e integridade foi completamente eliminada do currículo deste ano. Nesse sentido, como destacam os próprios agentes, é necessário que a disciplina volte, pois é preciso desenvolver nos futuros policiais federais as competências mínimas para o exercício qualificado de relevante função social voltada à defesa e a promoção de direitos no Estado democrático, aguçando a sensibilidade dos agentes para fins de reconhecimento e identificação de violação aos direitos humanos.
Desse modo, a nossa tarefa principal, nas ruas e nas urnas, é derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, pois só assim iremos conseguir combater e demonstrar nas corporações que não existe espaço para esse tipo de discurso de ódio contra a população em situação de vulnerabilidade, que na grande maioria das vezes é invisibilizada pelos agentes e pela nossa sociedade em geral. Não podemos naturalizar e banalizar a violência nas comunidades periféricas. Não devemos admitir mais nenhuma morte de pessoas pretas, pobres, com deficiência, LGBTQIS, mulheres, indígenas e diversos outros grupos.