Desafios e horizonte político na Colômbia
As perspectivas de lutas no país e o papel do governo Petro no próximo período
Foto: Wikimedia Commons
Em 7 de agosto de 2022, Gustavo Petro tornou-se presidente da Colômbia, precedido por mobilizações sociais que foram decisivas para sua vitória. A campanha política foi marcada por fortes ataques e uma tentativa da direita de impedir a todo custo que um governo popular chegasse ao poder. Os desafios são enormes, principalmente se levarmos em conta o fato de que a Colômbia foi um país que sofreu violência estrutural que exterminou impiedosamente líderes sindicais, sociais e populares e, por outro lado, teve uma burguesia que nunca teve um projeto nacional e que consolidou seu poder político, econômico e midiático, capturando todas as receitas do setor público, privatizando bens públicos e colocando o Estado a serviço das corporações. Esse contexto político explica – em parte – o fato de o país não ter feito parte da primeira onda de governos progressistas que marcaram a década de 1990 na região, e de ter chegado tardiamente um governo com as características propostas por Petro, que basicamente tenta recuperar direitos que sucessivos governos alinhados com a pregação neoliberal tiraram da população.
I. REFORMAS
O governo está buscando levar adiante uma série de reformas no setor de saúde, previdência e trabalhista. Há outras que foram anunciadas nas áreas de justiça, serviços públicos, educação, reforma agrária, entre outras. Mas, para os fins deste artigo, vamos nos concentrar nas três primeiras.
Durante décadas, os setores conservadores e reacionários do país se beneficiaram do controle das receitas da saúde e, no caso da poupança previdenciária dos trabalhadores, os fundos privados capturaram essas contribuições. Isso explica por que o processo no Congresso da República tem se caracterizado, até agora, pela demora e pela sabotagem de setores políticos alinhados com as Operadoras de Saúde, associações econômicas e os fundos de pensão privados, que, aliás, o dono de um desses fundos é o banqueiro mais rico do país. Soma-se a isso a enorme desinformação dos meios de comunicação de massa, que mentem e atribuem às reformas conteúdos que não existem, como, por exemplo, no caso da reforma da saúde, que as pessoas não terão atendimento médico, que não terão acesso a medicamentos ou consultas com especialistas, chegando a afirmar que o atendimento médico será suspenso, na tentativa de colocar a população contra a reforma.
É por isso que, após um ano e meio de governo, os resultados das reformas demoram a aparecer. A luta política tem sido gigantesca, não só como era de se esperar dos setores declarados de oposição ao governo, mas também do chamado centrão, que tem estado na linha de frente para sabotar o bom andamento desses projetos no Congresso. Dos quatro debates necessários para que cada uma dessas reformas fosse aprovada no Congresso, a reforma da saúde levou 10 meses na Câmara dos Deputados, com enorme desgaste para a opinião pública. No final, os obstáculos foram superados, mas agora para o Senado, onde devem ser realizados dois debates adicionais, o tempo é muito curto, pois teria até 20 de junho.
A reforma da saúde busca principalmente fazer um ajuste institucional, já que, como resultado das contrarreformas neoliberais há mais de 30 anos, a gestão dos recursos da saúde pública foi entregue ao setor privado. A crise financeira e a concepção da saúde como um negócio e não como um direito fundamental resultaram na negação de serviços e na morte de pacientes em todo o país, que tiveram que recorrer à Justiça por meio de tutelas para conseguir que as empresas de saúde lhes concedessem uma consulta com um médico especialista e até mesmo para a entrega de medicamentos (223 mil tutelas foram ajuizadas em 2019 e 109 mil tutelas foram ajuizadas em 2022).
Portanto, o que se propõe na reforma não é menor: o objetivo é que os recursos da saúde pública sejam administrados pela Administradora de los Recursos de la Salud, ADRES, que pagaria diretamente às clínicas, hospitais e centros de auxílio diagnóstico. E, por outro lado, passar de um enfoque curativo, que é o atual, para um enfoque em que a atenção primária à saúde seja organizada em todo o país e em que os cidadãos se inscrevam com base na proximidade de seu local de residência ou trabalho.
No caso da reforma trabalhista, na primeira vez em que foi apresentada, o primeiro debate não ocorreu e ela foi arquivada, depois teve que ser protocolada novamente e, no final de 2023, a votação de alguns artigos começou lentamente, espera-se que a partir da segunda quinzena de fevereiro de 2024 a discussão seja retomada e o processo seja mais rápido do que o da reforma da saúde. A reforma trabalhista busca recuperar os direitos perdidos dos trabalhadores, que, sob o discurso da competitividade, foram diminuídos com a precarização do trabalho, a redução dos salários e a geração de instabilidade trabalhista. Algumas de suas ênfases incluem a melhoria das condições dos contratos de trabalho, o pagamento de feriados, horas extras e pagamento de horas extras noturnas.
Com relação à reforma previdenciária, a discussão é complicada, pois o pano de fundo é o modelo que defende a pensão como um direito social versus a noção privada de seguro individual. Na Colômbia, como resultado das reformas neoliberais, existe um sistema misto, mas a maioria das contribuições dos trabalhadores está atualmente no sistema privado. O texto da reforma, tal como está no momento, tiraria a função previdenciária dos fundos privados e os deixaria administrando e especulando com as economias dos cidadãos. Esse é o ponto crucial do que é proposto na reforma e o motivo pelo qual os setores se manifestaram contra ela.
É claro que estamos entre aqueles que aspiram a um sistema público no país, mas sabemos que, nas circunstâncias atuais, isso é impossível. A oposição é liderada pelos setores privados que, sob o atual sistema misto, administram mais de 80 trilhões de pesos de contribuições dos trabalhadores; esse valor seria reduzido com a reforma, já que uma parte significativa das contribuições seria transferida – como afirma a reforma – para o sistema público. Uma posição intermediária, que também é difícil nas circunstâncias atuais, dada a correlação de forças no Congresso, seria aumentar o limite de contribuição para o sistema público para um número máximo de salários mínimos, que poderia ser 6 (e não 3, como no texto). Isso poderia garantir não apenas aposentadorias mais altas, mas também uma maior captura das contribuições pelo Estado.
Essa reforma, como as anteriores, será objeto de muita discussão e ainda não se sabe como ela se desenvolverá; por enquanto, seu resultado é bastante incerto.
II. TRÁFICO DE DROGAS E O PAPEL DA OPOSIÇÃO
Durante décadas, o problema do tráfico de drogas tem sido a força motriz por trás de muita violência, tendo sido até mesmo “exportado” para outros países, como o Equador. A consolidação de estruturas criminosas ligadas a esse negócio custou a vida de milhares de pessoas, levou à expansão da área de cultivos ilícitos no país e também fez com que deixássemos de ser um país produtor para ser um país produtor/consumidor. Desde seus primeiros dias, o governo Petro tomou decisões que, em nossa opinião, foram transcendentais, como a reestruturação da liderança das forças militares, a nomeação de um homem íntegro para o Ministério da Defesa e a luta verdadeira e decisiva para desmantelar as estruturas que causaram tantos danos ao país. Os resultados são extremamente importantes, não apenas para a Colômbia, mas também para o mundo. As apreensões de carregamentos de drogas para a América Central, os EUA e a Europa estão se tornando mais significativas a cada dia e muito superiores às realizadas pelos governos anteriores, com quase 800 toneladas apreendidas em 2023.
Essa é uma questão central na Colômbia; o problema do narcotráfico leva a todos os tipos de violência que, como mencionado no início, fez com que a Colômbia fosse reconhecida internacionalmente pelo massacre de líderes sociais e sindicais, mas também pelo deslocamento de populações inteiras deixadas no meio da guerra, pela desapropriação de terras, pela consolidação de um poder latifundiário ligado a estruturas paramilitares, pela apropriação de terras etc. A luta contra o tráfico de drogas e seus negócios em diferentes níveis, conforme proposto por este governo, marca um ponto de inflexão, com resultados convincentes.
No momento em que eu escrevia este artigo, um ataque feroz (mais um) estava sendo desencadeado no país contra o governo pelo Procurador Geral da Nação (líder da oposição) e pela Procuradora Geral, que estava a poucos dias de deixar o cargo e que moveu todas as suas influências para garantir que sua vice continuasse no comando da promotoria. A promotora adjunta Martha Mancera foi questionada por encobrir o Corpo Técnico de Investigação (CTI) que traficava cocaína para a América Central, México e Europa, um exemplo claro da cooptação da justiça pelos traficantes de drogas. Esses ataques sistemáticos contra o governo por parte do Procurador-Geral e do Promotor-Geral são outro exemplo da maneira pela qual eles buscam enfraquecer o governo. Analistas de renome sugeriram que um possível golpe está sendo tramado na Colômbia pelos setores mais reacionários; esses setores foram fortalecidos por eventos como a rejeição do texto constitucional que saiu da assembleia constituinte no Chile, os resultados eleitorais das eleições regionais na Espanha, o golpe brando contra Castillo no Peru, os resultados eleitorais no Equador, a vitória de Bukele em El Salvador e a eleição de Milei na Argentina, para mencionar apenas alguns.
É impossível dedicar algumas linhas ao papel da mídia, que, nesse contexto, desempenhou um papel decisivo, já que sua matriz de mídia e comunicação buscou, desde o primeiro dia, enfraquecer e desacreditar o governo. O objetivo é gerar uma atmosfera de desilusão, desespero e mal-estar entre aqueles que votaram em Petro em busca de mudança, e semear a ideia de que a mudança não é real e que este governo está se comportando da mesma forma ou pior do que os anteriores. Foram feitas tentativas de gerar pânico econômico, convocar marchas contra o governo e, com base em notícias falsas, colocar a população contra o governo e, o que é mais grave, tornar invisíveis as conquistas e o progresso.
III. PROJEÇÃO POLÍTICA
A dois anos e meio do fim deste governo, é muito importante entender que as pessoas votaram por uma mudança no regime que governou este país durante anos. Como García Linera nos lembra, este governo emergiu das margens, mostrando que o antigo sistema não funcionava mais; portanto, é necessário traçar um novo horizonte e, acima de tudo, ser leal aos mais desfavorecidos, àqueles que não têm nada, àqueles que estão na base. Viemos para o governo para lutar pelos pobres, não para ser apenas mais uma elite, portanto, é necessário tempo, quatro anos certamente não são suficientes, as mudanças precisam de fundamentos e isso leva tempo, é necessária uma nova liderança, reformas ousadas devem ser feitas, a ideia do futuro deve ser transmitida.
Como disse José Martí, “fazer é a melhor maneira de dizer”, portanto, este governo tem apenas uma opção: executar, pois é para isso que ele é um governo. Dessa forma, ele mostrará seu caráter, governando com a “rua” como estratégia de mobilização. A necessidade de ganhar as ruas é estratégica no atual cenário adverso.
É necessário remover os poderes entrincheirados na burocracia estatal que há anos funcionam com políticas de privatização, com o neoliberalismo. A mudança também envolve as pessoas cujas decisões orientam as políticas públicas e os orçamentos, e se essa burocracia responder a visões diferentes, simplesmente não será possível avançar; elas serão um obstáculo adicional ao aparato estatal e a todos os seus obstáculos.