O significado de Marta no PT e na vice do PSOL
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O significado de Marta no PT e na vice do PSOL

O retorno de Marta Suplicy ao PT para ser candidata à vice-prefeita na chapa de Guilherme Boulos indica uma aliança programática com a burguesia

Estevan Campos 4 fev 2024, 09:31

O grande fato político da semana no Brasil foi o retorno de Marta Suplicy ao PT, já encarregada de representar o Partido na chapa encabeçada por Guilherme Boulos à prefeitura da capital. O evento teve ampla cobertura da imprensa burguesa, em todas as mídias, revelando a dimensão dele. Boulos vai se postulando como favorito na disputa eleitoral. Foi uma articulação protagonizada diretamente por Lula.

Dentro do PT, Suplicy esboçou certa crítica, recuando logo em seguida. Além do posicionamento contrário à filiação da Articulação de Esquerda (PT), outras organizações apresentaram uma posição resignada, tanto por parte da Democracia Socialista – mais ou menos “somos contra, mas reconhecemos que somos minoria” – criticando a passividade da própria direção do PSOL no tema. Outro argumento usado de setores da esquerda foi “a indicação da vice cabe ao PT”, fugindo do significado global de Marta na fórmula.

Muitos dos contrários a “política Marta” justificam sua posição pelos erros cometidos por Marta após a saída do PT, quando votou pelo impeachment de Dilma e a favor de reformas que retiraram direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Porém, Marta não errou somente após ter saído do PT, é necessário lembrar que enquanto prefeita da capital, promoveu a retirada de recursos da educação, computando gastos alheios como sendo desta secretaria. O tema, inclusive, foi o estopim da expulsão de Carlos Giannazi do PT. Atualmente como deputado estadual pelo PSOL, e vereador na época que Marta era prefeita, Giannazi votou contra o projeto da petista que promovia o desvio de verbas da educação municipal.

Embora todos os argumentos se apoiem em elementos verdadeiros, de nossa parte, pensamos que o relevante desse debate é “ir além” da discussão sobre Marta. A indicação de Marta e sua aceitação e apoio à indicação pela maioria do PSOL expressa algo mais profundo, bem como a pouca repercussão negativa de sua indicação na vanguarda.

Uma mudança de natureza da direção do PSOL, o peso da extrema direita e a confusão na vanguarda

Há uma dialética entre o “universal” e o “particular”, o recuo das ideias socialistas é um fenômeno “universal”, que se aprofunda desde o fim das experiências do socialismo realmente existente. Se combina e se apoia também em mudanças estruturais, na fragilidade e fragmentação das organizações da classe trabalhadora, tudo isso é amplamente debatido na esquerda. No entanto, o Brasil, e não poderia ser diferente, apresenta seus traços particulares desse fenômeno geral.

Aqui, a crise que se aprofunda desde 2008, se convertendo em uma crise múltipla (econômica, social, ambiental e política) encontrou em sua primeira fase de desenvolvimento, o PT como gestor do Estado burguês. Foi a explosão de 2013, que expressou a profundidade da crise que avançava no Brasil. A explosão foi contra “o sistema” e o “sistema” era representado também pelo PT.

No entanto, a crise não se desenvolveu com esse mesmo quadro político. Houve o golpe parlamentar que removeu o PT da presidência, devolvendo o partido para o campo da oposição. Essa mudança de localização do PT não mudou, no entanto, sua estratégia. O PT segue tendo como estratégia a gestão do Estado burguês, a estabilização do regime democrático burguês brasileiro.

Por outro lado, essa mudança de localização do PT mudou sua relação com o PSOL, e como desenvolvimento, mudou também o PSOL. Há uma mudança em curso no PSOL, e já viemos apontando isso desde o último congresso partidário, hoje temos no PSOL uma maioria consolidada que aderiu à tese de que, em nome do combate ao bolsonarismo, “vale tudo”, até mesmo, aderir ao programa de nossos adversários.

O elemento real, complexo, é que, objetivamente, a permanência do peso da extrema direita nos obriga à uma contínua dialética entre unidade de ação e frente única com setores reformistas e até liberais; entretanto, isso não significa um salvo-conduto para expressar um pragmatismo sem delimitação de classe e dos interesses de classe.

A dificuldade imposta na consciência, pelos elementos regressivos descritos, gera uma enorme confusão na vanguarda.

Essa mudança se expressou em diferentes momentos quando da definição do posicionamento do PSOL em relação a alguns projetos, com dirigentes do partido defendendo o voto “crítico” no “teto de gastos 2.0” do Haddad, ainda que, ao fim, a bancada tenha fechado questão contrária. A reforma tributária, por exemplo, comemorada pela FIESP e pelo agronegócio, foi, surpreendentemente, comemorada pela maioria da bancada do PSOL como uma grande conquista. A exceção foram os parlamentares da esquerda partidária que se abstiveram da votação, denunciando seu verdadeiro caráter.

O que queremos apontar aqui, é que há uma mudança em curso no PSOL e a maioria de sua direção aderiu à estratégia de gestão do Estado burguês. O exemplo de Belém mostra até onda vai essa política.

Marta como vice não é causa de qualquer mudança no PSOL, é seu resultado. Marta é a vice coerente com a estratégia da maioria da direção partidária, aliás, a “política Marta” foi muito bem recebida e é apoiada pela maioria da direção partidária. Trata-se de uma aliança programática com a burguesia.

Priorizar a derrota da extrema direita, sim, mas qual a via?

O principal debate para a esquerda em nível mundial é esse: como derrotar a extrema direita que cresce em diversas partes do globo?

A vitória de Milei na Argentina “jogou água no chopp” daqueles que, apressadamente, diante da vitória de Lula indicavam o retorno de uma “onda rosa” de vitórias progressistas na América Latina. Que buscavam afirmar que a política de estabilização da governabilidade burguesa, que as concessões programáticas, a adesão ao “consenso” neoliberal, era a via para derrotar a extrema direita.

É preciso compreender as razões para o surgimento e o fortalecimento da extrema direita em diversos países. As aparências e os contornos “particulares” brasileiros podem ofuscar os reais motivos do surgimento do bolsonarismo. Houve a instrumentalização da operação Lava Jato, mas a Lava Jato não é a causa do surgimento de Bolsonaro. Pois se fosse, como explicaríamos Trump, Milei, Le Pen, e outros tantos políticos de extrema direita pelo mundo? O que explica o fenômeno é a profunda crise do capitalismo, a crise múltipla como temos definido, que joga milhões de pessoas em uma situação de absoluto desespero e, no desespero, “abraçam” falsas alternativas.

Portanto, o combate à extrema direita só será completo se for um combate às raízes mais profundas da crise. O caso argentino deve nos servir de alerta sobre o fato de que, aderir ao programa econômico neoliberal, na tentativa de “evitar o confronto” com setores da elite econômica, só nos leva à desmoralização junto ao movimento de massas, frustra expectativas, fortalece a descrença “na política”, enfraquece a organização.

Isso não significa se furtar à unidade com setores reformistas. De maneira alguma. Contra a extrema direita a mais ampla unidade de ação. Mas não podemos abrir mão de debater nosso programa e nossas propostas. Cada passo que damos para trás em nosso programa, a direita avança um passo na disputa de consciência.

E quando defendemos a unidade de ação, isso se expressa inclusive nas eleições, como por exemplo, defendemos táticas de alianças com o PT, no caso de Porto Alegre, onde o MES tem a hegemonia do PSOL e Campinas, onde a esquerda partidária dirige o diretório e é a segunda cidade mais importante do estado paulista.

Defender um programa para combater a crise, em defesa dos interesses da classe

Afinal de contas, então, qual o limite do que é possível em termos de alianças e arranjos eleitorais? Nossa resposta parece óbvia, mas esquecida por alguns: o programa. E a partir daí vamos construir nossos polos e unidades.

A esquerda radical, socialista, deve levantar e agitar seu programa. Vamos, evidentemente, fazer parte dessa “frente democrática” que representará a candidatura de Boulos (e Marta), pois não secundarizamos o combate ao bolsonarismo que será representado por Nunes na principal eleição municipal de 2024. Será uma disputa polarizada, Nunes está fechando um acordo com Bolsonaro para ter um ex-comandante da Rota na chapa ou uma mulher evangélica que seja a expressão do fundamentalismo religioso, mostrando que a eleição vai se nacionalizar.

Ao mesmo tempo, não semeamos ilusões. Não basta eleger Boulos. Desde o processo de debate e preparação da campanha devemos lutar para que esse “movimento” se converta em organização. Será uma luta.

Da mesma maneira, deveremos lutar na organização da campanha e no movimento que ela deverá impulsionar por um programa de emergência, que ataque as causas da crise pela raiz. Ainda que o debate programático em âmbito municipal seja limitado, podemos e devemos levantar bandeiras que coloquem em xeque o inexistente “consenso neoliberal”. Sermos contra as privatizações e terceirizações no serviço público. Reverter esse processo especialmente na saúde da capital combatendo as OSS. Defender o direito à cidade a partir do debate sobre o passe livre e o enfrentamento a máfia das empresas de transporte. Combater os interesses da especulação imobiliária que tem dominado o debate sobre o planejamento urbano, revertando a nefasta revisão do Plano Diretor aprovado em 2023 na câmara. Reverter o confisco promovido pelo SAMPAPREV, ampliando os investimento nos serviços públicos e portanto promovendo acesso a direitos para a população em geral.

É preciso, na medida em que é possível fazê-lo em âmbito municipal, combater o interesse das elites econômicas. Evidenciar os interesses de classe por trás de cada política pública. E combater com todas as nossas forças a ideia, hoje hegemônica na vanguarda brasileira, de que evitar o confronto é o caminho para derrotar a extrema direita.


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Pedro Micussi