Campanha ‘Arquiva Lira’ conquista mais de 150 mil assinaturas em três dias
PL Antiaborto

Campanha ‘Arquiva Lira’ conquista mais de 150 mil assinaturas em três dias

Pressão popular faz parlamentares do Centrão recuarem e mesmo a bancada evangélica cogita retirar a proposta

Tatiana Py Dutra 18 jun 2024, 10:54

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O abaixo-assinado pelo arquivamento do Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio, já conta com mais de 150 mil assinaturas. A proposta, intitulada “Arquiva, Lira”, foi lançada pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) no sábado (15).

O PL, que tramita na Câmara dos Deputados, estabelece que mulheres sejam penalizadas com até 20 anos de prisão caso interrompam a gravidez após 22 semanas de gestação -, enquanto, em casos de estupro, a pena média é de 10 anos..Por isso, a proposta tem sido chamada de “PL do estuprador” ou “PL da gravidez infantil”, chamando a atenção para o fato de que são as meninas de até 14 anos as maiores vítimas de estupro no país conforme as estatísticas.

“Na prática, o PL do Estuprador quer equiparar o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, o que renderia às vítimas uma pena de até 20 anos – superior à punição de abusadores, que podem pegar até 12 anos de prisão. São muitos os fatores que levam a pelo menos 1/3 das interrupções legais de gravidez ocorrerem após a 22 semana: menores de idade demoram mais a compreender e conseguir denunciar a violência sofrida, bem como reconhecer os sintomas de gravidez; por fundamentalismo ou receio de retaliação, profissionais de saúde impedem ou mesmo retardam o acesso a um direito garantido por lei; são pouquíssimos hospitais com serviço de aborto legal, num país de dimensões continentais”, diz a justificativa do abaixo-assinado

A deputada Sâmia Bomfim destaca que anualmente ocorrem aproximadamente 20 mil partos de meninas com menos de 14 anos no Brasil.

“É um número assustador. Atacar o direito ao aborto legal em casos de estupro e de risco de morte materna é violentar duplamente as vítimas. Nós vamos até o fim na luta para barrá-lo”, afirmou a parlamentar.

Mulheres reagem

O PL, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ),  teve o requerimento de urgência aprovado na última quarta-feira (12), o que significa que o PL pode ir à votação em  Plenário sem passar pelas comissões temáticas. O risco de a matéria ser aprovada gerou fortes reações nas redes sociais e levou mulheres às ruas em manifestações nas principais cidades do país. A ideia é pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a arquivar a proposta. 

Pesquisa Quaest divulgada na sexta-feira (14) indica que mais da metade das publicações de redes sociais X, Facebook e Instagram entre 12 e 14 de junho foram contra o projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Das 1,1 milhão de menções sobre o tema, 52% eram contrárias ao PL 1904, enquanto 15% foram favoráveis ao projeto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também se manifestou contrário ao PL.

“Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, sou contra o aborto. Mas, como o aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública. Eu acho uma insanidade querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro. Tenho certeza que o que já existe na lei garante que a gente aja de forma civilizada nesses casos, tratando com rigor o estuprador e com respeito às vítimas”, disse..

Centrão recua

Diante da repercussão negativa da população, parlamentares que inicialmente apoiavam a aprovação do PL passaram a recuar. Conforme a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, as lideranças do Centrão afirmam não ter compromisso com a validação da ideia. Deputados de partidos como União Brasil, Solidariedade, PP e PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, admitem reservadamente que o conteúdo do texto tem problemas, destacando elementos que são criticados até mesmo pelo eleitor de direita – como a possibilidade de uma mulher vítima de estupro que faz aborto ter pena maior do que o seu estuprador. Com isso, a própria bancada evangélica considera não levar adiante a votação do projeto, já que ele corre o risco de ser derrotado. 

E mesmo que passasse na Câmara, a proposta teria de ser endossada no Senado, onde encontra resistência. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmou que o projeto não tramitará em regime de urgência na Câmara Alta, por exigir debate.

No último fim de semana, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) ainda tentou defender o PL de sua autoria, divulgando um vídeo para as redes sociais em que afirmava que o objetivo de sua proposta não é penalizar crianças e acrescentando que pediria aumento da pena do estupro para 30 anos. Posteriormente, ele apagou o vídeo., ainda que afirme que pressionará para que a votação ocorra em breve.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, já chegou a dizer que indicará uma deputada de centro para relatar o PL 1904/24, a fim de que o texto fique “equilibrado”. Aventa-se o nome de Daniela Cunha (União-RJ), filha do deputado cassado Eduardo Cunha, para o cargo. Isso se o texto não for arquivado graças à pressão popular.

‘Não há remendo: queremos o arquivamento do projeto do estupro. Usar mulheres na relatoria para legitimar o ataque a outras mulheres é uma velha arma conhecida do patriarcado. Não caímos nessa. O jogo está virando. É hora de dobrar a pressão. Semana decisiva”, conclama a deputada Sâmia Bomfim.


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Pedro Micussi