Falsa equivalência sobre Ucrânia e Rússia complica Lula
Fala sobre responsabilidade na guerra enfurece governos da Ucrânia, EUA e UE e deixa Lavrov satisfeito: “abordagens similares”
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Em nova tentativa de se destacar como um “embaixador da paz” e dar destaque ao Brasil no cenário da política externa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu desagradar players internacionais, como Estados Unidos e União Europeia, ao se manifestar sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Em sua turnê pela China e Emirados Árabes nos últimos dias, Lula criticou o papel que americanos e europeus desempenham em relação ao conflito – iniciado em fevereiro de 2022, quando forças russas invadiram o país vizinho na tentativa de derrubar o governo democraticamente eleito do presidente Volodimir Zelensky, e anexar trechos do país.
No sábado (15), durante visita a Pequim, disse que “é preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra [na Ucrânia] e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz”. A crítica introduziu a proposta de criação de uma espécie de G20 formado por países sem envolvimento com a guerra para articular a pacificação.
A sugestão de que os americanos contribuem para prolongar o conflito enfureceu a Casa Branca. O porta-voz Jack Kirby classificou a fala como “profundamente problemática”, por ecoar o posicionamento de Moscou e Pequim. Peter Stano, porta-voz da Comissão Europeia, disse que o bloco ajuda “a Ucrânia a exercer seu direito legítimo de autodefesa” diante de uma “agressão ilegal, uma violação da Carta das Nações Unidas”.
Convite
Mas foi outra opinião do presidente brasileiro, flagrantemente equivocada, que atingiu o governo da Ucrânia. No domingo (16), numa espécie de paráfrase da expressão ‘quando um não quer, dois não brigam”, o petista dividiu igualmente a conta da contenda Rússia x Ucrânia.
“O presidente Putin não toma a iniciativa de parar. O Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos terminam dando contribuição à continuidade dessa guerra. Acho que nós temos que sentar numa mesa e dizer chega, vamos conversar, porque a guerra nunca trouxe e nunca trará benefícios”, disse.
Essa grave falsa simetria favorece o governo russo ao desconsiderar que foi Vladimir Putin quem teve a iniciativa imperialista de invadir e bombardear uma nação soberana para tomar partes dela ou mesmo toda. Lula também ignorou que a aliança ucraniana com o Ocidente seria a única forma de fazer frente ao poderio bélico do Exército da Rússia. A alternativa seria ceder sua integridade territorial sem antes defendê-la.
O porta-voz da diplomacia ucraniana, Oleg Nikolenko, usou o Facebook para criticar o brasileiro por colocar “a vítima e o agressor no mesmo nível” e atacar aliados que ajudam o país a se proteger de uma “agressão assassina”. Nikolenko convidou Lula a visitar a capital do país, Kiev, para que “compreenda as reais causas e a essência” da invasão russa.
Visita de Lavrov
O desequilíbrio da declaração do petista já vem sendo explorado pela Rússia, que realiza uma campanha diplomática junto a países emergentes para convencê-los de que a guerra se trata apenas de defesa contra a hegemonia norte-americana na política e segurança globais.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, foi recebido por Lula em Brasília ontem (17). Aos jornalistas, usou das palavras de Lula para afirmar que ambos os países têm “abordagens similares” em relação a questões globais, sugerindo estarem contra os Estados Unidos e a Otan.
“Falamos sobre várias questões relevantes da agenda internacional e regional, ressaltando que as abordagens de Brasil e Rússia de questões acontecendo hoje no mundo são similares”, disse Lavrov. “Os dois países estão unidos pelo desejo de contribuir para uma ordem mundial mais democrática e mais policêntrica, baseada no princípio fundamental da soberania e da igualdade dos Estados”, acrescentou.
É uma distorção, mas foi o que Lula deu a entender.
A situação é constrangedora. Alguns observadores interpretaram que Lula pode estar sendo usado pela Rússia para Moscou ganhar tempo, ao mesmo tempo em que apontam a quase insignificância da nação para mediar conflitos internacionais.