Presidente da Funai é investigado por apoiar arrendamento de terras indígenas
Deputada do PSOL diz que comissão já pediu afastamento de Marcelo Xavier do órgão.
Antes mesmo dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, eram múltiplas as queixas de povos indígenas e de funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) contra seu presidente, Marcelo Augusto Xavier. Sua gestão atua dentro da narrativa bolsonarista de criminalização dos nativos e contrária ao meio ambiente, bem como aos funcionários do órgão que cumprem seu trabalho.
O descaso e a negligência agora se somam à evidência de um crime. Em um telefonema interceptado pela Polícia Federal (PF) com autorização da Justiça, Xavier foi flagrado oferecendo apoio a um ex-servidor da Funai suspeito de arrendar terras indígenas no Mato Grosso – o que é crime. A conversa, que teria acontecido em janeiro deste ano, faz parte de um inquérito já remetido à Justiça Federal, divulgado em reportagem do jornal O Globo.
Na gravação, Jussielson Silva reclama para o presidente da Funai sobre uma visita que a Polícia Federal lhe havia feito. Nela, policiais o questionaram sobre denúncias de fazendeiros que alugavam pastos para gado, dentro da reserva indígena Marãiwatsédé – que ocupa uma área equivalente a 165 mil campos de futebol espalhados em três municípios mato-grossenses e abriga 781 indígenas xavantes em mais de dez aldeias.
Xavier responde que já havia entrado em contato com a delegacia da PF de Barra do Garças, responsável pela investigação.
“Deixa eu te falar uma coisa: eu falei agora com o chefe da delegacia aqui e me parece que eles estão com uma má vontade enorme. Eu vou dar ciência já do caso ao corregedor lá de Mato Grosso, ao corregedor nacional da Polícia Federal aqui e já vou acionar nossa corregedoria pra atuar nisso aqui. Pode ficar tranquilo”, promete o presidente da Funai.
“Sim, eu agradeço porque a gente está na ponta da lança. O senhor é o meu apoio de fogo. O senhor me protegendo, fico mais feliz ainda, responde Silva.
Conforme relatório da PF à Justiça Federal que “é possível concluir que o presidente do órgão, Marcelo, tem conhecimento do que está se passando, sendo possível que esteja dando sustentação à ilegalidade ora investigada (arrendamento em terra indígena)”. No mesmo relatório, o delegado Mario Sérgio de Oliveira, responsável pela investigação, afirma que “tal demonstração de autoridade (de Xavier) permite inferir uma disposição por parte do presidente da Funai em interferir no trabalho investigativo da Polícia Federal”.
A deputada federal Vivi Reis, do PSOL do Pará, relatora da Comissão Externa da Câmara dos Deputados que acompanha a investigação das mortes de Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips diz que o afastamento do presidente da Funai é urgente.
“Já faz semanas que apresentamos na Comissão Externa da Câmara sobre a morte de Bruno e Dom requerimento pedindo o afastamento imediato e o governo nada fez”, protesta a parlamentar.
Suspeito preso
Foi por uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) que Jussielson Silva e outros dois investigados foram presos pelos crimes de peculato e associação criminosa, entre outros. Os acusados tinham responsabilidade por cerca de 70 mil cabeças de gados espalhadas por 42 pontos da reserva.
Por meio de comunicado oficial, a Funai informou que Silva foi exonerado e que o órgão “se mantém à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações”. A autarquia afirma que “desde 2018 busca uma solução para o impasse envolvendo a prática de arrendamento na Terra Indígena Marãiwatsédé em diálogo constante com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal” sobre o tema.
Em nota divulgada na quinta-feira (25/08), o presidente da Funai nega ter praticado qualquer irregularidade “sendo qualquer tentativa de seu envolvimento fruto de delírio alucinógeno e da negativa politização”. O advogado Paulo Vindoura, defensor de dos presos, não quis se pronunciar.