Em audiência na Câmara, motoristas discutem ‘PL do Uber’
PL do Uber

Em audiência na Câmara, motoristas discutem ‘PL do Uber’

Categoria está insatisfeita com proposta de regulamentação oferecida pelo Executivo e apoia retirada de urgência constitucional à votação, proposta por Glauber Braga

Tatiana Py Dutra 22 mar 2024, 10:00

Foto: Bruno Spada/Agência Câmara

O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) presidiu, na quinta-feira, uma audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara para discutir o projeto de lei que regulamenta a profissão de motorista de aplicativo no Brasil, o chamado “PL do Uber”.

Em um auditório lotado de profissionais do ramo e representantes de associações da classe, os participantes demonstraram sua insatisfação com a proposta apresentada pelo governo federal no início de março. Segundo muitos deles, o texto do, o PLP 12/2024 – resultante de debates entre o Ministério do Trabalho, representantes das plataformas digitais e sindicatos -, não contempla os desejos da categoria porque os profissionais não foram ouvidos. 

“Ninguem foi consultado. Existe no site da Câmara mesmo uma pesquisa que diz que 98% dos motoristas não foram ouvidos e rejeitam essa proposta. O PLP não ouviu os motoristas e o governo, na nossa opinião, errou em chamar centrais sindicais para representar os motoristas. Elas não têm uma legitimidade nessa representatividade, apesar de ter a legalidade constitucional”, criticou o presidente da Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil (Fembrapp), Paulo Xavier. 

“Ontem, o senhor Luiz Marinho [ministro do Trabalho], em entrevista, deixou claro mais uma vez: a participação do governo [na construção do PLP] foi apenas para intermediar e nada além disso. Que tudo foi acordado entre sindicatos que estavam presentes no GT e também com as plataformas. Mas o questionamento que a gente faz sempre é como que se chegou ao consenso de hora trabalhada sendo que a hora trabalhada é a nossa mão de obra e nosso trabalho vive através do quilômetro”?, questionou o motorista de aplicativo Jair Gomes de Almeida, que atua no Distrito Federal.

Autônomo plataformizado

Segundo Paulo Xavier, em vez de amparar, o projeto “amarra” os motoristas, que ficarão sujeitos aos desmandos das plataformas e, sob o pretexto de seguridade social, os obrigará a contribuir com a previdência como “autônomo plataformizado” – sendo que os MEIs têm alíquotas muito mais atrativas em relação aos trabalhadores autônomos e aos plataformizados no pagamento do INSS. 

Esse foi um dos pontos mais debatidos pelos profissionais, uma vez que incide diretamente em seus rendimentos mensais – também prejudiciais à categoria. O PLP propõe que os motoristas recebam no mínimo R$ 32 por hora de trabalho efetivo (horas rodadas pela plataforma). Desse total, R$ 24 corresponderiam a despesas previstas, como combustível, e R$ 8 seriam a remuneração em si. Compreendendo uma carga de trabalho de 44 horas semanais, isso garantiria um piso de um salário mínimo. Porém, sobre esses R$ 8 de salário, 27,5% de contribuição ao INSS – sendo que a empresa paga 20% e o trabalhador, 7,5%.

Hoje, sem a lei, a remuneração dos motoristas é maior que R$ 8 e eles podem contribuir com a previdência. Mas esse não é o único problema. Se o PL for aprovado, as plataformas  – que continuarão definindo o quanto cobrar e pagar aos motoristas pelas corridas – podem tentar manter os valores lá embaixo para diminuir custos tributários. 

Relações de poder

Em sua fala, Renata Dutra, representante Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet), demonstrou preocupação com a criação de forma de uma regulamentação que esvazia a proteção social e a garantia de direitos.

“Quando a gente fala de subordinação ou de autonomia, no campo do direito do trabalho, nós estamos falando de poder. Nós estamos falando de relações de trabalho que são praticadas sob o poder de um empregador, de quem detém o poder econômico, e sobre a necessidade de colocar limites, de regular esse poder para que quem trabalha  tenha alguma proteção social. E quando falamos de uma legislação que estabelece, a priori, que os motoristas são autônomos sem considerar as condições dessa prestação de serviço e que sequer se dá ao cuidado de considerar que nessa mesma legislação é reconhecido às plataformas o poder de punir, de dispensar, de disciplinar, o poder de controlar, inclusive, oferta e estipulação de preços, nós estamos colocando aí uma grande contradição em termos jurídicos”, afirmou a professora, que integra a Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir).

Para o procurador do Trabalho Tadeu Henrique Lopes da Cunha , gerente nacional do Projeto Estratégico Plataformas, o PLP apresenta uma “autonomia sem autonomia”. os motoristas serão vinculados às empresas por uma série de deveres, enquanto os direitos serão definidos pelos aplicativos, e mesmo novos deveres, já que são eles quem ditam as normas de uso e também podem escolher o que é “mau uso” da plataforma.

“Tudo o que se terá por autonomia é escolher o horário em que vai trabalhar”, afirmou.

O procurador ainda disse que é um erro a PLP definir as empresas como meras intermediárias de um serviço.

“O transporte de pessoas é uma atividade de interesse público, que necessita de autorização, concessão ou permissão do poder público. Quem tem autorização? São os motoristas ou as empresas? São as empresas. São elas as transportadoras, não os motoristas. Os motoristas são meros executores desses contratos. Ser um mero intermediário significa exclusão de responsabilidades. Ou seja, se houver um dano nesse transporte, quem vai responder é o transportador. Se a gente considerar que o transportador é o trabalhador, é ele quem responde. Esse é um elemento que está no início do projeto, que pode parecer algo muito singelo, algo que tem um efeito prático muito importante”, avaliou.

Representante da Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos do Rio Grande do Sul (Alma), Joelci Batista de Moraes, divergiu dos colegas em alguns pontos. Ele defendeu o trabalho dos sindicatos na construção das propostas, por exemplo, e afirmou ter participado, sim, de discussões trazidas pelo GT. Porém, reconheceu que a proposta não contempla os melhores desejos da categoria:

“Queríamos ter a nossa profissão reconhecida.Tentamos, mas ainda não conseguimos garantir a melhoria dos nossos ganhos. É preciso um PL melhor. E agora deixamos então para que através dos deputados e dos nobres senadores, se consiga melhorar esse PL ao ponto em que a gente consiga sim, colocar um freio nessas grandes multinacionais que só vem aqui para explorar nosso trabalho e explorar os trabalhadores”. 

Sem urgência

Para que haja tempo para a ampliação do debate e para construção de uma proposta alinhada com as expectativas dos motoristas, o deputado Glauber Braga apresentou ao Ministério do Trabalho a solicitação da retirada da urgência constitucional do PLP 12/24. A iniciativa foi endossada por outros parlamentares e aplaudida pelos profissionais presentes na audiência pública de ontem.

“Isso nos coloca uma espécie de faca no pescoço, ou seja, vocês têm 30 dias para chegar num acordo sobre o texto, 30 dias para que ele seja aprovado, algo que é incompatível com a realidade das críticas, das divergências dos milhões de trabalhadores por aplicativo que existem no Brasil”, afirmou Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

À plateia, Glauber elencou os motivos pelos quais ele defende a retirada da urgência da PLP.

“Qual é a minha dificuldade com essa proposta? Duas, objetivamente. A primeira é a preocupação que já foi abordada por muitos de que o que está sendo feito em relação a esse projeto pode passar a ser a prática para todas as outras relações de trabalho. Segundo: especificamente, em relação aos pontos da proposta, se você trabalha com hora em que o pneu está rodando e não trabalha com a hora logada, nós temos um problema que é grave porque no sentir de quem está na rua todos os dias está havendo um aumento da exploração e não uma ampliação de direitos, que era a expectativa”, justificou.

Glauber acrescentou que, se for votado em 30 dias, haverá peso e pressão dos interesses das plataformas, que vão prevalecer em relação aos interesses dos trabalhadores. Por isso, valorizou a importância da mobilização da categoria e do debate, ainda que haja divergências.

“Nós vamos ter divergências, nós vamos concordar em pontos, vamos divergir em outros, nós vamos fazer o debate político, vamos fazer a disputa política, mas aqui da comissão de legislação participativa, o que vocês vão ter de nossa parte é uma procura para que a gente possa estabelecer um texto de regulamentação em que o centro seja os direitos dos trabalhadores que estão enfrentando as maiores dificuldades. 


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