O grande desafio é o resgate da Educação contra a destruição promovida por Bolsonaro
É mais do que necessária a revogação da estrutura e de instrumentos anacrônicos e reacionários impostos pela última administração federal
No best-seller “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt marcam o que chamam “Os quatro principais indicadores do comportamento autoritário”. Citarei apenas um deles: “rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas)”. Veja algumas atitudes que caracterizam esse indicador:
- Os candidatos rejeitam a Constituição ou expressam disposição de violá-la;
- Sugerem a necessidade de medidas antidemocráticas, como cancelar eleições, violar ou suspender a Constituição, proibir certas organizações ou restringir direitos civis ou políticos básicos;
- Buscam lançar mão (ou endossar o uso) dos meios extraconstitucionais para mudar o governo, tais como golpes militares, insurreições violentas ou protestos de massa destinados a forçar mudanças no governo;
- Tentam minar a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito.
Todo esse rol acima, elaborado por Levitsky e Ziblatt, encaixa-se em Jair Bolsonaro. A saída – ou melhor, a fuga patética para os EUA -, a 48 horas da posse de Lula, no avião presidencial, mostra a verdade revelada. A “consciência” de quem deixou um rastro de destruição no conjunto da sociedade brasileira.
Foi o governo mais desastroso da história do Brasil no âmbito da política, da economia, da geração de emprego, do meio ambiente, da ciência e tecnologia, da educação e cultura e, sobretudo dos direitos sociais e da saúde pública. Esse rastro de destruição expressa-se em quase 700 mil mortos vítimas da negligência criminosa de Jair Bolsonaro (PL) e seu governo do partido militar. Que não haja anistia.
O desmonte da educação pública no Brasil
A destrutiva política educacional e da cultura do governo Bolsonaro se caracterizou por uma guerra ideológica ultraconservadora, de caráter neofascista, contra os ideais progressistas e democráticos. Sob o discurso de defesa da família, da pátria e contra o “marxismo cultural”, essa gestão atacou em várias frentes a estrutura educacional e cultural, com cortes e contingenciamento de orçamentos, propostas de mudança no funcionamento no Ministério da Educação (que teve quatro ministros nesse período) e a extinção do Ministério da Cultura.
O desmonte da educação pública, a partir do golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016, foi e continua sendo de imensa magnitude dentro de uma concepção de um Estado “ultraneoliberal”, ancorado na Emenda Constitucional nº 95, o famigerado Teto de Gastos.
É mais do que necessária a revogação da estrutura e de instrumentos anacrônicos e reacionários impostos pela última administração federal, herança maldita de Jair Bolsonaro. São urgentes e foram expressas no documento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), encaminhado ao GT da equipe de transição do governo Lula. Senão vejamos:
- Decreto nº 10.004/20, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Além de comprometer a gestão democrática, o Pecim afronta a profissionalização de educadores e educadoras, promove seletividade no financiamento e evasão de estudantes não alinhados às regras militares, e desrespeita a pluralidade cultural e curricular da educação pública;
- Decreto nº 10.502/20, que trata da Política Nacional para a Educação Especial, que está em total desconformidade com as metas do PNE, com as orientações constitucionais e internacionais para a promoção da inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares. O decreto encontra-se sub júdice no STF;
- Decreto nº 10.134/19, que fomenta a oferta de Educação Infantil através da rede privada, desresponsabilizando a esfera pública. É preciso resgatar as premissas e compromissos do programa Brasil Carinhoso;
- Decreto nº 9.057/17 e Portaria Normativa nº 11, de 20/6/17. Ambas tratam da oferta de Educação a Distância com baixíssimo grau de normalização e fiscalização das atividades da rede privada pelo Poder Público
Os desafios são imensos. Entre eles está a luta pela revogação, em âmbito do Congresso Nacional, da Lei 13.415 (Reforma do Ensino Médio). É uma lei pautada na privatização das matrículas – com consequente esvaziamento da oferta e do financiamento da escola pública – e na redução dos currículos escolares, o que promove verdadeiro apartheid socioeducacional.
A guerra cultural promovida por Bolsonaro em desfavor da educação teve como tônica a promoção de diversas medidas antidemocráticas e prejudiciais aos sistemas de ensino em geral, tais como a Educação Domiciliar (homeschooling) e a mordaça aos educadores (Escola sem Partido), ambos com o apoio de uma ampla base reacionária no Congresso Nacional.
A destruição do Ensino Médio, herança maldita do governo Temer, é trágica. De cada 100 jovens que ingressaram na escola, apenas 59 concluem a essa estapa; 1,5 milhão de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola; somente 5,6% das matrículas são em tempo integral; cerca de 11 milhões de jovens estão sem estudar e sem trabalhar, e somente 22,6% das escolas têm infraestrutura considerada adequada.
A questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também entrou no contexto da destruição, que ultrapassa o âmbito educacional e social. Os principais atingidos foram a juventude de pretos, pardos e pobres em geral. Entre os inscritos no Enem, a queda no número de inscritos chega a ser brutal nessa população: de 58% em 2019, para 51,8% em 2021 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na Educação Superior, o crime perpetrado por Bolsonaro persiste. A gestão desenvolveu um projeto deliberado de desmonte das instituições públicas federais. Bolsas de pesquisa de mestrado/doutorado estão com valores congelados há 10 anos. Sem contar os permanentes cortes de verbas e o sucateamento da universidades, que seriam usados para justificar processos de privatização, criando um novo apartheid educacional.
Bolsonaro foi derrotado nas urnas. Porém, o surgimento de um movimento de massas na extrema direita ultrareacionária e golpista é uma realidade. Essa população elegeu para o Senado e para a Câmara uma grande bancada tão ou mais perigosa. Reconstruir os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e derrotar a extrema direita nas ruas é o grande desafio para o período que se inicia. Sem anistia para os crimes de Bolsonaro!