Bolsonaro é indiciado pela primeira vez
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Bolsonaro é indiciado pela primeira vez

PF implica ex-presidente por associação criminosa e fraude no cartão de vacinação. Investigação sobre tentativa de golpe deve ficar pronta até junho

Tatiana Py Dutra 19 mar 2024, 14:32

Foto: Agência Brasil

A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 16 pessoas pelo caso da fraude no cartão de vacinação, ocorrida em 2022. Eles foram implicados pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações para Bolsonaro, a filha Laura, dois assessores, além dos filhos de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid.

O caso segue para as mãos do Ministério Público Federal (MPF), que decidirá se o caso vai para a Justiça. O crime de associação criminosa prevê pena de 1 a 3 anos de prisão, enquanto o de inserção de dados falsos em sistema de informações, de 2 a 12 anos. Uma agravante é o uso de aparato estatal para cometimento dos delitos. 

Dentre todas as investigações dos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é alvo – tentativa de golpe de Estado, venda de jóias, pandemia, vazamento de inquérito, além de um possível envolvimento do caso Marielle – a fraude no cartão de vacinação pode ser considerado um caso menor. Porém, foi a apuração que teve andamento mais rápido.

A PF apurou que informações falsas sobre a imunização do grupo foram inseridas e excluídas do sistema do Ministério da Saúde no fim de 2022, às vésperas da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, pouco antes do fim do mandato. Segundo a TV Globo, em 21 de dezembro daquele ano, foram incluídas informações sobre a aplicação de duas doses da vacina da Pfizer contra Covid-19 no ex-presidente. O lançamento no ConecteSUS gera um comprovante de imunização –  algo que Bolsonaro sempre negou ter recebido.

De acordo com o que foi inserido no sistema, o inelegível teria recebido a primeira dose em 13 de agosto de 2022 e a segunda, em 14 de outubro do mesmo ano, no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ). As informações foram inseridas pelo secretário de Governo do município, João Carlos de Sousa Brecha, um dos presos após o escândalo e que, agora, integra a lista de indiciados.

Em 27 de dezembro, os dados foram excluídos pela servidora Claudia Helena Acosta Rodrigues Da Silva, sob alegação de “erro”. Segundo a Polícia Federal, o ajudante de ordens Mauro Cid Barbosa era quem controlava o cadastro de Jair Bolsonaro no ConecteSUS. Os acessos à plataforma foram feitos por um computador atribuído a Cid,  e os documentos foram impressos no Palácio do Alvorada e entregues em mãos a Bolsonaro.

Em delação premiada, Mauro Cid afirmou que a ordem para emitir os documentos falsos partiu de Bolsonaro.

Três dias após a exclusão das informações, em 30 de dezembro, Bolsonaro viajou aos Estados Unidos, onde permaneceu até março de 2023.

Conforme a PF, “os elementos de prova coletados ao longo da presente investigação são convergentes em demonstrar que Jair Messias Bolsonaro agiu com consciência e vontade determinando que seu chefe da Ajudância de Ordens intermediasse a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha”. Ou seja: ele deu a ordem.

Bolsonaro pressionou militares por golpe

O indiciamento é mais uma volta no parafuso de uma semana especialmente tensa para Bolsonaro e seus comparsas. Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes abriu o sigilo de depoimentos de ex-integrantes da cúpula das Forças Armadas, ex-ministros de Estado e de ex-auxiliares no inquérito que apura a suspeita de uma trama golpista para evitar a posse do presidente Lula (PT)..

Os depoimentos mais contundentes foram dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior que, corroborando com as delações de Mauro Cid colocam o ex-presidente como protagonista da tentativa de golpe de Estado. 

Nas oitivas, eles detalham encontros convocados por Bolsonaro para instá-los a colocar suas tropas à disposição de um crime contra a democracia. Os depoimentos implicam ainda ex-integrantes do governo, como o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que teria apresentado uma das versões da “minuta de golpe” aos ex-comandantes; e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teria explicado aspectos jurídicos para embasar as medidas de exceção consideradas por Bolsonaro.

Segundo o general Freire Gomes, Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada após o segundo turno das eleições de 2022, e apresentou a possibilidade de usar institutos jurídicos como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estado de defesa e estado de sítio para melar o processo eleitoral. A chamada “minuta de golpe”, apreendida pela PF na casa do ex-ministro da Justiça, foi apresentada em um desses encontros, no dia 7 de dezembro de 2022. 

“Bolsonaro informou que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes”, afirma trecho do termo de depoimento, ocorrido em 1º de março.

Freire Gomes e Baptista Júnior afirmam que se opuseram ao plano golpista, ao contrário do ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, que colocou suas tropas à disposição. Baptista Júnior alega ter argumentado com Bolsonaro, em novembro de 2022, de que nao havia indício de fraude nas urnas, como supunha um relatório do Partido Liberal que serviu de base para pedir na Justiça a invalidação de parte dos votos. O PL acabou multado em quase R$ 23 milhões no caso por má-fé pela tentativa, que Baptista Junior qualificou de “sofisma”.

Bolsonaro na cadeia?

Apesar da extensa investigação sobre a tentativa de golpe, ainda é distante a chance de prisão do ex-presidente. A menos que seja flagrado pressionando testemunhas ou destruindo provas do processo, juristas praticamente descartam a possibilidade de uma prisão preventiva. Ou seja: ao que tudo indica, Bolsonaro só poderá ser preso após o fim do julgamento. Um relatório final da PF sobre a tentativa de golpe deve ficar pronto até junho e, caso um possível julgamento comece ainda em 2024, é possível que se estenda até o ano que vem.

Nesse interím, Bolsonaro vê a campanha eleitoral vindoura como possibilidade para reforçar o “escudo humano” formado por seus seguidores e tentar mostrar força nas ruas. Caberá à esquerda também ir às ruas para mostrar insatisfação com a liberdade de um político genocida e antidemocrata, com ânsia de retornar ao poder. Não pode haver conciliação ou anistia.


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Pedro Micussi