Campanha ‘Arquiva Lira’ conquista mais de 150 mil assinaturas em três dias
Pressão popular faz parlamentares do Centrão recuarem e mesmo a bancada evangélica cogita retirar a proposta
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O abaixo-assinado pelo arquivamento do Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio, já conta com mais de 150 mil assinaturas. A proposta, intitulada “Arquiva, Lira”, foi lançada pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) no sábado (15).
O PL, que tramita na Câmara dos Deputados, estabelece que mulheres sejam penalizadas com até 20 anos de prisão caso interrompam a gravidez após 22 semanas de gestação -, enquanto, em casos de estupro, a pena média é de 10 anos..Por isso, a proposta tem sido chamada de “PL do estuprador” ou “PL da gravidez infantil”, chamando a atenção para o fato de que são as meninas de até 14 anos as maiores vítimas de estupro no país conforme as estatísticas.
“Na prática, o PL do Estuprador quer equiparar o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, o que renderia às vítimas uma pena de até 20 anos – superior à punição de abusadores, que podem pegar até 12 anos de prisão. São muitos os fatores que levam a pelo menos 1/3 das interrupções legais de gravidez ocorrerem após a 22 semana: menores de idade demoram mais a compreender e conseguir denunciar a violência sofrida, bem como reconhecer os sintomas de gravidez; por fundamentalismo ou receio de retaliação, profissionais de saúde impedem ou mesmo retardam o acesso a um direito garantido por lei; são pouquíssimos hospitais com serviço de aborto legal, num país de dimensões continentais”, diz a justificativa do abaixo-assinado
A deputada Sâmia Bomfim destaca que anualmente ocorrem aproximadamente 20 mil partos de meninas com menos de 14 anos no Brasil.
“É um número assustador. Atacar o direito ao aborto legal em casos de estupro e de risco de morte materna é violentar duplamente as vítimas. Nós vamos até o fim na luta para barrá-lo”, afirmou a parlamentar.
Mulheres reagem
O PL, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), teve o requerimento de urgência aprovado na última quarta-feira (12), o que significa que o PL pode ir à votação em Plenário sem passar pelas comissões temáticas. O risco de a matéria ser aprovada gerou fortes reações nas redes sociais e levou mulheres às ruas em manifestações nas principais cidades do país. A ideia é pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a arquivar a proposta.
Pesquisa Quaest divulgada na sexta-feira (14) indica que mais da metade das publicações de redes sociais X, Facebook e Instagram entre 12 e 14 de junho foram contra o projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Das 1,1 milhão de menções sobre o tema, 52% eram contrárias ao PL 1904, enquanto 15% foram favoráveis ao projeto.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também se manifestou contrário ao PL.
“Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, sou contra o aborto. Mas, como o aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública. Eu acho uma insanidade querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro. Tenho certeza que o que já existe na lei garante que a gente aja de forma civilizada nesses casos, tratando com rigor o estuprador e com respeito às vítimas”, disse..
Centrão recua
Diante da repercussão negativa da população, parlamentares que inicialmente apoiavam a aprovação do PL passaram a recuar. Conforme a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, as lideranças do Centrão afirmam não ter compromisso com a validação da ideia. Deputados de partidos como União Brasil, Solidariedade, PP e PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, admitem reservadamente que o conteúdo do texto tem problemas, destacando elementos que são criticados até mesmo pelo eleitor de direita – como a possibilidade de uma mulher vítima de estupro que faz aborto ter pena maior do que o seu estuprador. Com isso, a própria bancada evangélica considera não levar adiante a votação do projeto, já que ele corre o risco de ser derrotado.
E mesmo que passasse na Câmara, a proposta teria de ser endossada no Senado, onde encontra resistência. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmou que o projeto não tramitará em regime de urgência na Câmara Alta, por exigir debate.
No último fim de semana, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) ainda tentou defender o PL de sua autoria, divulgando um vídeo para as redes sociais em que afirmava que o objetivo de sua proposta não é penalizar crianças e acrescentando que pediria aumento da pena do estupro para 30 anos. Posteriormente, ele apagou o vídeo., ainda que afirme que pressionará para que a votação ocorra em breve.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, já chegou a dizer que indicará uma deputada de centro para relatar o PL 1904/24, a fim de que o texto fique “equilibrado”. Aventa-se o nome de Daniela Cunha (União-RJ), filha do deputado cassado Eduardo Cunha, para o cargo. Isso se o texto não for arquivado graças à pressão popular.
‘Não há remendo: queremos o arquivamento do projeto do estupro. Usar mulheres na relatoria para legitimar o ataque a outras mulheres é uma velha arma conhecida do patriarcado. Não caímos nessa. O jogo está virando. É hora de dobrar a pressão. Semana decisiva”, conclama a deputada Sâmia Bomfim.