A Morte do Jovem Negro Keenan Anderson em Los Angeles e a Luta Antirracista no Governo Democrata de Joe Biden: Lições e Alertas para o Brasil
O professor Keenan Anderson foi assassinado pela polícia de Los Angeles durante abordagem após acidente de trânsito.
No dia 03 de janeiro, na cidade de Los Angeles, Califórnia, o professor Keenan Anderson foi morto por sucessivos choques elétricos pela polícia. Além dos choques, ele teve seu pescoço pressionado contra o chão. Antes de morrer, a vítima gritou diante da câmera da farda do policial, pedindo socorro e dizendo que estavam matando-o como George Floyd. Mas qual foi o erro capital de Keenan? Se envolver em um acidente de trânsito e tentar fugir, DESARMADO, de uma abordagem truculenta. Este fato foi noticiado em diversos canais nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Pois além de ser uma morte brutal muito semelhante à de George Floyd, o professor assassinado diante das câmeras das fardas era nada mais nada menos do que primo de uma das fundadoras do Black Lives Matter, Patrice Cullors. Lembremos que o BLM foi fundado por três mulheres, que, além de Patrice, contou com Alicia Garza (a mais conhecida) e Opal Tometti, em 2013, na ocasião da morte do jovem negro Trayvon Martin, na Florida, que foi morto por um jovem branco que o “confundiu com um bandido”. Nesse período, o Black Lives Matter se ampliou e foi um dos movimentos mais fortes nos Estados Unidos, país com larga tradição antirracista que teve como expoentes Rosa Parks, Martin Luther King Jr., Malcolm X, Angela Davis e o Panteras Negras, além de tantos outros. Mas foi na morte de Michael Brown, em Ferguson, Missouri, em 2014 que o BLM consolidou seu caráter insurrecional de fato. Em uma cidade absolutamente secundária de um Estado também secundário, a morte de Mike Brown foi o estopim de uma luta antirracista nacional. Ali, o BLM mostrou que sua luta estava em sintonia com a melhor tradição da luta negra daquele país. Infelizmente, tanto os policiais que mataram Mike, quanto o jovem que matou Martin foram absolvidos. Mas isso não enfraqueceu a luta do Black Lives Matter, nem de outros movimentos. Até porque muitas mortes de jovens negros desarmados seguiram. Não é à toa, que o assassinato de George Floyd em 2020, em Minneapolis, foi estopim para uma luta negra insurrecional nos Estados Unidos e que contagiou o mundo ocidental. Projetando o BLM como referência internacional da luta negra com ação direta, inclusive questionando velhas direções negras democratas nos Estados Unidos. Além da mobilização histórica, o policial foi demitido, condenado e preso.
Aliás, parte da derrota de Donald Trump se explica pela luta negra antirracista. E parte da luta negra antirracista de 2020 também se explica pelo perfil provocador e as políticas pró-supremacia branca de seu governo. Em realidade, foram forças opostas que se atraíram em rota de colisão frontal, com resultado desfavorável a Trump e todos os suprematistas brancos que tentaram se reerguer depois no episódio do capitólio, com uma nova derrota.
Mas a pergunta crucial aqui, diante do brutal assassinato de Keenan Anderson é: Como se comportará o Black Lives Matter? Qual seu poder de reação nas ruas? Qual sua radiografia política atual? Até este momento as reações às mortes têm sido fortes nas redes sócias, porém tímidas nas ruas. A jornalista Isabel Wilkerson, autora de um dos principais livros sobre racismo nos EUA, denominado Castas: A Origem do Nosso Mal-Estar, postou em suas redes sociais em alusão ao aniversário da morte de Martin Luther King Jr. Perguntando-se: o que ele faria nesse momento. O fato é que, perto das mobilizações de 2014, quase dez anos depois, o BLM se encontra e uma dificuldade objetiva de mobilização. De ardo com a professora e de Estudos Afro-americanos da universidade de Princeton, Keeanga-Yamahtta Taylor, que para muitos é a discípula natura de Angela Davis, em seu livro #Vidas Negras Importam e Libertação Negra, faz um longo debate sobre a origem, desafios e debilidade do Black Lives Matter nos capítulos finais da obra, através de uma análise precisa da história do movimento negro estadunidense, suas conquistas e as armadilhas políticas que este sofrera. Taylor vê que a força do BLM foi ter a capacidade de ser um movimento novo, mas com raízes na melhor tradição de luta. O BLM rompe (sem ter nunca se associado) com velhas associações negras institucionalizadas e acomodadas após as conquistas das lutas pelos direitos civis. O Black Lives Matter se opôs à concepção do Color Blindness (Daltonismo Racial) onde se diz que a luta pelos direitos civis acabou com a discriminação e que suas conquistas subsequentes de jovens nas universidades, classe média negra consistente, ricos negros e, por fim, um presidente negro, Obama, seriam a prova da Color Blindness, ou seja, agora trata-se de desempenho individual e meritocrático. Nesse sentido o BLM denunciou a condição dos negros em seus bairros se comparados aos bairros brancos, o desemprego negro e, principalmente a violência institucional da polícia e do judiciário que são responsáveis por mortes, absolvições dos policiais brancos e do encarceramento em massa, tão denunciado por Angela Davis. Não há daltonismo racial, mas racismo de Estado, racismo de classe, há racismo. Ademais, Taylor viu na descentralização do BLM um componente de rápida mobilização e que isso foi aprendido com as lutas do Occupy Wall Street de 2011. Não à toa o BLM nasce três anos depois.
Todavia, a mesma descentralização que o impulsionou foi uma debilidade para a formulação de um programa antirracista mais consistente de exigências por mudanças. Soma-se a isto a excessiva precaução de organizar a luta em um governo democrata. Se por um lado Trump era uma gasolina com suas declarações racistas e xenofóbicas, pois movimentos sociais , sobretudo de juventude, agem mais sob provocação, Biden e seus democratas tentam colocar pautas identitárias como marca do seu governo e isso acaba por contemplar muitos movimentos sociais. A possível volta de um governo Trump também coloca cautela na ação do movimento negro. No entanto, essa cautela mais prende do que liberta, pois a cautela negra é um componente para as polícias retomarem seu terreno de violência racial e xenofóbica. Mas o fato é que o medo da volta da extrema direita nos EUA aumenta o silêncio ante a política capitalista e também racista dos democratas. Aliás, no governo Obama o BLM passou por uma prova de fogo de cooptação, a pressão foi grande. Nos incidentes de Ferguson, o presidente Obama chamou o Black Lives Matter para uma reunião. A maioria recusou, entre a maioria Alicia, Patrice e Opal, suas fundadoras. Isso gerou um racha em secções estaduais, mas deu um caráter de luta ao movimento, coisa que não está sendo conseguida agora. Parte dessa atual debilidade foi aqui explanada, a outra, diz respeito à fama que suas fundadoras obtiveram se tornando colunistas de grandes meios de comunicação, organizadoras de eventos contra o racismo e o BLM um grande vendedor de produtos contra o racismo, de bonés, camisetas, agendas etc. O que é bom para os fundos do BLM, mas que lhe exige mais e mais institucionalização e um certo comportamento comercial.
Brasil e as Lições
No Brasil a conjuntura política da derrota de Bolsonaro e vitória de Lula traça vários paralelos com os Estados Unidos que aqui não há necessidade detalhar, tivemos inclusive nosso próprio Capitólio. Em relação às lutas sociais, também haverá cautela, pois mais do que nunca a frase, “jogando água no moinho da direita”, muitas vezes usada de forma desleal, será ainda mais forte, pois será agora “jogando água no moinho da extrema direita” desta vez com certa lógica. Assim como Biden e talvez mais forte ainda, a pauta identitária será forte no governo Lula, isso não é negativo, pelo contrário. As posses de Anielle Franco, Silvio Almeida e Sônia Guajajara, trazem alento aos pobres, negros e indígenas. Isso é um fato! A pressão da extrema direita e as chantagens da direita serão constantes nesses terrenos. Não à toa, parte das lutas dos movimentos sociais será a defesa desse governo, pois um golpe na América Latina é muito mais fácil que nos Estados Unidos e um golpe no Brasil desencadearia golpes em toda a América do Sul.
Entretanto, a defesa do governo não pode ser sinônimo de paralisia, sobretudo da luta popular. Uma coisa é ter em mente que protestar contra o governo Lula é até insano nesse momento de crise institucional onde um possível golpe espreita (a intensidade disso é parte de um debate maior). Outra coisa é ter o silêncio como arma para qualquer conjuntura. Digo isso porque no interior do movimento negro do Rio Grande do Sul já há uma política de isolamento do Movimento Vidas Negras Importam por parte de setores da organização negra que veem a defesa do governo misturada com a ocupação de cargos. É evidente que ocupar cargos no governo Lula é legítimo e até positivo como é o caso dos ministérios de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Povos Originários. Todavia, há movimentos já preocupados e já tratam de se mostrarem dóceis com o governo e ferozes vigilantes do movimento negro independente.
Enfim, a sorte está lançada, da parte do Movimento Vidas Negras Importam-RS, defender o governo contra a extrema direita é fator crucial. Mas a independência política é tão importante quanto. Dito isso, não nos calaremos diante da violência de Estado, vinda de onde vier, fortalecer o governo democraticamente eleito, tarefa importante, não pode ser com o enfraquecimento dos movimentos sociais, caso isso aconteça, perde o governo, perde o movimento e perde o povo.
Gilvandro Antunes – Membro do Movimento Vidas Negra Importam e Militante do PSOL-RS.