Luciana Genro conquista segunda maior votação para a Assembleia Legislativa
Uma história de lutas e um mandato que faz a diferença.
Em uma eleição marcada pela profunda derrota sofrida por nomes fortes da política gaúcha, onde detentores de mandatos parlamentares há muitos anos não conseguiram se reeleger, Luciana Genro conquistou a segunda maior votação para a Assembleia Legislativa, com 111.126 votos, menos de 2 mil a menos que o primeiro colocado. Foi a mulher mais votada, 25 mil votos à frente do terceiro colocado, ninguém menos que o filho de Onyx Lorenzoni.
A matemática deste resultado expressa a política não somente da conjuntura nacional e estadual, mas de uma vida dedicada à luta e de quatro anos de intenso trabalho. Na conjuntura política, pode-se considerar a localização acertada do PSOL-RS (tendo Luciana Genro como sua presidente) no processo eleitoral, compondo uma chapa com o PT para a disputa estadual e do Senado em condições que não foram alcançadas em nenhum outro estado – tanto em termos de importância política e independência do PSOL, quanto em termos do perfil à esquerda da aliança, que não contou com representantes da burguesia. Já na conjuntura nacional, o PSOL soube aproveitar a onda Lula para fazer a voz da luta contra a extrema direita chegar mais longe, e no Rio Grande do Sul a candidatura de Luciana Genro expressou o perfil mais combativo deste enfrentamento.
Estes são dois elementos que dão o marco geral de como o PSOL-RS e o MES, com suas lideranças, souberam se localizar de forma muito acertada na conjuntura política colocada nestas eleições. Mas isso, por si só, não explica a vitória estrondosa que representa a reeleição de Luciana Genro – não apenas pela reeleição em si, mas pela expressiva votação, que passou de 73.865 votos para 111.126, um aumento de 37.261. Só essa diferença já representa mais do que a votação de 23 deputados estaduais que foram eleitos este ano.
Em seu terceiro mandato (não consecutivo) na Assembleia Legislativa, já tendo exercido outros dois na Câmara dos Deputados, Luciana Genro é uma figura política com trajetória consolidada no estado, tendo ainda disputado por duas vezes a prefeitura de Porto Alegre e, em 2014, a presidência da República, quando conquistou 1.612.186 votos. Advogada e mestra em Filosofia do Direito, ela iniciou sua vida profissional como professora de inglês. Essa experiência com a educação foi amadurecida, anos depois, com a criação do Emancipa, uma ONG de educação popular fundada em 2011, quando Luciana Genro ficou sem mandato, apesar de ter sido a deputada federal mais votada do estado. Nestes 11 anos de atuação, o Emancipa ajudou milhares de jovens a ingressar na universidade com seus cursinhos pré-vestibular e pré-Enem, além de ampliar seu trabalho social a diversas cidades do estado. Em Porto Alegre, o trabalho nas periferias da Restinga e do bairro Santa Rosa de Lima transforma a vida das populações mais vulneráveis. E desde 2017, com a criação da Emancipa Mulher, também por Luciana Genro, o Rio Grande do Sul conta com uma escola de formação feminista e antirracista, que oferece, além de cursos gratuitos, assistência e acolhimento às mulheres.
As votações e a trajetória de Luciana Genro são impressionantes. Mas tempo de atuação e votos consolidados muitos políticos gaúchos possuem e, ainda assim, não conseguiram se viabilizar no último pleito. As urnas foram cruéis com nomes tradicionais e fortes do nosso estado, expressando por um lado um clamor por renovação – ainda que dentro dos marcos da política burguesa – e, por outro, a crise que se alastrou pelo centro e pela direita com o fortalecimento do bolsonarismo.
A maior vítima, sem dúvidas, foi o PSDB, que a nível nacional elegeu 13 deputados federais, apenas um a mais que o PSOL. E no Rio Grande do Sul garantiu uma vaga no segundo turno por pouco mais de 2 mil votos. Políticos expressivos do partido, como Zilá Breitenbach – que, aos 80 anos, cumpria o quarto mandato consecutivo na Assembleia Legislativa – e Mateus Wesp, líder do governo, não conseguiram se reeleger.
O MDB também saiu das eleições menor do que entrou. Perdeu duas cadeiras no Legislativo gaúcho e não conseguiu reeleger Tiago Simon, filho do senador Pedro Simon, e Carlos Búrigo, afilhado político de Sartori na Serra. E o partido Novo foi duplamente derrotado, pois passou de duas para apenas uma cadeira na Assembleia, e seus dois atuais representantes ficaram sem mandato – Fábio Ostermann fracassou ao tentar a Câmara dos Deputados e Giuseppe Riesgo não viabilizou sua reeleição. Nacionalmente, o Novo fez apenas três deputados federais e sequer superou a cláusula de barreira.
Em uma eleição profundamente polarizada, com ares de plebiscito contra e a favor do governo Bolsonaro, quem semeou no eleitor a ilusão de que havia uma terceira via se deu mal. Enquanto, à direita, muitos foram engolidos pelo bolsonarismo, à esquerda o PSOL-RS e o MES souberam conduzir sua política na direção mais correta. A aliança com o PT, afirmando um programa e uma cara próprios, possibilitou que amplos setores da população enxergassem nas lideranças do PSOL a ponta mais afiada da lança empunhada para derrotar Bolsonaro. E no fio deste metal, brilharam as gurias do PSOL: a dobrada Luciana Genro e Fernanda Melchionna estourou e consolidou as duas maiores votações entre as mulheres da esquerda gaúcha.
A força das nossas lutas e o resultado do nosso trabalho
Na primeira parte do texto, analiso o momento político em que se deu a vitória de Luciana Genro. Nesta segunda parte, quero me dedicar a outro fator fundamental para este resultado, sem o qual a expressiva votação jamais teria sido alcançada: o intenso trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos de mandato. Não fosse a dedicação incansável de Luciana e sua equipe, o PSOL não teria as duas cadeiras que conquistou na Assembleia Legislativa – onde a expressiva votação, com 82.401 votos, conquistada por Matheus Gomes demonstra, também, a potência da juventude e da negritude na luta para ter vez e voz nos espaços de poder.
Como jornalista e integrante do mandato de Luciana Genro, posso comprovar que não houve um único dia nestes últimos quatro anos em que nosso mandato parou. Não houve um chamado à luta que não tivéssemos atendido. Não houve um pedido de ajuda que não tivéssemos respondido. Não houve uma tentativa de retrocesso que não tivéssemos combatido. Enfrentamos a extrema direita todos os dias, endurecendo sempre mas sem nunca perder a ternura.
O principal líder do bolsonarismo no RS, o então deputado Ruy Irigaray, eleito com mais de 100 mil votos em 2018 pelo PSL e amigo pessoal de Eduardo Bolsonaro, teve seu mandato cassado pela força da luta política travada por Luciana Genro. Foi a deputada do PSOL que apresentou o primeiro pedido de cassação de Ruy na Comissão de Ética, que foi aprovado e resultou na perda do mandato desse bolsonarista corrupto. No dia da votação, Luciana foi a única deputada da esquerda que subiu à tribuna, enfrentando a manada que se fez presente no plenário para defender bandido. Em alto e bom som, ela denunciou a “briga de quadrilha” entre Bibo Nunes e Ruy Irigaray que resultou na exposição dos esquemas deste último. Aliás, vale registrar que Bibo também saiu derrotado das urnas, não conseguindo se reeleger, nem tendo elegido sua filha.
Além da luta sem tréguas contra o bolsonarismo, Luciana Genro realizou um trabalho ímpar de fiscalização – uma das principais e mais úteis atribuições de um parlamentar. Foi uma pedra no sapatênis de Eduardo Leite durante todo o governo, denunciando a situação de abandono das escolas públicas, erguendo muralhas em defesa dos servidores, que tiveram suas carreiras desmanteladas, e ecoando de forma inédita a voz dos praças da Brigada MIlitar, sufocada pelo militarismo que censura e persegue os que lutam por seus direitos. Luciana Genro levou para dentro da Assembleia a luta das religiões de matriz africana contra a perseguição. A defesa do meio ambiente diante do avanço da megamineração e do império dos agrotóxicos. A voz dos excluídos que estão abandonados pelo poder público nas ocupações urbanas. A defesa incondicional e inegociável dos direitos humanos, das mulheres, da negritude e da população LGBTI+.
Foram mais de 350 ofícios enviados ao governo estadual, a órgãos públicos federais e até mesmo a entes privados cobrando explicações sobre denúncias recebidas, exigindo providências na resolução de problemas e apontando caminhos para melhorar a vida do povo. Em quatro anos, foram mais de 70 projetos e 85 emendas apresentados, sete frentes parlamentares coordenadas e duas comissões extraordinárias criadas e presididas – sobre violência contra a população LGBTs e de acompanhamento às investigações a respeito do incêndio no prédio da Secretaria de Segurança Pública. Trabalhos estes, aliás, que resultaram em relatórios robustos, tecnicamente muito bem embasados e politicamente direcionados a enfrentar as raízes de problemas estruturais do nosso estado.
Entre os projetos apresentados, destacam-se bandeiras históricas do PSOL, como auditoria da dívida com a União e transparência nas isenções fiscais, além da luta por justiça tributária com a taxação das grandes heranças e isenção das pequenas. Temas que os representantes da burguesia gaúcha não permitiram que avançassem no Legislativo, travando a tramitação de todas as nossas medidas que representavam uma ameaça aos interesses do sistema.
A luta pela lei das câmeras nos uniformes e viaturas policiais também foi uma batalha que travamos ao longo de todo o mandato, chegando a levar o projeto ao plenário, com todas as condições de ser aprovado, para assistir a uma “boiada”, como bem definiu Luciana, liderada pela direita se formar e derrotar a proposta. Era dezembro de 2021. Poucos meses depois, o jovem Gabriel Marques Cavalheiro, de apenas 18 anos, foi morto, ao que tudo indica, pelas mãos de policiais que o abordaram na cidade de São Gabriel e que hoje encontram-se presos. Luciana Genro não se deu por vencida e reapresentou o projeto tão logo ele foi derrotado em plenário, convencida de que essa luta precisa seguir na próxima legislatura.
Mesmo contra uma maioria sólida formada pela direita, conseguimos aprovar projetos importantes, como a lei que proíbe os fogos de artifício com ruído em busca de alívio a pessoas no espectro autista e tutores de animais, que tanto sofrem com o barulho. Aprovamos também uma lei que garante mais transparência à Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado, atendendo a um apelo de pacientes com doenças raras. Conhecemos bem os limites do Parlamento burguês, por isso sabemos bem que só aprovar leis não basta. É preciso lutar para que elas sejam aplicadas, e por isso estamos até hoje incidindo sobre o governo para que fiscalize a lei dos fogos e regulamente de forma efetiva a lei da Farmácia do Estado.
Além de todos os projetos apresentados, Luciana Genro aprovou emendas que mudaram concretamente a vida de segmentos vulneráveis da população. A única política pública de acolhimento a mulheres vítimas de violência só existiu graças a uma emenda da deputada, que garantiu a compra de vagas em abrigos para as mulheres e seus filhos. E a única política de distribuição gratuita de hormônios a pessoas trans pelo SUS em Porto Alegre também é uma vitória nossa: foi uma emenda de Luciana Genro que garantiu essa conquista ao Ambulatório Trans da cidade.
Esse texto teria que ser muito mais longo do que já é se tivesse a pretensão de esgotar toda a dimensão do que foi a atuação de Luciana Genro nos últimos quatro anos. Quem quiser ter uma ideia da totalidade do nosso trabalho pode conferir a nossa cartilha de prestação de contas. As linhas escritas aqui registram apenas uma pequena parte do que foi feito, na tentativa de ilustrar o quão longe nossas lutas chegaram no último período e quanto empenho, acolhimento e encaminhamento encontraram no gabinete de Luciana Genro.
A votação expressiva que recebemos não foi um raio em céu azul, para utilizar uma expressão que Luciana costuma dizer. Não foi um acidente, muito menos sorte. Foi o resultado da força das nossas lutas e o reconhecimento de todo o trabalho que realizamos. Um trabalho coletivo, onde não apenas a equipe do mandato – em suas mais amplas áreas de atuação, da assessoria jurídica à comunicação, do trabalho nos bairros ao interior do estado, da recepção à atuação em comissões e plenário -, mas a militância e a direção do PSOL-RS e do MES estiveram empenhados em construir e fortalecer.
Nada disso seria possível, é claro, sem a liderança da nossa camarada. Ela mesma, Luciana Genro.
Samir Oliveira
Jornalista e militante do PSOL e do MES no Rio Grande do Sul.