A propósito dos 20 anos do PSOL
A história de lutas do PSOL reafirma a necessidade de um partido radical, militante e independente
Nosso Partido, o Partido Socialismo e Liberdade, completou 20 anos de existência na última semana. Foram 20 anos de profundas turbulências e acontecimentos em nosso país. 20 anos que não se passaram em vão.
Em meio a conjuntura atual, marcada pela polarização (nacional e internacional) contra a extrema direita e a crise sócio-ambiental de caráter civilizatório, vale registrar a potência e as contradições de um Partido que chega a duas décadas de existência.
Indicamos a leitura de um artigo, de caráter mais histórico, acerca da data, de Leandro Fontes, publicado na Revista Movimento.
Nesse texto, queremos apontar brevemente, a conquista que foi a construção e o desenvolvimento do PSOL, suas contradições crescentes e algumas tarefas que estão na ordem do dia.
A fundação do PSOL foi uma conquista fundamental
A fundação do PSOL teve um sentido histórico fundamental. 15 anos após a queda do muro de Berlim, formar-se um partido num país continental, a sexta maior economia do mundo, que não temesse em afirmar seu caráter anticapitalista, levando a bandeira do socialismo e da liberdade, foi uma vitória enorme. Um Partido que se separou de forma decidida das experiências burocráticas do “socialismo real”, termo que serve quase como eufemismo para o que foi o stalinismo dos países do Leste Europeu; e também da direção sedutora do Lulismo, controlando e desfigurando o PT e seu aparelho a serviço dos interesses da conciliação de classes no país. Colocar em pé um partido que servia de abrigo para a miríade de posições que buscava ir além da “miséria do possível” da esquerda governista. A expulsão dos “radicais” – Heloisa, Luciana Genro, Babá e João Fontes – foi a marca pública do esgotamento do projeto petista do ponto de vista estratégico e o sinal para evolução rumo ao novo Partido.
Um Partido que se levantou, contra vento e maré, mobilizando seus militantes para ser legalizado com 500 mil assinaturas, experiência inédita até então no país, e contou com um importante reforço, um ano após a fundação, com a chegada de novos parlamentares da esquerda petista, concluindo essa etapa com a campanha eleitoral de 2006, que teve como vetor a disputa de massas e a eleição de uma bancada do PSOL para o parlamento nacional.
Retomamos a definição do artigo citado de Leandro Fontes:
Ademais, era preciso uma formulação teórica com poder de sustentação de uma estratégia de ruptura com o Partido dos Trabalhadores e de iluminação de um novo horizonte. Por isso, para além do inegável protagonismo empírico dos parlamentares radicais, qualquer análise séria sobre a história do PSOL deve-se mencionar o livro “Uma saída pela esquerda”, publicado em 2002. de Roberto Robaina (então membro do Diretório Nacional do PT). que caracterizava o curso irreversível de deformação do PT e de sua direção social democrata no passo de chegar ao poder.
Sob a essência dessa consciência se realizou o reagrupamento de correntes trotskistas e marxistas revolucionárias, tais como MES, CST, CSOL (ruptura do PSTU), MTL (corrente de ocupação no campo com braço no movimento sindical), militantes do Rio de Janeiro e do Paraná que se desligaram da DS, correntes regionais como MTP e SR, além de intelectuais do mais alto gabarito como Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Chico de Oliveira, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Roberto Romano e do sempre combativo construtor Milton Temer. Portanto, o PSOL se formou como um partido de combate e da luta ideológica.
O Partido teve diversas fases, experiências, ganhos e crises. Atravessou momentos de auge e de dificuldade. Contudo, é preciso reconhecer que esteve ao lado das lutas do povo brasileiro nos últimos vinte anos, sendo ativo na denúncia da conciliação de classes dos primeiros governos de Lula e Dilma, referência essencial na oposição a Temer e combatido e combatente na experiência que tivemos com o genocida Bolsonaro.
É o Partido de Marielle, das lutas democráticas, de figuras históricas que já se foram como Plínio Sampaio, Lauro Campos, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e outros gigantes do meio intelectual. Agrupou a melhor parte das correntes marxistas revolucionárias em tempos de dispersão. E, ao contrário das outras experiências análogas de partidos anticapitalistas amplos no mundo, que não passaram a prova como projetos como o Podemos e o Syriza, com todas as dificuldades o PSOL é o mais longevo dessas experiências nascidas no princípio do século XXI
A disputa de rumos do PSOL: a defesa de um projeto militante e independente
O PSOL chegou à condição de segundo maior partido da esquerda brasileira, como muitos analistas o referem. Ele está perto da marca dos 300 mil filiados, sendo que 50 mil participam dos processos de eleições internas do Partido, com uma notável presença entre filiados e eleitores mais jovens. O PSOL tem uma bancada nacional de 13 deputados, muitas vezes escolhidos como os melhores do congresso por prêmios como o Congresso em Foco (vencido por Samia Bonfim) e tem dezenas de deputados estaduais e vereadores nas principais casas legislativas do país, distribuídos nas cinco regiões.
Estas conquistas coletivas, contudo, não podem desfazer as contradições, expressas nos ásperos debates internos, em que posições de método, programa e estratégia se confrontam, na vida partidária nos últimos anos.
Tal qual a tradição do PT, o direito às tendências faz com que o PSOL tenha um pluralismo interno – consagrado em seu estatuto e programa fundacional – que obriga o debate com o conjunto da base partidária. Um dos grandes riscos que vive o PSOL hoje é um hegemonismo por parte da direção que detém a maioria dos espaços, reduzindo o espaço das minorias e acabando com o debate democrático interno, tão caro ao PSOL.
Nos últimos quatro congressos divergências políticas de fundo estiveram por trás dos debates acirrados. A luta que opôs dois grandes blocos internos- o campo PTL (PSOL de Todas as Lutas) e o Bloco de Esquerda do PSOL expressou essas diferenças, tanto no método quanto no debate acerca do programa. Algumas pautas são estratégicas: a defesa da independência diante de governos de conciliação de classe como o de Lula (que resultou numa resolução de compromisso em dezembro de 2022 que impede o PSOL de ter cargos formais no governo) e a necessidade de um Partido de caráter militante para impulsionar a auto-organização da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos sociais, que saiba atuar de disputar nas eleições, mas que não reduza a sua esfera de ação ao calendário eleitoral.
Nesses vinte anos nós tivemos momentos de refluxo e ascensão da extrema direita, onde as tensões para a adaptação programática se notam de forma mais evidente. Os processos de adaptação e recuo programático levam a defesa de posições reformistas. E essas posições reformistas, quando não estão enquadradas no horizonte teórico numa perspectiva programática revolucionária, se convertem em estratégia e consolidam uma perspectiva que não vai além dos limites do sistema. Esse é o maior perigo que tem o PSOL, de se converter em um partido que defende simplesmente uma política de resistência institucional contra a extrema direita, confundindo a defesa das liberdades democráticas com a defesa do regime democrático burguês vigente , um regime que, em última instância, por suas crises e por sua incapacidade de resolver os problemas da classe trabalhadora , é o que permite que forças da extrema direita se desenvolvam.
Somos conscientes da necessidade de fazer unidade de ação com reformistas e inclusive com setores da própria burguesia que não queiram a ascensão do fascismo, pois sabemos que o inimigo principal nesse período é a extrema direita e a possibilidade da extrema direita controlar o aparelho estatal burguês pra usá-lo como máquina de guerra contra a esquerda e a classe trabalhadora. Contudo, não podemos fazer uma política de unidade perdendo a independência, deixando de educar as gerações numa perspectiva de enfrentamento contra o sistema capitalista e e deixando de organizar os setores da classe trabalhadora numa perspectiva de mobilização de massas como caminho único, definitivo, decisivo, determinante para derrotar a extrema direita, o fascismo e abrir uma uma janela, um espaço, uma oportunidade de construção de uma alternativa global de sociedade distinta da atual .
As lutas do porvir
Não se pode saudar a bandeira dos 20 anos do PSOL sem pensar nas perspectivas imediatas e concretas, das tarefas que estão pela frente.
O PSOL deve ter como centro se construir a referência nacional e internacional da luta antifascista e da defesa de uma perspectiva ecossocialista para enfrentar a catástrofe que não só se aproxima como já é sentida- vide a tragédia do Rio Grande do Sul. Parte desses esforços estavam sendo concentrados na preparação da I Conferência Antifascista, adiada por conta da tragédia gaúcha, onde se começaria a articular uma frente internacional contra a extrema direita.
Nossa política emergencial deve levar em conta o tema ambiental para construir um programa de transição climática a serviço das maiorias sociais, resultando em propostas práticas para a luta ambiental no aqui e agora.
No cenário eleitoral, onde estamos às vésperas do pleito municipal, nosso Partido deve encarar de frente a disputa das cidades, lutando por hegemonia programática e pela eleição do maior número de tribunos relacionados a estas pautas.
E seguir, apoiando as lutas em curso, seja com a solidariedade ao povo palestino, seja nas greves como as da educação federal, onde são militantes e dirigentes do PSOL que estão, junto ao ativismo na linha de frente das lutas; seja no estímulo à auto-organização dos atingidos pela enchente no Rio Grande do Sul, onde o PSOL RS é parte ativa dessa luta por solidariedade ativa e disputa programática na reconstrução do Estado para a classe trabalhadora.
A vitalidade do PSOL depende de muitos fatores, mas sobretudo de intervir, entender e atuar na capacidade de lutas do povo brasileiro que, diante da extrema direita golpista, ainda não deu a sua última palavra.