Emancipa Axé realiza grande encontro de formação em SP
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Emancipa Axé realiza grande encontro de formação em SP

A iniciativa da Rede Emancipa de Educação Popular reuniu diversos povos e comunidades de matrizes africanas

No último dia 15 de novembro, o Emancipa Axé realizou sua primeira formação política com os povos e comunidades de matrizes africanas, no chão do terreiro Aruanda do Pai João de Angola, cuja liderança, Pai David Dias, Mestre em Ciência da Religião, conduziu o debate sobre uma Umbanda antirracista, um terreiro de enorme referência localizado no bairro do Ipiranga em São Paulo.

O espaço contou com mais de 400 participantes de comunidades de Umbanda, Candomblé, Jurema e pessoas que não são de terreiro. Onde tivemos  presenças importantes, como Adão do MNU, as artistas de terreiro Mc Tha, Ayo Tupinambá e representantes de terreiros históricos, como Mãe Kátia do Abassa Oxum e Oxossi, e Èkejì Geovana de Iemanjá, uma das idealizadoras do Xirê na Paulista, uma ação da juventude do povo do axé. Abrimos um debate sobre a presença dos corpos trans e travestis no terreiro e como essa luta é tão fundamental. Axé é arte, e contamos com a presença da Angel, travesti, negra e artista, que realiza diversos trabalhos de reflexão sobre esse tema através da sua poesia.

O espaço teve dois momentos importantes: O primeiro trazendo o debate com Pai Guilherme Watanabe, Mãe Zana, Diogo Dias e Amarilis Costa sobre a quilombagem, trazida na perspectiva do que é a luta antirracista para os povos de matrizes africanas. Historicamente, os quilombos foram um dos primeiros pontos de luta contra o sistema colonial escravista, local de contestação e negação total das dinâmicas da escravidão moderna. Discutiu-se que os terreiros formam um continuum com os quilombos, todos os terreiros são de fato quilombos, tornam-se espaços que propiciam formas de manutenção da vida, acolhimento a corpos que são diariamente marginalizados na sociedade capitalista, e, como disse Amarilis, “os terreiros possuem uma arte de derreter armas para fazer panelas, e assim alimentar o povo”. Contudo, entendemos que precisamos avançar para o movimento de romper radicalmente com a estrutura que nos oprime, esse seria o movimento de quilombagem, conceito do professor Clóvis Moura referenciado por Diogo, que propõe uma negação radical ao sistema, para “não mais resistir, e sim existir e lutar”, assim como disse em sua fala, Odecireua ou Iya Zana, iyalorixá que teve seu terreiro destruído pela prefeitura de Carapicuíba, e até hoje não teve uma reparação, se é que exista uma reparação.

No segundo espaço, tivemos a presença de Pai David, Lucas Castro, Eva e Ana Laura, que trouxeram o debate sobre a organização política para o povo do axé. Como seu Zé Pelintra nos ensina a dialogar, articular e organizar para enfrentar o sistema capitalista, racista e exploratório. Esse momento de discussão foi importante pois trouxe como as comunidades de matrizes africanas podem se posicionar de forma organizada nas lutas políticas. Foi falado que não há ferramenta, ainda, que possa esfacelar o sistema que nos esmaga todos os dias, mas que a construção e enraizamento da luta anti sistêmica, a partir da educação popular, pode ser uma das maiores formas de enfrentar as raízes exploratórias que adoecem, marginalizam, precariza a vida do povo.

Ficamos impressionados com a dedicação daqueles que participaram, mesmo em um dia de extremo calor. Isso demonstra a intensa conexão que o Emancipa estabelece com as pessoas, bem como sua capacidade de engajamento. 

É importante ressaltar que contamos com o apoio do Emancipa Saúde que se fez presente durante todo o evento e ajudou na organização do espaço, dando suporte e orientações, para que conseguíssemos fazer o evento sem intercorrências. 

Organizamos também o espaço Emancipinha Axé, que reuniu educadoras proporcionando às crianças de axé a participação em atividades relacionadas à temática da formação. Ao término do evento, as crianças apresentaram suas criações, desde desenhos até poemas. O Emancipinha representa um avanço coletivo, integrando as crianças e garantindo que não fiquem à margem dos debates sociais que promovemos. É imperativo colocar as crianças no centro, visto que são os protagonistas na construção do futuro.

Com essas atuações importantes do Emancipinha Axé e do Emancipa Saúde, houveram pessoas que demonstraram interesse em conhecer e se engajar junto conosco nessas ações. Ficamos muito satisfeitos, pois para a Rede Emancipa, ganhar pessoas para a luta é um dos principais objetivos. O tempo que é nos roubado, que nos impede de nos organizar, pode ser revertido em um tempo para fomentar as mudanças ao redor, já que corpos periféricos e pretos sempre arrumaram formas de lutar.

A rede Emancipa em São Paulo busca uma nova perspectiva com o Emancipa Axé, centrada na construção e avanço pelo antirracismo, a partir da militância que compreende a importância de refletir a partir do local em que se pisa, da realidade e da concretude. Contamos com a participação de dezenas de comunidades de matrizes africanas, provenientes de diferentes territórios, como umbanda, candomblé, jurema, entre outras, representadas em nossa formação, simbolizando a ponta da vela do trabalho do Emancipa Axé. A articulação política com essas comunidades vem acontecendo desde o final do ano passado, após o período eleitoral, quando percebemos oportunidades e caminhos abertos para a organização com as comunidades.

A partir disso, rodamos diversos terreiros, cursinhos e escolas. Fortalecemos um núcleo diverso que toca às atividades do Emancipa Axé, que conta desde lideranças mães e pais de santo, aos yaôs (novos iniciados) e abians (pessoas que ainda não são iniciadas e que geralmente possuem pouco tempo de terreiro), educadores, comunicadores, LGBTQIAP+, mulheres e homens, todes negros em sua maioria.

Diversas manifestações ressaltaram e nos levaram a refletir que o que ocorria ali era verdadeiramente histórico. Nunca antes se testemunhou algo semelhante: a união das comunidades e a articulação a partir da educação popular. Essa forma de educação possui raízes ancestrais, que se concretizam hoje quando reunimos o povo de terreiro para discutir políticas antirracistas e revolucionárias, visando a transformação de nossas realidades. Trata-se de uma luta anticapitalista em busca da derrota do racismo, machismo, LGBTQIAP+fobia, e contra a exploração e exclusão dos nossos.

As matrizes africanas, assim como as comunidades LGBTQIAP+, mulheres e negros, encontram-se entre os primeiros alvos do fundamentalismo religioso, representando o núcleo do fascismo enraizado nas periferias e que tem contaminado as igrejas neopentecostais no Brasil. Para enfrentar esse desafio, é essencial reconhecer a importância da organização das comunidades do axé. O Emancipa Axé, ao adotar essa estratégia, emerge como protagonista ao conferir uma identidade, dando cara, corpo e realizando ações para uma estratégia negra, proveniente de um programa construído por nossas mãos, as mãos do próprio povo. Pois, o trabalho de base vem da tecnologia do fazer. E o fazer é a ação, mas a ação atrelada a uma estratégia que nos leve a uma verdadeira emancipação.

Contamos com a presença do camarada Fred, que trouxe o debate da luta antirracista global, exemplificando com os ataques que o estado terrorista de Israel vem fazendo contra o povo da Palestina. Juliana Tupinambá contribuiu com reflexões sobre a necessidade de avançar conjuntamente na articulação das comunidades indígenas, ressaltando a importância de considerarmos o racismo como uma estrutura presente na sociedade, incluindo os povos originários, que foram os primeiros a enfrentar as dificuldades da colonização. 

Também houve fala da Vereadora Luana Alves, nossa representante na Câmara Municipal de São Paulo, que em conjunto com o movimento foi protagonista de uma luta histórica,  que foi a queda de um racista daquele espaço institucional, o que representa uma vitória significativa para o movimento negro no Brasil. E o Professor Alex da Mata, fundador da Rede Emancipa, também enriqueceu o debate ao abordar a formação do Emancipa e nos proporcionar uma compreensão mais profunda sobre o que é a educação popular para nós.

Os debates também abordaram a luta antimanicomial, mencionada por um dos participantes, Eduardo, e a necessidade de enfrentar as comunidades terapêuticas. Além disso, discutiu-se a privatização dos presídios, destacando o risco de tornarem-se instrumentos de senzala moderna de aprisionamento, especialmente para corpos negros.

Esperançar, avançar, e derrubar os grilhões! O Emancipa Axé não visa ser apenas um movimento de atividades simbólicas, embora já seja algo de grande porte e impacto. Pelo contrário, busca ser um espaço que promove ativamente perspectivas de mudança. O contragolpe não acontece de forma espontânea, e sabemos que para enfrentar as ideias fascistas e fundamentalistas, precisamos organizar a luta. 

Rodar, andar, girar, caminhar deve ser um mantra para qualquer pessoa que deseja derrotar o sistema, e isso surge da luta constante para manter os nossos vivos, manter os nossos formados e armados de combustível de esperança. Sem isso, não há saída. A reflexão essencial é que a luta antirracista é o centro. Devemos reverter a marginalização que nos é imposta. Para cessar nossa defesa constante, precisamos atacar.


Encerramos a atividade em grande festa, ao som de atabaques e pontos cantados a grande couro. E com diversos convites recebidos para que o Emancipa Axé gire no território brasileiro. E nosso plano é girar. A experiência se arrasta e Exu movimenta, quebraremos as amarras que nos impedem de ter uma vida longa e plena. Axé!


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Pedro Micussi