Crise climática vai ampliar desigualdade social no Brasil
Consequências de inundações e secas podem levar 3 milhões para a pobreza extrema já em 2030
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Conforme balanço divulgado pela Defesa Civil na tarde de quarta-feira (8), 425 dos 497 municípios gaúchos foram afetados pelas enchentes que assolam o Estado desde a semana passada. Isso equivale a cerca de 85% do território gaúcho. Além de revelar ao país um novo nível de devastação, a catástrofe ambiental assusta as classes sociais que não se julgavam vulneráveis a esse tipo de episódio – antes, quase “exclusivos” de comunidades em maior desvantagem econômica, como os moradores de áreas marginalizadas.
Outra má notícia é que a tendência é que os efeitos do clima afetarão profundamente a economia das famílias nos próximos anos, ampliando a desigualdade social e empurrando de 800 mil a 3 milhões de brasileiros para a pobreza extrema já em 2030, conforme relatório do Banco Mundial divulgado em maio de 2023. Em entrevista à rádio CBN, na terça-feira, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, alertou que “a crise climática é uma máquina de produzir pobreza”.
“A crise climática é uma máquina de produzir pobreza, ou seja, essa conta climática agrava o que já está ruim, temos pesquisas que mostram isso. É uma conta climática que agrava o que já está ruim. Precisamos reconhecer que o nosso país é extremamente vulnerável a essas mudanças”, disse Astrini.
O agravamento do cenário virá de inundações e secas e as consequentes elevações de preços de alimentos, perdas em saúde e redução da produtividade do trabalho. Grupos mais vulneráveis são sujeitos a impactos maiores.
Alternativas à crise
Em uma audiência pública na Câmara Municipal de Pelotas (RS), em junho de 2022, o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em ciências e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) fez um questionamento que, hoje, soa como profecia para a população gaúcha:
“O comportamento das chuvas mudou. Eu tenho feito um levantamento e já percebi que de 2013 pra frente nós temos um acumulado de precipitação [chuvas] no mês de mais de 300 mm. A minha pergunta é: o que nós, por exemplo, na Defesa Civil, temos programado para prever essas possibilidades? Em algum momento, vamos começar a ver [inundações] em áreas em que a água não chegava com tanta frequência e vamos lembrar disso que estamos falando aqui.”
O pesquisador alterava para o fato de muitas cidades gaúchas estarem totalmente despreparadas para chuvas extremas. Em Porto Alegre, por exemplo, milhares de moradores do Centro Histórico, Cidade Baixa e Menino Deus desconheciam suas áreas de risco ou mesmo o que fazer aos primeiros sinais de inundação. O que se viu na capital foi uma corrida aos supermercados e uma evacuação tardia e perigosa.
Os especialistas advertem sobre a necessidade de uma ação mais efetiva do poder público tanto em relação à infraestrutura quanto na questão ambiental. Porém, para isso, é preciso que boa parte deles mude radicalmente de postura.
“A gente tem políticos que sabem do problema e não tomam ação, mas se omitem. Se a gente olhar, hoje, para a pauta do Congresso, e olhar para o que acontece no Rio Grande do Sul, a sensação que dá é que os parlamentares se omitem. Tem projeto que retira recursos da fiscalização ambiental. Você mostra que dentro do Congresso os criminosos têm guarida”, avaliou Astrini para a CNN.
Já Marcelo Dutra da Silva advertiu que não bastará reconstruir as cidades destruídas nos mesmos moldes em que existiam. Segundo o pesquisador, essa retomada precisará levar em conta as áreas mais seguras e resistentes às variações climáticas extremas, que irão se repetir.
“Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar. É preciso afastar as infraestruturas urbanas desses ambientes de maior risco, que são as áreas mais baixas, planas e úmidas, as áreas de encostas, às margens de rios e as cidades que estão dentro de vales”, disse o ecólogo à BBC Brasil.
Outras políticas
Baseado em um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o relatório do Banco Mundial aponta que o Brasil pode atingir em breve um ponto em que a bacia amazônica não mais teria chuvas suficientes para sustentar os ecossistemas e garantir abastecimento de água e armazenamento de carbono. Essa hipótese – decorrente de mudanças climáticas, desmatamento e expansão de áreas de pastagem -, considera um impacto acumulado no Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 920 bilhões até 2050, o equivalente a 9,7% do PIB atual.
O impacto social e econômico dessa ruptura seria alto, com “graves consequências para a agricultura, o abastecimento de água nas cidades, a mitigação de inundações e a geração de energia hidrelétrica”. Ainda de acordo com o relatório, os efeitos das alterações climáticas já são sentidos no país ao mudarem padrões de temperatura e o regime pluviométrico, que causam perdas anuais de R$ 13 bilhões.
Frente a desastrosa gestão ambiental do governo Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu com a promessa de recolocar a pauta de preservação ambiental como prioridade. Ainda não aconteceu. De qualquer forma, o relatório traz sugestões para que o país alcance seus objetivos mesmo com orçamento enxuto.
Uma das ideias é reduzir subsídios a setores poluentes e a taxação de atividades de extração de combustíveis fósseis. Somente essa última tem retorno potencial de arrecadação estimado em R$ 150 bilhões por ano até 2030. O relatório ainda indica o setor privado como fonte de grande parte das necessidades de investimento, além do financiamento internacional, como no caso do Fundo Amazônia.
Com uma matriz energética verde, o Brasil poderia se beneficiar da tendência de descarbonização global e reduzir sua exposição aos riscos climáticos. Nesse caminho, o relatório projeta que até 2030, o pais poderia reduzir emissões de gases de efieto estufa em 50% acabando ainda com o desmatamento ilegal.
Amazônia em risco
Mas é preciso vontade política. Em meio à catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, certamente favorecida pela destruição ambiental, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado votará, nesta quarta-feira (8), a redução da reserva em imóveis rurais localizados em municípios da Amazônia Legal de 80% para 50%. Os impactos da eventual redução representam um desmatamento potencial de, ao menos, 28,1 mil hectares, ou 281.661 km² – o equivalente ao território do estado do Tocantins.
Conforme Nota Técnica da Secretaria de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, essa área equivale a 31 vezes a última taxa de desmatamento registrada na Amazônia Legal entre agosto de 2022 a julho de 2023.
“A mudança tornaria inviável o cumprimento das metas do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que tem o objetivo de zerar o desmatamento até 2030”, concluiu.
Esse ataque frontal ao Código Florestal foi idealizado pelo senador Jaime Bagattolli (PL-RO) e tem relatório favorável do senador Marcio Bittar (União-AC). Bittar, ao ser questionado sobre críticas à proposta, no contexto do desastre no Sul afirmou que as ações do homem têm “impacto zero” nas mudanças climáticas. Quais serão suas fontes?