A ascensão meteórica da extrema direita portuguesa
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A ascensão meteórica da extrema direita portuguesa

Uma análise dos resultados do partido Chega nas últimas eleições parlamentares de Portugal

Miguel Urban 12 mar 2024, 11:00

Foto: Wikimedia Commons

No início de novembro do ano passado, uma verdadeira bomba de notícias explodiu, dinamitando um dos poucos governos europeus em que os socialistas governavam com maioria absoluta. Antonio Costa, primeiro-ministro de Portugal desde 2015, renunciou após ser implicado em uma investigação relacionada a tráfico de influência, corrupção e prevaricação em projetos de energia. Apesar de não ter sido formalmente acusado, o próprio Costa justificou sua renúncia porque ser investigado era “incompatível com a dignidade do cargo”, convocando eleições antecipadas para o último domingo, 10 de março.

Dois anos depois de Costa ter conquistado uma atípica maioria absoluta socialista em uma Europa com parlamentos fragmentados e governos de coalizão, Portugal votou por uma vitória apertada da direita. O candidato do Partido Social Democrata (PSD) – de herança democrata-cristã – Luís Montenegro, venceu as eleições legislativas com 29,49% dos votos, superando os 28,66% do candidato do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos. Embora aqueles que ainda parecem estar pagando a conta da incomum aliança de esquerda (a “geringonça”) que permitiu a Antonio Costa tirar o poder do PSD em 2015 ainda são seus parceiros menores de coalizão. Tanto o Bloco de Esquerda quanto o Partido Comunista não só não conseguiram capitalizar o desgaste social do PS, como passaram de 10,19% e 8,25%, respectivamente, em 2015, para 4,46% e 3,3% em 2024.

E tudo isso apesar de os dados macroeconômicos portugueses do último governo de Antonio Costa mostrarem um aumento milagroso do PIB, elogiado como “um modelo de crescimento para pequenas economias europeias”, no que foi chamado de “capitalismo da sardinha”. A realidade no terreno é bem diferente. Cada vez mais pessoas estão percebendo que o suposto milagre econômico não está chegando ao bolso das pessoas. Quase 70% dos portugueses estão com dificuldades para pagar as contas e, no ano passado, o custo do aluguel de uma casa foi quase três vezes maior do que na Espanha, enquanto o salário mínimo do país só aumentou de 760 para 820 euros. Apesar da crescente inquietação social diante de uma economia cada vez mais deslocada entre os grandes números e a vida real das pessoas, ela está longe de ser capitalizada pelas forças à esquerda do PS, mas sim por uma ultradireita neoliberal e ultraconservadora que ganhou o voto de protesto nessas eleições.

Assim, um dos grandes vencedores das eleições antecipadas foi André Ventura, líder do partido de ultradireita Chega, que obteve 18,06% dos votos, tornando-se a terceira força, seus melhores resultados desde que entrou no parlamento português em 2019, com 1,3%. Uma ascensão meteórica para uma extrema direita que, desde a Revolução dos Cravos de 1974, que pôs fim à ditadura militar de António de Oliveira Salazar, mal tinha estado presente na vida pública portuguesa. Uma situação que certamente mudará a partir de agora, onde o Chega parece estar em posição de desempenhar um papel mais do que importante nos próximos anos.

No início da década de 1970, a grande maioria dos europeus pensava que o renascimento das organizações de ultradireita giraria em torno dos remanescentes das ditaduras mediterrâneas (Portugal, Grécia e Espanha). Com exceção da Grécia, tanto em Portugal quanto na Espanha, as opções partidárias ligadas ao espectro da extrema direita tiveram tradicionalmente os piores resultados eleitorais do continente até agora. Foi somente a partir de 2019 que, tanto em Portugal quanto na Espanha, a extrema direita ganhou representação independente em seus respectivos parlamentos. A internacional reacionária que está sacudindo metade do mundo, especialmente a Europa, finalmente chegou à península Ibérica com alguns anos de atraso em relação às suas contrapartes europeias.

O Chega foi fundado em 2019 sob a liderança de André Ventura, um político ultraconservador popularmente conhecido por seu papel como comentarista esportivo na televisão. Um projeto pessoal de um líder que tem a fé religiosa como um pilar mais sólido até do que seus postulados políticos, chegando a afirmar que Deus lhe confiou a missão de transformar Portugal. “Acredito que Deus me colocou neste lugar, neste momento”. O próprio Ventura alcançou certa popularidade política como candidato do Partido Social Democrata à Câmara Municipal de Loures (subúrbio de Lisboa), onde concentrou sua campanha nos ataques xenófobos e na estigmatização da minoria cigana do município.

O Chega, assim como seu homólogo hispânico Vox, nasceu como uma cisão da direita, neste caso do PSD. De fato, seu nome vem do movimento interno que o próprio Ventura liderou dentro do PSD contra o líder máximo do partido, a quem acusou de ser moderado (Chega de Rui Rio). Seu sucesso, o mais estonteante da democracia portuguesa, foi construído como a consequência portuguesa da onda reacionária global; baseado em propostas e declarações polêmicas e racistas (castração química para agressores sexuais, confinamento específico para ciganos na pandemia, ataques a beneficiários da previdência social, discursos anti-imigração, anti-LGBTQIA+, antifeministas e a disseminação de teorias conspiratórias como a da grande substituição demográfica); e como expressão de um certo sentimento de revolta, descontentamento e mal-estar entre a população devido aos fracassos dos diferentes governos, especialmente desde a crise de 2007-2008 e a deterioração do escasso estado de bem-estar social português.

Mas talvez seu principal elemento programático seja a “luta contra a corrupção”. Nesse sentido, o programa de Chega inclui uma série de propostas, como “a criação e a implementação efetiva na esfera da Justiça do crime de enriquecimento ilícito”, bem como uma reforma do sistema de apreensão, confisco e divulgação de ativos que são produto de crimes econômicos e financeiros, e mudanças para acelerar o sistema judicial. De fato, seu slogan de campanha, “Limpar Portugal”, deixou claras suas intenções, identificando nos cartazes eleitorais quem precisa ser limpo: os políticos socialistas. A sucessão de escândalos de corrupção, desde o do ex-presidente socialista José Sócrates até o do governo de Antonio Costa, foi o combustível perfeito para o voto de protesto e a ascensão de Chega.

Ainda não sabemos se Luís Montenegro (PSD) finalmente cumprirá sua promessa eleitoral de não governar com Chega ou se ele finalmente fará como seu colega hispânico (PP) e fará um pacto com ela para garantir o governo. Mas certamente parece que o fenômeno da extrema direita veio para ficar em Portugal, como confirmado pelos resultados eleitorais e seu aumento meteórico de 1,3% em 2019 para 18,21% em 2024. Uma extrema direita que, pela primeira vez, tem um público de massa e que questiona a Revolução dos Cravos, marco fundador da democracia portuguesa, e que, justamente em seu cinquentenário, pode ocupar uma pasta ministerial. Neste 25 de Abril será mais necessário do que nunca que a esquerda portuguesa recupere o espírito revolucionário e democrático da Grândola Vila Morena para não esquecer que o povo é quem mais ordena.


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Pedro Micussi