James Baldwin em português
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James Baldwin em português

Um pouco da vida e obra do escritor negro, socialista, militante pelos direitos civis e crítico do sonho americano.

Danilo Serafim 11 jan 2023, 09:58

“Esta não é uma posição doutrinária, não importa como os Panteras possam parecer ao glorificar Mao, Che ou Fanon… A necessidade de uma forma de socialismo é baseada na observação de que os atuais arranjos econômicos do mundo condenam à miséria, que o modo de vida ditado por esses arranjos é estéril e imoral e, finalmente, que não há esperança de paz no mundo enquanto esses arranjos existirem.” 

James Baldwin, sobre o apoio ao Partido dos Panteras Negras

A primeira vez que ouvi falar de James Baldwin, tinha 25 anos, foi através de um amigo, hoje falecido: um inglês que veio morar em minha cidade, que chamava-se Steve French. Ele me dizia que pelo fato de eu não saber inglês me impedia de ler o maior escritor negro americano do século XX. Isso aguçou o meu interesse e eu o “convenci” a traduzir alguns textos de Baldwin.

Em 2021, a Companhia das Letras publicou parte da obra do escritor afroamericano. Pelo menos quatro títulos estão nas livrarias: Terra Estranha  trata da Nova York do fim dos anos 1950. É um romance fascinante sobre o modo como questões de raça, identidade e sexualidade permeiam a dinâmica de uma cidade ao mesmo tempo tumultuada e extremamente solitária; Racismo e injustiças sociais são alguns dos temas abordados em Se a Rua Beale Falasse. Um romance primoroso e urgente sobre coragem, luta e paixão. Notas de um Filho Nativo é uma obra prima de não ficção sobre raça e identidade assinada por um dos intelectuais mais brilhantes do século XX; Já O Quarto de Giovanni, é ambientado na Paris boêmia e fervilhante da década de 1950. Esse clássico moderno narra a história de David, um americano de família abastada que, aos vinte e tantos anos, passa uma temporada na capital francesa.

Também disponivel por canais de streaming, está o documentário Eu Não Sou Seu Negro, indicado ao Oscar de 2017 de melhor documentário, e narrado por Samuel L. Jackson. O filme sobre a luta dos direitos civis, fascinante é altamente questionador, retrata o período das lutas mais radicais contra as Leis Jim Crow, que institucionalizaram a segregação racial nos Estados Unidos de 1877 até 1964.

Reproduzo, a seguir, parte do artigo O Socialismo de James Baldwin, escrito na Jacobin (06/06/21) por Arvind Dilawar, um escritor e editor que já trabalhou em artigos para veículos como Newsweek, The Guardian, Al Jazeera e outros:

“Nascido na cidade de Nova York, em 2 de agosto de 1924, Baldwin cresceu em um Harlem que estava se tornando um centro da vida cultural negra.

Na adolescência juntou-se à Liga Socialista dos Jovens, um braço do Partido Socialista da América. Aos 13 anos, já era um agitador político.

Em suas memórias políticas, No Name in the Street, Baldwin relata o período de seu ativismo político de esquerda: “Eu marchei em um desfile de primeiro de maio, carregando faixas, gritando ‘East Side, West Side’ por toda a cidade, ‘Queremos que os proprietários destruam as favelas!’”.

A atração de Baldwin pela política de esquerda na sua juventude era prática, com base em sua experiência de crescimento nos cortiços do Harlem.

Certa vez Baldwin escreveu, “Eu não sabia nada sobre comunismo, mas sabia muito sobre favelas”. A sua relação política orgânica com a esquerda não durou muito tempo. Como dizia o próprio Baldwin, “Minha vida na esquerda não tem absolutamente nenhum interesse”, escreveu ele na introdução de O Preço do Ingresso, uma coleção de suas obras de não ficção. Ele relata, “Não durou muito. Foi útil porque aprendi que pode ser impossível me doutrinar”.

Lendo os escritos de Baldwin, torna-se claro que foi a incapacidade percebida pelo socialismo e pela esquerda branca e pró-stalinista norte-americana em lidar com a questão racial que o afastou do movimento, levando o agitador outrora inspirado a ridicularizar a política de esquerda como mera doutrinação.

James Baldwin era um anticomunista na tradição trotskista, ou seja, ele via que o stalinismo não era socialismo.

Esse é um fenômeno universal. O mesmo acontece aqui no Brasil. Uma minoria de ativistas negros integram as organizações de esquerda. E esse não é um problema que deve ser imputado aos negros e, sim, às organizações de esquerda que não tratam a questão do racismo com a devida centralidade.

O racismo não se combate apenas com palavras, mas com gestos, ações e programas. O antirracismo é uma prática. Racismo e marxismo são plenamente combináveis. Mas é fato que a maioria das organizações e suas direções são majoritariamente de pessoas brancas.

Passados 30 anos, Baldwin faz as pazes e retorna ao socialismo. O movimento dos Panteras Negras, sua nova forma de fazer política e de organização, o trouxe de volta ao socialismo.

Aprendizado no Harlem

Baldwin nasceu no ano de 1924. Naquele período, massas de afro-americanos migravam para cidades do norte, como Nova York, fugindo das Leis Jim Crow. O Harlem era o centro da vida cultural negra. E nesse ambiente ele cresceu e se desenvolveu.

De acordo com Arvind Dilawar, esse florescimento da arte e da cultura afro-americana foi interrompido pela Grande Depressão, que mergulhou o bairro na pobreza e arruinou a infância de Baldwin. Quando menino, ele passou muito tempo cuidando de seus oito irmãos mais novos, enquanto sua mãe limpava as casas de mulheres ricas e seu padrasto pregava para um rebanho cada vez menor de congregantes batistas.

Segundo Dilawar, a introdução de Baldwin ao socialismo provavelmente veio de uma professora branca, Orilla “Bill” Miller, que também apoiou suas primeiras inclinações literárias.

Em Diabo Encontra Trabalho, seu livro de memórias e críticas de cinema, Baldwin credita Miller por “sugerir para mim até que ponto os arranjos sociais e econômicos do mundo são responsáveis por (e para) as vítimas do mundo”.

A professora não só teve um interesse ativo na educação literária e política de Baldwin, mas também procurou defender todos os seus alunos contra as depredações de uma sociedade capitalista racista, incluindo proprietários de lojas e até mesmo a polícia – todos os quais, Baldwin observa, odiavam Miller por sua agitação.

Ele se lembra de um episódio com prazer: quando Miller levou seus alunos (presumivelmente negros) a uma delegacia para tomar sorvetes (presumivelmente reservados para crianças brancas). A professora se recusou a recuar para os policiais brancos, que eventualmente cederam e entregaram a sobremesa.

A experiência pessoal do futuro autor contra a pobreza foi desencadeada por Miller, inspirando-o a se tornar ativo na política. Embora não haja registro da participação de Baldwin na Liga Socialista dos Jovens, seus escritos contém referências às atividades políticas da época. Ele menciona uma parada do 1º de maio, quando denunciou os proprietários e seus cortiços; Baldwin ainda ajudou a organizar greves de aluguel com seu melhor amigo, outro jovem socialista negro chamado Eugene Worth. Descreve Worth com um crente muito mais fervoroso do que ele mesmo. Apaixonado por um colega socialista branco, mas rejeitado pela família, Worth pulou para a morte da ponte George Washington em 1946.

O desencanto e a ruptura

Segundo Arvind Dilawar, se foi um apelo à pobreza que atraiu Baldwin ao socialismo, foi a marginalização da luta contra o racismo americano que o afastou – mais evidentemente na estratégia da Frente Popular da Internacional Comunista Stalinista.

Após o fracasso em estancar o fascismo na Europa, o Comintern começou a defender uma coalização antifascista de esquerdistas e liberais em 1935. Como parte dessa estratégia, as organizações apoiadas pelos comunistas nos Estados Unidos foram orientadas a abandonar seus esforços antirracistas em favor de apoiar a guerra a todo custo – uma decisão que deixou os radicais negros justificadamente amargos.

De repente, a alegação de que os comunistas tinham segundas intenções ao agitar entre os trabalhadores negros ou apoiar réus negros injustamente acusados, como os Scottsboro Boys, parecia ter mérito. Foi assim que Baldwin descreveria décadas depois, em um discurso intitulado O Papel do Escritor na América (reimpresso como Notas para um Romance Hipotético no livro Nobody Knows My Name), onde ele insistiu que o caso Scottsboro deu “oportunidades horríveis ao Partido Comunista”. 

De acordo com Dilawar, embora a Frente Popular fosse principalmente um esforço comunista, muitos outros socialistas também apoiaram a estratégia, provocando a ira de Baldwin. Conforme o biógrafo, apesar de ocasionalmente se descrever como um anticomunista, Baldwin nunca apoiou o macarthismo ou qualquer um dos outros episódios americanos de histeria da Guerra Fria.

Em No Name in the Street, ele descreve o retorno a Nova York, em 1952, após quatro anos em Paris, para encontrar uma cidade “na qual quase todos corriam sem graça em busca de abrigo, na qual amigos estavam jogando seus amigos para os lobos e justificando sua traição por discursos eruditos sobre a traição do Comintern”.

Dilawar relata que, em vez de colocá-lo nos braços dos anticomunistas, o macarthismo apenas deu a Baldwin uma prévia da hipocrisia liberal com a qual ele se familiarizaria durante o auge do Movimento dos Direitos Civis:

“O pretexto para tudo isso, é claro, era a necessidade de ‘conter’ o comunismo, que, eles me informaram, descaradamente, era uma ameaça ao mundo ‘livre’. Mas eu me perguntei como a justificativa da tirania flagrante e irracional, em qualquer nível, poderia operar no interesse da liberdade, e me perguntei que urgências interiores e implícitas dessas pessoas tornavam necessária uma ilusão tão completamente sem atrativos”.

Após a crise dos mísseis cubanos em 1962, quando a atitude temerária dos EUA quase desencadeou uma guerra nuclear, Baldwin criticou os Estados Unidos por sua incessante busca aos vermelhos e defendeu o direito dos povos à autodeterminação. No ano seguinte, Baldwin fez um discurso intitulado The Negro Child – His Self-Image (reimpresso como A Talk to Teachers), onde argumentou que os Estados Unidos estão “desesperadamente ameaçados, não por Khrushchev, mas por dentro”, referindo-se ao fracasso do país em atender às demandas do Movimento dos Direitos Civis. Baldwin comparou as ilusões da supremacia branca às ilusões do anticomunismo.

Embora não fosse vítima do histrionismo do macarthismo, Baldwin demoraria vários anos para abraçar novamente a política socialista. E foram necessários os Panteras Negras, que fundiram o anticapitalismo com uma forma distinta de antirracismo, para puxá-lo de volta ao rebanho.

Fundado por Huey Newton e Bobby Seale, em 1966, o Partido dos Panteras Negras pressionou pela autodefesa armada dos afro-americanos, especialmente contra a polícia, bem como por programas imediatos de ajuda mútua, reformas radicais e autodeterminação negra.

Enquanto comenta sobre os Panteras Negras em No Name in the Street, Baldwin se concentra nas patrulhas armadas de vigia de policiais do partido e na resposta implacável do Estado. Mas ele também descreve e se identifica com os objetivos dos socialistas do partido.

James Baldwin foi ardoroso defensor da luta pelos Direitos Civis, assim como apoiou resolutamente as lutas de Martin Luther King Jr., Malcolm X e Medgar Evers. Assumiu posição semelhante defendendo os Panteras Negras enquanto eles eram sistematicamente aprisionados (Newton, em 1967; Seale, em 1968; Eldridge Cleaver, em 1968; e Angela Davis, em 1970). Ele também se posicionou firmemente contra os assassinatos de Bobby Hutton, em 1968, e de Fred Hampton, em 1969. 

Em 1970, Baldwin já havia se estabelecido no sul da França, onde sucumbiu ao câncer de estômago em 1987. Lá, escreveu uma vasta obra, porém, muito pouco traduzida para o português. Sua vasta literatura é reconhecida mundialmente, e ele é tido como um dos maiores escritores afro-americanos do século XX. Agora temos a oportunidade de conhecer parte da obra desse grande escritor no Brasil.


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Pedro Micussi