A questão agrária segue urgente
Foto: FNL Paraná

A questão agrária segue urgente

É preciso retomar a agenda política da reforma agrária e enfrentar a criminalização dos movimentos de luta pela terra.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 27 abr 2023, 19:49

Nos últimos dias, vários ministros do governo, entre eles Alexandre Padilha e Paulo Teixeira, atacaram as ocupações de terras que o MST realizou ao longo do mês de abril. Padilha condenou textualmente a ação do MST. Antes disso, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, já tinha comparado ações do movimento à intentona bolsonarista de 8 de janeiro.

O MST começou o ano ocupando fazendas na Bahia e no Espírito Santo, como as da Aracruz e Suzano. Outros movimentos de luta pela terra também fizeram ocupações, como a FNL em São Paulo e no Paraná e o MPL no Mato Grosso do Sul. Em alusão ao massacre ocorrido em Eldorado dos Carajás, em 1996, o MST e outros movimentos agrários construíram, como em anos anteriores, mais uma das jornadas de luta conhecidas como “Abril Vermelho”. Entre as pautas da mobilização, além da mudança na linha política do Incra, há reivindicações como o incremento da agricultura familiar e agroecológica. Em reação, a bancada ruralista subiu o tom das denúncias contra o movimento, encontrando na grande imprensa uma caixa de ressonância em defesa do latifúndio, e a oposição bolsonarista conseguiu aprovar a abertura de uma absurda CPI para investigar e criminalizar o MST.

Uma profunda fissura no país

Para além da luta política reivindicativa, a questão agrária ganha contornos mais amplos. O Brasil vive uma enorme contradição: a fome existe na cidade, em bolsões de miséria crescentes, e no campo, de onde o agronegócio retira ganhos exorbitantes. Como lutar contra a fome num momento em que o país está de volta ao mapa mundial da fome? É evidente que apenas com a retomada da reforma agrária e com uma mudança no modelo agroexportador será possível, de fato, colocar comida no prato de 77 milhões de brasileiros, dos quais, segundo estimativas dos últimos anos, cerca de 33 milhões lidam com insegurança alimentar grave.

O modelo de “desenvolvimento” voltado à exportação de commodities agrícolas e minerais, a verdadeira face da integração da economia brasileira ao capitalismo global nas últimas décadas, deu ao “agro” enorme poder econômico e influência política. A desindustrialização e o modelo agroexportador, combinados com a modernização conservadora das relações do campo brasileiro, gerou a expansão do agronegócio, criando as bases para uma hegemonia econômica, política e até cultural sobre parcelas importantes do país.

Aí se encontra uma das fissuras mais importantes do Brasil de hoje. No campo, também têm sido identificadas as relações de trabalho mais degradadas, bastando ver o mapa do trabalho em condições análogas à escravidão no país. A atual concentração de terras, produtivas (destinadas à monocultura de exportação) e improdutivas, recolocam com urgência o problema da reforma agrária

Desbolsonarizar o Brasil passa por enfrentar os barões do agro

Há uma intrínseca relação entre a questão agrária e a luta contra a extrema direita e o bolsonarismo. Uma das bases de apoio fundamentais para Bolsonaro em sua eleição e nos eventos golpistas de 8 de janeiro foi justamente uma importante fração burguesa vinculada ao agronegócio. Tal fração associou-se no movimento “Brasil verde e amarelo” em resposta aos protestos do “Abril Vermelho”, foi se radicalizando na defesa de suas milícias armadas e patrocinou protestos como o de 7 de setembro de 2021 e os bloqueios de estrada após o segundo turno da eleição presidencial em novembro de 2022. Boa parte dos caminhões utilizados para obstruir as estradas tinham conexão com esse setor, dos “barões do agro”.

Tendo como liderança a UDR (União Democrática Ruralista), de Nabhan Garcia, e a Aprosoja (Associação de Produtores de Soja), essa parcela do agro representa o que há de mais atrasado, do ponto de vista político e ideológico, se espalhando na fratura nacional, sobretudo no “grande Brasil Oeste”, região da produção agropecuária de grandes terras. Essa região incorpora territórios do Rio Grande do Sul, do oeste catarinense, do Paraná, parte do oeste paulista, em regiões conflagradas como o Pontal do Paranapanema, e alcança Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte da Amazônia, expandindo-se para todo o centro-oeste e norte do país.

Não por acaso, Bolsonaro fará sua “reestreia” política após a derrota eleitoral e o refúgio na Flórida no palanque da “Agrishow”, grande festival de negócios do agronegócio que acontece em Ribeirão Preto. O programa desse setor, além de defender Bolsonaro e os golpistas, é a resposta armada para defender o latifúndio, enfrentando assim os movimentos sociais de luta pela reforma agrária e os limites impostos pela legislação ambiental, além de construir pontes com milicianos ligados ao garimpo, à extração ilegal de madeira e ao extrativismo.

Por tudo isso, a luta pela desbolsonarização do Brasil passa por enfrentar os golpistas e as milícias do campo, com sua política de ampliação do acesso às armas, e os assassinatos de lideranças de luta pela terra, indígenas e quilombolas. A conciliação do governo Lula com a bancada ruralista e as reprimendas públicas de ministros à luta do MST são um péssimo sinal no necessário enfrentamento à extrema direita.

Em defesa da reforma agrária e da luta no campo

Diante dos agudos conflitos pela terra, é preciso retomar a agenda política da defesa da reforma agrária, com a expropriação do latifúndio improdutivo, o crédito para a pequena e média agricultura, privilegiando o modelo agroecológico. É preciso romper com o modelo baseado na agroexportação, que resulta na desindustrialização e na regressão social em curso, para mudar estruturalmente a sociedade e sua base produtiva.

O governo errou ao apoiar a liberação de mais 44 tipos de agrotóxicos em portaria de 13 de abril; erra por não desmontar as milícias rurais e por não vincular essa tarefa à luta contra o golpismo e o bolsonarismo. O governo erra igualmente ao buscar agradar o agronegócio e a Faria Lima com o arcabouço fiscal – uma proposta que tem oposição do PSOL por ser funcional aos banqueiros e ao pagamento da dívida, sacrificando os gastos sociais. Tais recursos farão falta para a execução de qualquer projeto de distribuição de renda e comida para combater a fome, por exemplo.

Nossa agenda deve incluir a defesa do meio ambiente, dos povos da floresta e da Amazônia; deve também responder às questões emergenciais do campo, como o combate à repressão de dezenas de lideranças da luta pela reforma agrária, como Zé Rainha da FNL, que segue preso por perseguição do latifúndio e do Estado.

Queremos construir uma sólida aliança entre a luta na cidade, que mostrou força com os protestos dos últimos dias em defesa a educação e pela revogação do “Novo Ensino Médio” –  e os movimentos do campo, como MST, MLST, MNT, FNL, MPL, entre outros movimentos nos quais o PSOL e o MES estão se enraizando e se fortalecendo.


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