Guerra é o pior negócio, exceto para assassinos
Genocídio na Palestina

Guerra é o pior negócio, exceto para assassinos

Este é um esplêndido negócio, protegido por silêncio e cumplicidades, visível nos países europeus da NATO, que em 10 anos aumentaram as despesas militares de €145 mil milhões para €215 mil milhões

Francisco Louçã 26 dez 2023, 08:48

Via Esquerda Net

Foto: Haitham Imad/EPA

Se já se perguntou se algum Governo do mundo poderia atacar impunemente um outro país e em dois meses assassinar quase 20 mil pessoas, na maioria crianças e mulheres, liquidar mais de uma centena de funcionários da ONU e expulsar os seus representantes, tomar como alvo jornalistas e prender médicos, destruir hospitais e escolas — se já fez essa pergunta é porque sabe a resposta. Só Netanyahu tem o direito de dirigir uma coligação racista para exterminar sistematicamente um povo, conseguindo para isso o financiamento e o armamento dos mais poderosos governos, a começar pela Casa Branca. A guerra tornou-se o seu instrumento de extermínio e prossegue implacavelmente a espiral de destruição. O terrorismo tem hoje um farol no mundo, é Netanyahu.

Saramago escreveu, tanto tempo antes desta orgia de morte, que “um dia far-se-á a história do sofrimento do povo palestiniano e será um monumento à indignidade e cobardia dos povos”. Talvez não pudesse imaginar os abismos de indignidade a que estamos agora a assistir.

As duas vitórias de Netanyahu

O Governo de Telavive conseguiu duas vitórias expressivas. A primeira, que tem a atenção dos produtores de tecnologia militar, é a experimentação de novos instrumentos de destruição. O mais destacado será o sistema de inteligência artificial chamado perversamente “Habsora”, ou “Evangelho”, que seleciona os alvos para os bombardeamentos.

Segundo um estudo da Associated Press, durante a guerra de 2014, que durou 51 dias, foram atingidos 6 mil objetivos, provocando 89% de mortes de civis, incluindo em 20 famílias, que perderam mais de 10 membros. Agora, só no primeiro mês de combate foram destruídos 15 mil alvos e, segundo a ONU, cerca de um quinto das vítimas estão em 312 famílias, que perderam mais de 10 dos seus membros. Ora, a determinação dessa mortandade cria alguma hesitação entre os militares ocupantes, que sabem melhor do que ninguém que estão a cometer crimes de guerra e a matar por um critério xenófobo: o palestiniano deve morrer. Por isso, a transferência da decisão para uma máquina retira a agência humana, despessoaliza o míssil e permite multiplicar a violência da ofensiva. Netanyahu está a usar o que pode vir a ser uma das principais armas do futuro, e os comerciantes da guerra estão maravilhados com a inovação.

A segunda vitória, talvez uma meia vitória, é a submissão de alguns governos ocidentais à invocação de um “direito de defesa” que proclama a legalidade do genocídio e culpabiliza quem se lhe oponha como promotor de “discurso de ódio”. Uma professora de Direito da Universidade de Chicago, Genevieve Lakier, denunciou esta lógica como macarthista. O caso mais célebre desse mecanismo de censura foi a proibição da escritora Adania Shibli na Feira de Frankfurt ou a interdição de manifestações pró-Palestina em França. No entanto, manda a verdade dizer que se impuseram manifestações em França e que a cultura palestiniana é mais escutada, como um sinal da resistência à atrocidade. O que isto sublinha é como o conflito se faz também na opinião pública.

Depois da violência do ataque do Hamas em 7 de outubro, que vitimou cerca de 840 civis e 350 soldados, levou à captura de 240 reféns e, segundo os Médicos pelos Direitos Humanos de Israel, a crimes sexuais, não estamos a assistir a uma vingança nem muito menos à defesa de Israel. Estamos a olhar para a banalização do terror, à terraplanagem de um país em nome de um objetivo impossível, pois nenhuma paz dos cemitérios resolverá o conflito do Médio Oriente, nem tal é pretendido por Netanyahu, que quer a guerra como forma de sobrevivência no seu julgamento por corrupção e como cimento para o Governo que escolhe a morte como bandeira.

E entretanto o negócio da morte

Guerra em Gaza, guerra na Ucrânia, extensão da NATO, tensões no mar do sul da China — este é o paraíso para a venda de armas. Mas nem isso explica que hoje o investimento em armamento supere o do tempo da Guerra Fria, quando a confrontação planetária era uma ameaça. A razão é outra: este é um esplêndido negócio, protegido por um biombo de silêncio e cumplicidades, visível nos países europeus da NATO, que em 10 anos aumentaram as despesas militares de 145 mil milhões de euros para 215 mil milhões de euros, triplicando a importação de armas (metade dos EUA).

Ora, este bom negócio é uma má escolha para os europeus. Um estudo publicado nas últimas semanas por uma equipa das universidades de Florença, Milão e Newcastle, dirigida por Mario Pianta, “Arming Europe”, indica que entre 2013-2023 o produto real da União aumentou 12%, o emprego 9% e a despesa com armas 46% (ver, no gráfico, o detalhe de alguns países). O problema é que as armas destroem e não criam: no caso de Itália, estes académicos estimaram o efeito no produto de 1 euro de despesa militar, que é de 0,7 euros, ao passo que 1 euro em saúde, educação e ambiente gera uma variação de 1,9 euros. Para viver melhor é melhor investir na vida do que na morte.

*Artigo publicado no jornal “Expresso” a 15 de dezembro de 2023


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi