Higienizadores do GHC lutam por melhores condições de trabalho em Brasília
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Higienizadores do GHC lutam por melhores condições de trabalho em Brasília

Audiência pública sobre a jornada 180h conquista prazo para a liberação de vagas. Ministério da Saúde não comparece

Nathália Bittencurt 30 out 2023, 15:52

Fotos: Divulgação

As Higienizadoras e Higienizadores do GHC deram mais um exemplo de mobilização para a Saúde na última semana, em comitiva à Brasília. Dezenas de trabalhadores, entre representantes da categoria e diretores da Associação dos Servidores do Grupo Hospitalar Conceição e do Sindisaúde-RS, foram até a Câmara dos Deputados para participar de uma audiência pública na Comissão de Administração e Serviço Público no dia 26 de outubro, convocada pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

A iniciativa foi construída em conjunto com a categoria para ampliar o debate sobre as condições de trabalho no Grupo Hospitalar Conceição, os efeitos da alta sobrecarga e a necessidade de reduzir a jornada de horas mensais, com a perspectiva de isonomia em relação às demais áreas da saúde. A audiência também teve o objetivo de reivindicar a liberação de vagas para viabilizar a contratação de mais Higienizadores, a fim de implementar a nova jornada de trabalho de 180 horas mensais.

Parte dos trabalhadores e trabalhadoras viajou de ônibus até o Distrito Federal, numa caravana conjunta com os metroviários do Sindimetrô RS, que se mobilizam pela retirada da Trensurb do Plano Nacional de Desestatização. Outros oito trabalhadores da categoria foram de avião, na madrugada de quinta-feira.

Após a abertura oficial da audiência coordenada por Fernanda Melchionna, percebeu-se a ausência de membros do Ministério da Saúde, que estranhamente delegaram o GHC para representar sua posição. O GHC, por sua vez, também não enviou diretores para comparecer à audiência, restando ao diretor João Motta se manifestar por meio de participação virtual. Motta pareceu surpreso quando informado de que também representaria oficialmente o Ministério da Saúde. O diretor presidente do grupo, Gilberto Barrichello, informou à deputada estar em outro compromisso em Santa Maria. A ausência e aparente desorganização para a participação da audiência pública, tanto do GHC quanto do ministério, foi encarada como desrespeito e desleixo pelos trabalhadores e trabalhadoras presentes. A deputada repudiou a ausência de quaisquer membros do Ministério da Saúde, já propondo o encaminhamento oficial de convocar a ministra Nísia Verônica Trindade Lima para uma reunião sobre o tema.

A Secretaria de Coordenação das Estatais (Sest), subordinada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, participou também de forma remota com Jussara Valadares, diretora de Políticas de Pessoal e Previdência Complementar.

Presidente do Sindisaúde-RS, Julio Jesien, destacou a situação delicada dos hospitais da região metropolitana de Porto Alegre geridos pela Rede Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia, que passam por uma crise estrutural e financeira, além de atrasar o pagamento de salários, férias e FGTS dos trabalhadores. A diretoria do GHC tem sinalizado interesse em administrar ao menos parte dos hospitais, no entanto não está nítida a forma como essa gerência ocorreria na prática.

“O GHC está se apresentando para ser o gestor. Isso seria ótimo se não fosse trágico. Porque o GHC vai entrar somente na administração, e pretende terceirizar o serviço como um todo. É lastimável essa postura. Lá em abril, estávamos reunidos com o (diretor presidente) Barrichello, porque queríamos discutir avanços para a saúde pública, discutir a carga horária de 180 horas para a Higienização. Afinal de contas, quem criou o contrato 220 horas?”, questionou Jesien.

Melchionna retomou a história de mobilização permanente da categoria desde a desterceirização do setor, passando pelo edital de 220h aplicado pela mesma diretoria que gere o Grupo atualmente, até os encontros todas às quartas-feiras no Hospital Conceição através do Café na Luta.

“Esse concurso saiu errado. Não saiu com as 180h como todas as outras categorias do GHC. Temos mais de 600 higienizadores e higienizadoras que têm a maior carga de trabalho e o menor salário. Então essa luta de vocês pela isonomia, pelo redimensionamento, é muito importante. Uma luta por mais trabalhadores, que fazem falta no cotidiano num complexo hospitalar como o GHC. O trabalho de vocês é fundamental, foi fundamental na pandemia e é agora. Lutar por melhores condições de trabalho é também por uma jornada digna”, saudou a deputada.

O diretor João Motta, representando o GHC, citou a “insatisfação com a situação atual” da distorção da carga horária. De maneira geral, Motta repetiu o mesmo posicionamento já exposto por Barrichello, reivindicando as ações da diretoria nos primeiros meses de gestão (como chamar a reposição do índice da inflação no Vale Alimentação de reajuste de valores) e informando que o esforço para implementar as 180 horas está sendo feito. Além de acatar a nova jornada, o GHC depende da liberação de ao menos 143 vagas para contratar mais técnicos de higienização hospitalar.

O diretor da ASERGHC e do Sindisaúde-RS, Valmor Guedes, representou a Associação e retomou a história da experiência de terceirização do GHC, que gerou a higienização precária dos hospitais provocando o surgimento de novas superbactérias, ainda em 2013, e destacou a importância da Higienização como atividade-fim na Saúde, que deve ser de responsabilidade do Grupo.

Valmor ainda lembrou o processo recente de criação de uma quarta diretoria no GHC, instituída rapidamente em cerca de cinco meses de gestão na empresa estatal.

“A equidade é aplicada na Saúde quando você precisa dela. Por exemplo, quando você chega numa Emergência, é atendido primeiro quem está numa situação mais grave. O GHC não funciona assim em sua gestão. Quando essa nova diretoria assumiu, no novo governo, surgiu a necessidade de criar um novo cargo de diretor(a), sem justificativa concreta de necessidade. Isso é prioritário em relação à demanda histórica de mudar a carga horária da Higienização? Como se definem as prioridades? Para mim, a prioridade seria acabar com os altos índices de adoecimento e absenteísmo dessa categoria. Estamos chegando aos nove anos dessa luta. Queremos equidade!”, afirmou Guedes.

As higienizadoras e higienizadores foram representados por Luciana Almeida, que emocionou a audiência em Brasília e em Porto Alegre:

“A prioridade da gestão deveria ter sido resolver as 180 horas desde o início. VA e salário nós já temos, felizmente. A vida das pessoas dentro dos hospitais, que seguem trabalhando com dores, deveria ter sido priorizadas. Saiu na mídia a novidade do mutirão de cirurgias aos finais de semana. Agora, pergunta se tem algum trabalhador a mais lá? Nós estamos trabalhando além de 220 horas, porque o setor está defasado. Eles não são contra as 180 horas, então nós não podemos reivindicar uma greve contra a gestão porque eles nos “apoiam”, mas a gestão também não faz nada! Lavaram as mãos, dizem que agora o problema está em Brasília. Somos pessoas doentes que seguem trabalhando, e a gestão sabe disso. 30 de novembro é o nosso limite. A gente não aguenta mais. O que mais tem que acontecer pra que Brasília olhe por nós?”

Luciana Almeida representou trabalhadores da Higienização na audiência pública na Câmara

Jussara Valadares expôs a mesma apresentação de slides sobre a Sest da audiência realizada horas antes, para discutir a situação metroviária federal. Sobre a situação do GHC, declarou que a proposta de reduzir a carga horária para 180h ainda não foi apresentada formalmente pelo Ministério da Saúde para a Sest, surpreendendo os trabalhadores. Já o pedido de mais vagas de trabalho para o GHC estaria em fase final de análise por parte da Sest, e “até o final do mês” a Sest deve informar ao GHC e ao Ministério da Saúde seu posicionamento.

Outros trabalhadores e representantes sindicais se manifestaram na audiência, que pode ser assistida na íntegra aqui: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/70513

Saiba mais sobre a luta sindical dos Higienizadores que já dura 8 anos:

Pelo quê lutam as higienizadoras e higienizadores?

• Isonomia (redução) na jornada de trabalho:

180 horas mensais, assim como os demais trabalhadores (as) da saúde.

• Novo dimensionamento de pessoal:

O dimensionamento atual considera as superfícies hospitalares em área quadrada, e quantidades de vezes que a higienização precisa ser feita no ambiente. Um novo estudo deve considerar o mobiliário (superfícies) e especificidades físicas do ambiente hospitalar. Com mais trabalhadores, diminuiremos a sobrecarga.

• Fim do assédio moral

Comprometimento e prática de gestores para combater todos os tipos de assédio e perseguição aos trabalhadores.

Fim da sobrecarga de trabalho 

Atualmente faltam, ao todo, 68 profissionais de higienização. Com a nova jornada de 180 horas mensais, faltarão mais 143 pessoas.

O que a saúde pública tem a ver com isso?

O Grupo Hospitalar Conceição é o maior complexo hospitalar do sul do país, e o único 100% SUS. Isto é, a saúde pública dos gaúchos depende do bom funcionamento do GHC. Se você ou alguém de sua família mora no Rio Grande do Sul, já devem ter acessado o SUS através do GHC, seja por meio de consultas com especialidades, seja por cirurgias de alta complexidade, ou mesmo em algum acidente doméstico ou de trânsito que causou fraturas ou queimaduras.

Quando a população busca a saúde pública, geralmente está passando por um momento pessoal difícil, de dor física e ou psicológica, e muitas vezes vivendo a emergência de se encontrar em risco de morte. Ao chegar no atendimento do GHC, você rapidamente percebe os técnicos e auxiliares de enfermagem, as enfermeiras e enfermeiros, o médico ou a médica que vai lhe apresentar seu diagnóstico. Mas há uma categoria que você não enxerga: as técnicas e técnicos de higienização hospitalar.

É a higienização que garante que o hospital não se transforme em um grande foco de infecções e proliferação de bactérias, e assim possa seguir assistindo a população quando ela mais precisa. Na pandemia de Covid-19, a higienização adequada das superfícies hospitalares se mostrou mais importante do que nunca.

A rotina das higienizadoras e higienizadores é a mais pesada. Levar e trazer carrinhos lotados de equipamentos de limpeza e de lixo hospitalar, estar responsável por uma área maior do que deveria são situações exaustivas que sobrecarregam a saúde física. A Higienização é uma das categorias que mais necessitam de afastamento do local de trabalho para tratar o desgaste físico provocado pelo próprio trabalho. 

Nos casos em que é necessário o afastamento dos trabalhadores  da Higienização no período inferior de 15 dias, o desgaste físico é percebido na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), ao apresentar o atestado médico. 

Ainda de acordo com dos dados da Saúde do Trabalhador do GHC, 24% do período de afastamento mediante apresentação de atestado foi provocado por doenças osteomusculares; 11% foi provocado pela necessidade de cuidado para com a saúde mental; e 13% por doenças infecciosas, incluindo a Covid-19.

Origem da jornada de trabalho de 220 horas

Em 2013, a Higienização no GHC era um setor terceirizado e pouco fiscalizado pela gestão hospitalar, o que gerava proliferação de infecções hospitalares com frequência. O surgimento das superbactérias KPC e NDM-1, em maio daquele ano, trouxe à tona escândalos financeiros e de gestão de pessoas no GHC.

A epidemia se concentrava nas superfícies hospitalares, que eram feitas de material não apropriado (granito ao invés de inox) e higienizadas de forma não adequada, sob a responsabilidade de uma empresa terceirizada.

Além de provocar uma epidemia, foi comprovado pela Controladoria Geral da União o prejuízo financeiro de mais de R$ 8 milhões para os recursos públicos da saúde no GHC.

Após uma grande greve, a desterceirização do setor foi conquistada e, em 2014, foi realizado um concurso público para contratar Técnicos de Higienização Hospitalar. Porém, o edital feito pela gestão criou a jornada da categoria em 220 horas mensais para os trabalhadores, que entraram nas vagas já em 2015.

A ASERGHC e entidades sindicais protestaram na época pela redução da jornada sem redução salarial para 180 horas mensais, no entanto, a gestão do GHC manteve o edital com a jornada de 220 horas. Portanto, essa é a oportunidade histórica de reverter um erro de gestão que prejudicou milhares de trabalhadores na última década.

Apoio parlamentar

Ao longo destes 8 anos, já foram elaborados estudos técnicos e construídas centenas de mobilizações. Em junho deste ano, a categoria foi até a Assembleia Legislativa do RS para debater a pauta em audiência pública convocada pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS).

A comissão também foi até Brasília para se reunir pessoalmente com a SEST, em encontro organizado pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), em 1º de agosto de 2023. Já contam com o apoio de muitos políticos e autoridades, agora, buscam a criação de vagas para a Higienização e pela efetivação da jornada de 180 horas.


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Pedro Micussi