Educação e Desumanização no Paraná: O Legado das Reformas Recentes e a Urgência de Resistir
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Educação e Desumanização no Paraná: O Legado das Reformas Recentes e a Urgência de Resistir

As reformas neoliberais na educação pública promovem um processo de sucateamento que afeta toda a sociedade

Já dizia Darcy Ribeiro: “a crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Após anos que a frase foi registrada, assistimos atônitos a concretização desse projeto, e na busca por subsidiar os debates, apresenta-se esse texto.

Compreender o presente não é algo tão fácil, nem tampouco pode ser feito sem olhar para o passado. Partindo dessa perspectiva é preciso fazer uma retrospectiva breve e direta da formação do Brasil até que se adentra na história da educação brasileira. A educação não pode ser estudada isolada do contexto histórico e econômico do Brasil. Compreender a nossa “inexperiência democrática” histórica influencia em compreender como deixamos que as coisas no Paraná chegassem a este ponto.

Para iniciar este debate é preciso retomar a formação econômica do Brasil. É bem verdade que ainda nos dias de hoje se fala em descobrimento do Brasil, como se antes não houvesse nada e nem ninguém nestas terras. Porém partiremos da chegada dos portugueses nas terras brasileiras. 

A ocupação territorial sul americana se dá a partir das necessidades de expansão comercial da Europa. As vastas terras férteis e ricas em metais preciosos foram a solução encontrada para suprir essa necessidade e coube a Portugal a tarefa de descobrir de que maneiras poderia explorá-la. Os portugueses já se dedicavam à produção em grande escala de açúcar em algumas ilhas do Pacífico, expandido então este negócio para o Brasil. Um problema ameaçava o sucesso do avanço agrícola português: a escassez de mão de obra. Esse já era um problema enfrentado em Portugal. A solução encontrada então foi a da mão de obra escrava, uma vez que o País já comercializava escravos. (Furtado, 1982).

Estes escravos viriam mais tarde a compor a população brasileira, juntamente com indígenas brasileiros e colonos europeus. Sobre este fato, pode-se concluir que a formação do povo brasileiro se dá a partir de desfechos da política econômica adotadas na época. Porém não se pode perder de vista que

O povo‐nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade,  em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às  suas necessidades de sobrevivência e progresso. Surge,  isto sim, da concentração de uma força de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através  de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. (Ribeiro, p.23, 1995)

Para a colônia se estabelecer foi necessário adoção de políticas que a tornassem passível de ser regida. E assim foi se formando o Brasil! Claro que não de maneira simplista como colocada aqui. O Brasil apresenta um rápido crescimento populacional e territorial da colonização iniciado pelo litoral e avançando interior adentro. E à medida que a história do Brasil avança no tempo, a história da educação brasileira vai sendo construída. Esse período de 1500 a 1822 é marcado pelo “ensino das primeiras letras” que tinha por objetivo a catequização dos indígenas, à fé católica, impondo costumes europeus. A “educação” nesse período estava diretamente ligada com os interesses da Coroa, ou seja, “civilizar” a população de índios. 

Em 1808, com a chegada da Coroa Portuguesa e a instalação do governo português no Rio de Janeiro, é que as coisas naquela sociedade atrasada passam a mudar. Surgem escolas, bibliotecas, a imprensa, o ensino técnico.

Em 1822 ocorre então a proclamação da Independência, fato que marca um novo período na história do Brasil. Esse período vai até o ano de 1889, é marcado pela expansão agrícola.

Com a Proclamação da República (1889) abre-se um novo período histórico. Essa mudança de regime (via golpe militar) fez com que rompesse o equilíbrio conservador sustentado pelo Império. Essa transformação foi abrupta de tal maneira que os indivíduos que antes representavam a monarquia, onde se detinham quase exclusivamente aos interesses políticos, agora passam a ser sujeitos ativos na especulação e negócios, como sem precedentes na história. Um exemplo desse tipo de sujeito foi Mauá, que enquanto deputado, defendeu no Parlamento interesses privados, incorporando tal prática às atividades políticas. Nem a moral e a convenção do Império anteriormente vivida foram suficientes para se contrapor a lógica do lucro e do enriquecimento. Porém esta prática se consolida com um alto valor social. Também neste período surge uma novidade que tende a influenciar as práticas econômicas no país, as finanças internacionais. Embora os interesses comerciais estrangeiros já fossem sentidos há um certo tempo, através de empréstimos públicos, já haviam também investimentos estrangeiros em alguns setores privados como por exemplo: mineração, navegação, ferrovias, etc. Também se estabeleciam inúmeros estrangeiros no país que passavam a ocupar setores como a indústria e o comércio. Esses interesses financeiros internacionais foram progressivamente se alastrando até que se infiltraram nos setores fundamentais da economia brasileira, culminando em colocá-la inteiramente a seu serviço. (Junior, 1986).

Na educação não foi diferente:

A organização e estrutura da sociedade republicana que emergia permanecia, portanto, com características da velha educação aristocrática e que pouca importância dava para a educação popular. A educação começa a se alterar, somente quando essa realidade social, política e econômica, dá sinais de ruptura. (CUNHA, p.26, 2013)

De 1889 até 2008 a educação brasileira segue praticamente estagnada, apesar de alterações na legislação educacional, a realidade da educação brasileira não se altera. Leis importantes para a educação surgem neste período. Durante o século XX, mais especificamente dos anos 50 em diante, o Brasil vive intensas movimentações políticas, como a construção de Brasília, o golpe de 64 que implementa a ditadura militar. Outro destaque para esse período são as publicações de Paulo Freire que traz a luz do conhecimento suas teorias. Nesse mesmo período o Brasil conta com importantes pensadores como Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, entre outros, que escrevem sobre a realidade brasileira. Já na ótica destes, aparecia o apontamento de que a educação brasileira precisava ser independente, ser uma política pública, não ligada ao capital, tão pouco a igreja. 

Findada a ditadura militar na década de 80, através da pressão popular, o Brasil passa a viver uma redemocratização, marcada pela constituição de 1988. Em 1989, Fernando Collor de Mello (Partido da Reconstrução Nacional – PRN) foi eleito nas primeiras eleições presidenciais livres e diretas pós-ditadura. Seu governo foi breve, pois renunciou a presidência em 1991, devido a escândalos de corrupção e financiamento ilegal da sua campanha, para evitar um impeachment. Seu vice Itamar Franco (PRN na época) assumiu o governo e terminou a gestão. Na sequência, em 1995, foi eleito Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), sendo reeleito em 1998, terminado sua gestão em 2002. Em 2003, o Brasil elegeu pela primeira vez um candidato ligado a um partido de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), que reeleito governou por dois mandatos. Em 2010, Lula indicou para a sua sucessão Dilma Roussef (PT), a primeira mulher eleita presidente na história do Brasil. O primeiro mandato foi cumprido até o seu fim. Reeleita em 2014, Dilma Roussef sofreu impeachment em 2016, através de um golpe jurídico, parlamentar e midiático, onde assumiu seu vice Michel Temer (PMDB) que seguiu o mandato até o final. 

Em paralelo com esse movimento político que acontecia no Brasil, de eleição de um governo mais progressista, no mundo havia uma reorganização para uma “nova direita” que combinava o liberalismo econômico com autoritarismo social. Na América Latina, esses movimentos direitistas sofreram um esgotamento ao final dos anos 1990, o que permitiu a ascensão de governos progressistas culminando em uma falsa ilusão de que o neoliberalismo não era mais um problema. Mas ele retornou mundialmente como um movimento contrário ao progressismo e sem compromisso algum com a democracia (Freitas, 2018).

Enquanto isso no Brasil, após treze anos de coalizão petista, a “nova direita” somada a outras vertentes organizou o golpe de 2016, por dentro da democracia liberal. Oito anos se passaram do golpe, porém fica cada vez mais claro seu propósito à medida que podemos observar as transformações sendo concretizadas nas políticas sócio-econômicas do País.

Descrever o Golpe de 2016 não é tarefa fácil, porém contribui muito na compreensão das políticas que estão sendo aplicadas à educação brasileira. Sob a ótica marxista  dar-se-á esta análise, porém extrapolando o conflito de classes, adotando-se aqui a análise a partir do conflito distributivo, pelo acúmulo de riquezas, que envolvem diversas classes e frações. Foi e ainda está sendo um processo complexo, haja vista que as alianças políticas mudam constantemente, mas os conflitos de classe desse processo nem sempre se deixam apresentar, estando muitas vezes mascarados. Por exemplo, o caso dos banqueiros que em nome do aumento dos lucros, não explicitado, defendem a elevação da taxa de juros utilizando o combate à inflação como desculpa. Nos partidos políticos a tática é parecida. Em nome da defesa do “cidadão de bem” e do país, partidos políticos das pequenas burguesias, burgueses ou de classe média se apresentam como defensores destes. No golpe o discurso utilizado por estes atores foi o combate a corrupção, colocando o PT como partido corrupto a ser combatido, quando na verdade a intenção era antes de tudo, desarticular as investigações e salvarem suas próprias peles. (Junior, 2016). 

Interessante deste processo é que a frente política construída pelo PT de forma heterogênea, englobava trabalhadores rurais e campesinos, classe operária, partes da classe média baixa, empresas brasileiras e a grande burguesia interna, representada por grandes empresários e corporações nacionais que viam no governo de Lula uma oportunidade de crescimento através de políticas econômicas que favorecessem a indústria nacional, investimentos em infraestrutura e expansão do mercado interno, que tinha como objetivo estimular o crescimento econômico com a participação das grandes empresas nacionais (que não pode-se deixar de apontar que são de interesses do capital internacional). Ainda em consequência dessa política houve uma pequena melhoria da condição de vida das classes populares e da distribuição de renda nas periferias. A política cultural também se desenvolveu favoravelmente aos movimentos de negritude, LGBTQIA+ e feministas. (Junior, 2016)

Em contrapartida a esta frente, o campo neoliberal que até 2014 era restrito, passa a ganhar força e a crescer, dirigido por parte da burguesia brasileira que estava comprometida com o capital internacional, capital que transcende fronteiras nacionais, controlado por corporações multinacionais e instituições financeiras globais. Ele busca implementar políticas neoliberais que favoreçam a abertura comercial, privatizações, e alinhamento com grandes potências como os Estados Unidos, frequentemente em detrimento dos interesses da burguesia interna e da soberania econômica nacional, onde as

propostas de política econômica e externa preteriam interesses de grupos econômicos brasileiros integrantes da burguesia interna: abertura comercial ampla, compras do Estado e das estatais abertas indiscriminadamente para as empresas estrangeiras, venda das estatais e redução de seus investimentos e alinhamento passivo com os Estados Unidos, entre outras. (JUNIOR, 2016)

O discurso neoliberal desse movimento político acabou atraindo organizações e pessoas de diferentes classes sociais, inclusive das classes populares. Na análise de Junior (2016), o governo do PT não foi um governo dos trabalhadores e nem da burguesia, como defendem alguns intelectuais. A crise vivenciada não representou “um levante das ‘elites’ contra um governo dos ‘trabalhadores’ e nem foi devido à crise que “surgiu” esse movimento opositor ao governo. O PSDB e o DEM (Democratas) sempre deram voz a parte da burguesia que incomodava-se com políticas sociais do PT, sentindo suas posições sociais ameaçadas por estas políticas.

Uma crise do capitalismo internacional, junto com algumas medidas políticas internas acabou acarretando no decrescimento da economia brasileira em 2011, sendo que em 2013 iniciou-se ao governo petista ataques políticos provenientes do capital internacional e da parcela da burguesia ligada a ele. Nesse período a frente neodesenvolvimentista organizada pelo PT, passou a ter suas contradições acentuadas, o que pode ter levado a ruptura da coalizão (Junior, 2016), o que acabou abrindo caminho para o golpe jurídico, parlamentar e midiático sofrido pelo PT e pela ascensão vitoriosa dos grupos neoliberais restauradores, os quais se autodenominam de “nova direita”.

Esta “nova direita”, acabou por realizar uma intensa disputa da educação brasileira. A partir de uma visão geral desse movimento, que não é exclusivo dos grupos que atuam no Brasil, mas reconhecido mundialmente pela forma de atacar a educação e o Estado, Giroux (2017) resume:

No meio de um enorme ataque global ao Estado do bem-estar social e às cláusulas sociais, alimentados por políticas neoliberais, o contrato social central das democracias liberais foi destruído e com ele também qualquer noção viável de solidariedade, justiça econômica e bem comum. O progresso foi transformado em seu oposto e registra mais desigualdades, sofrimento e violência. A antiga linguagem dos direitos coletivos deu lugar ao discurso dos direitos individuais, e o vocabulário da colaboração e solidariedade foi deslocado pelo discurso do individualismo radical e o ethos áspero da sobrevivência do mais forte. A “liberdade” se transformou em sinônimo de interesse próprio desenfreado e em um racional para abdicar de qualquer senso de responsabilidade moral e política. ( pag. 1)

                        A disputa da educação serve para colocá-la a serviço do liberalismo econômico, com o “objetivo de treinar uma nova geração de pensadores para lutar pelo livre mercado e pela retomada do liberalismo clássico, em contraposição às ameaças da planificação da economia postas pela social-democracia e pelo socialismo” (Freitas, 2018 p. 16)

                        Nos Estados Unidos esse movimento conseguiu implantar o sistema de vouchers, nos anos 1950, que foi sendo remasterizado com o passar dos anos, sempre vendendo a ideia de democracia, onde os pais escolhem as escolas a partir do seu poder econômico, dando a ideia de que qualquer um pode matricular seu filho em qualquer escola. O interessante desse sistema é que a elite que estuda em escolas privadas, quando precisa, consegue utilizar esses vouchers para pagá-las com dinheiro público. A classe média estuda também em escolas privadas, mas de custos mais baixo e também pode utilizar o voucher adicionando pagamento extras. Já os muito pobres continuam estudando nas escolas públicas de baixa qualidade. Essa livre escolha da escola, eleva a educação para a lógica mercadológica, concretizando a reforma empresarial da educação em tal país. 

A ideologia presente por trás de tal movimento prega que se a democracia liberal falhar na garantia da liberdade econômica, permitindo que o direito ao acúmulo privado acabe, ela estará comprometendo a liberdade social e pessoal. Por isso a necessidade de combater a regulação econômica a partir do Estado e a redistribuição de renda, considerada por eles como uma injustiça, já que seriam forçados a “dar” o fruto dos esforços pessoais daqueles que são bem sucedidos. (Freitas, 2018)

Fica evidente que a questão defendida pela nova direita mundo afora, não se trata apenas das questões econômicas, mas é também ideológica, pois se apropria da educação para reforçar as suas ideologias. A educação deixa de ter vínculos sociais e passa a ser vista como uma questão puramente de gestão. Criam-se políticas de responsabilização pelo fracasso escolar, tendo sempre como alvo desta, o professor. 

            Essas experiências de reforma empresarial da educação podem ser observadas claramente nos Estados Unidos e no Chile, países que planejaram sua educação à partir dessa perspectiva, como descreve Freitas (2018):

 Examinando a experiência estadunidense, nota-se que apesar da vinculação da reforma empresarial da educação aos refundadores do liberalismo, os “reformadores” operam em redes difusas de influência, construindo alianças mais amplas com acadêmicos, grandes empresários, rentistas e suas fundações, políticos no interior de instâncias legislativas e do governo, institutos, centros e organizações sociais, indústria educacional e a mídia, imersos no tecido social, construindo a legitimação de sua concepção de sociedade e de educação. (pág 41)

            Essa influência empresarial na educação brasileira não é novidade, basta olhar para a história do país, seja sua marca pela omissão ou pela sua interferência. Toda essa movimentação descrita acima é muito clara no Brasil pós Golpe de 2016, onde têm-se a elaboração da BNCC, sua aprovação e sua implementação sustentada pelo movimento Todos Pela Educação (TPE), que são grupos empresariais, políticos e organizações sociais ligados a estes grupos, como escrevem Martins e Krawczyk (2018):

Lançado em 2006, o TPE surge por iniciativa de um grupo de empresários de diversos setores (incluindo os setores financeiro e industrial), que, no seu conjunto, representa uma importante fração da classe burguesa brasileira. Algumas das mais relevantes empresas que participam do TPE são o Grupo Itaú, o Gerdau, o Pão de Açúcar, Organizações Globo, além de institutos e fundações ligadas ao mundo empresarial, como o Instituto Ayrton Senna, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), a Fundação Roberto Marinho, o Instituto Ethos e o Grupo Abril (Martins, 2016, pp. 37-44). O TPE se autodefine como uma aliança nacional apartidária (Todos Pela Educação, 2012). Representa uma ampla coalizão de defesa de causa formada pelos principais acionistas de empresas, diretores de organizações do terceiro setor e por líderes dos governos na área da educação. Financeiramente, o TPE conta com doações de importantes grupos empresariais e de organizações internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Sua plataforma de ação foi definida com base em uma pesquisa que visou conhecer as convergências entre as políticas educacionais e os programas de educação implementados por fundações e institutos de educação. ( p. 7)

No estado do Paraná essa lógica mercadológica ganhou força com a reeleição do atual Governador, Ratinho Júnior (Partido Social Democrático – PSD), que colocou a frente da Secretaria de Educação do Estado (SEED) o empresário Renato Feder, ex-coCEO (co – chief executive officer) da Multilaser. Feder foi responsável por implementar a BNCC na educação paranaense, assim como foi responsável por iniciar a terceirização dos agentes educacionais, abrindo licitações para empresas da iniciativa privada concorrerem para a prestação de serviços dentro das escolas estaduais. Também foi o responsável por implementar a plataforma educacional do Aula Paraná e realizar a terceirização do ensino nos cursos técnicos, onde o estado passou a ofertar aulas presenciais nas escolas, porém com professores a distância. 

No site da SEED- PR sobre o perfil do ex-secretário, lê-se que ele buscou “experiências internacionais na Educação, tendo visitado e se aprofundado no funcionamento e gestão de escolas e sistemas educacionais […] ” de vários países, incluindo dos Estados Unidos. Chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Educação no governo de Bolsonaro no ano de 2020.

No caderno da 8ª Conferência Estadual de Educação da APP – Sindicato que organiza os trabalhadores da educação estadual no Paraná, p.25 cita-se que:

No Paraná, o governo Ratinho Jr. (PSD) e o empresário Renato Feder aplicaram um projeto sofisticado e autoritário de escola-empresa. Esse modelo escolar assenta-se a partir da perspectiva empresarial de exigência no cumprimento de metas e alcance de um melhor ranqueamento no IDEB. A otimização, a flexibilização, a operacionalização e a meritocracia, além do constante controle e monitoramento, são mantras da gestão empresarial que fazem parte das atuais políticas da escola-empresa. E assim, como na política nacional, este modelo alinha os ideais neoliberais e aos conservadores, entrincheirando as escolas e atacando a autonomia e a gestão democrática da educação.

A escola-empresa esvazia totalmente de sentido, o central do processo pedagógico que é a aprendizagem e a humanização e introduz no ambiente escolar, a lógica da busca por resultados. E entende por resultados, os indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Essa lógica, neoliberal, se pauta em uma sociedade exclusiva de vencedores(as), onde os perdedores(as), os(as) fracassados(as), não têm direitos. Coopera para essa concepção a ideia do individualismo, do think tanks e da resiliência presentes nas propostas educacionais, não só da Seed, como de resto dos reformadores educacionais do Brasil e do mundo, como as fundações privadas no Brasil ou o Comitês de Políticas Educacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

            O ex- secretario de educação do Paraná, transformou o estado em um laboratório de políticas educacionais neoliberais, implementando pouco a pouco a lógica empresarial para a educação. Começou com a contratação de “Tutores Pedagógicos”, função criada dentro da SEED para acompanhar “mais de perto” o que acontecia dentro das escolas. Esses tutores chegavam na escola com o discurso de acompanhar e auxiliar a resolver os problemas, mas na prática seu papel era fazer com que a escola alcançasse as metas. Metas essas que nada tem a ver com educação e sim com índices e resultados mercadológicos. Em seguida implementou a Prova Paraná, com o objetivo de segundo a SEED servir como avaliação diagnóstica sobre o nível de apropriação dos conhecimentos. Mas na prática, não passou de mais um instrumento meritocrático e exclusivo, pois penaliza os estudantes que não comparecem no dia da prova. Já para os que comparecem, são atribuídas notas e prêmios, transformando a escola em um verdadeiro vale-tudo, para atrair os estudantes a comparecerem, ainda que estes não compreendam para que a mesma serve. Outra “novidade” terrível inventada e incorporada as escolas foi o “Se liga! É tempo de aprender mais”. Essa prática consiste em uma recuperação dos conteúdos considerados essenciais em cada disciplina, onde equipes pedagógicas e professores precisam estabelecer metodologias ativas para recuperar estes conteúdos. Em resumo, se o aluno apareceu na escola e “participou” do Se Liga, será aprovado.

A busca ativa, também passou existir como uma forma de resposta a evasão escolar, porém sem discutir os motivos que levaram os estudantes a evadir-se da escola, mas com pressão e assédio para cima de estudantes e famílias. A partir de 2021, o governo do estado decretou que direções realizassem observações em sala de aula, passíveis de punição se não fossem executadas. Se as condições de trabalho já não eram as mais adequadas, agora o professor tinha sua liberdade profissional posta em dúvida. Em 2021, o governo na tentativa de dialogar com sua base bolsonarista, militarizou cerca de 10% das escolas paranaenses. Sob o discurso de que a cívico-militarização das escolas traria disciplina e segurança aos filhos da classe trabalhadora, o projeto avançou seduzindo professores e estudantes. Essa padronização de comportamentos nas escolas cívico-militares representa um ataque cultural à população, incidindo sobre a forma de vestir, portar-se, sobre o corte de cabelo, ditados pelos moldes da branquitude que conduz a política paranaense, desprezando qualquer relação religiosa ou cultural que possa existir do estudante com seu cabelo ou sua roupa. E quem não se adequa é convidado a se retirar! Mas não cessou por aí, após todas estas mudanças, o governo do estado plataformizou a educação paranaense, desprezando as carências dos estudantes em relação a internet ou aparelhos eletrônicos que permitam o acesso a estas plataformas. Além da cobrança do acesso aos estudantes, existe ainda a cobrança aos professores que devem postar nas plataformas. Pode-se compreender melhor cada item destes no caderno da 8ª Conferência Estadual de Educação da APP (endereço disponível nas referências). Um verdadeiro processo de desumanização das escolas públicas estaduais do Paraná. A desumanização das pessoas é um movimento necessário para avançar nesse projeto neoliberal.

Paulo Freire fala sobre a integração e a desumanização. A integração resume-se à capacidade de adaptar-se à realidade, ao mesmo tempo em que a transforma-se, optando por isto, de maneira crítica. O homem integrado pode ser considerado como Sujeito do processo. Já a desumanização implica no homem que se adapta, renunciando, acomodando-se, perdendo a capacidade de optar, deixando suas decisões a cargo dos outros. Ou seja, desumanizar as pessoas, sejam estudantes, funcionários ou professores, faz parte desse projeto, é ter um aval para que o governo do estado siga firme com seus propósitos políticos neoliberais para o povo paranaense.

Precisa-se discutir com clareza o ataque à educação paranaense. É preciso compreender a serviço de quem ela está, fato este que faz toda a diferença sobre os rumos que a educação toma. Infelizmente a educação caminha à medida que os interesses econômicos da nação também aparecem. Precisamos saber quem são realmente os nossos algozes!

O “Projeto Parceiro da Escola”, o mais recente ataque do governo Ratinho Jr., representa uma continuação da lógica neoliberal aplicada à educação paranaense, onde a gestão escolar passa a ser influenciada diretamente por empresas privadas. Sob o pretexto de melhorar a qualidade do ensino, o projeto promove a ingerência do setor privado nas decisões pedagógicas e administrativas das escolas públicas, desrespeitando a autonomia escolar e mercantilizando o processo educativo. Esse projeto acirra ainda mais a precarização das condições de trabalho dos professores, enfraquece a capacidade crítica dos estudantes e subordina o ensino público aos interesses do capital. Para barrar esse ataque, é imperativo construir uma unidade sólida entre professores, servidores e estudantes, articulando-se em uma frente de resistência capaz de defender uma educação pública, democrática e de qualidade. Apenas por meio da mobilização conjunta e da ação coletiva será possível reverter esse cenário e garantir que a educação permaneça um direito de todos e não um privilégio de poucos.

Diante desse cenário de ataques contínuos à educação pública no Paraná, é urgente que a comunidade escolar e a sociedade civil se mobilizem para resistir e reverter essa desumanização imposta pelas políticas neoliberais. A instrumentalização da educação, orientada por metas mercadológicas e pela militarização, transforma alunos, professores e funcionários em meros objetos de um projeto que visa a adaptação passiva e a obediência cega. Para que a educação volte a ser um direito essencial e transformador, é necessário unir forças, identificar os responsáveis por essas políticas e lutar por uma escola que forme cidadãos críticos, conscientes e capazes de atuar como sujeitos históricos. Somente através da solidariedade e da ação coletiva conseguiremos impedir a destruição da educação pública e garantir um futuro justo e democrático para todos.

Referências

CUNHA, Jorge Luiz da et al. **História e organização da educação brasileira.** 1. ed. Santa Maria, RS: UFSM, NTE, UAB, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/handle/1/17131>.

FREITAS, Luiz Carlos. **A reforma empresarial da educação: Nova direita, velhas ideias.** 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

FURTADO, Celso. **A nova dependência: dívida externa e monetarismo.** Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

GIROUX, H. A. **Trump’s neo-nazis and the rise of illiberal democracy.** Truthout, 2017. Acesso em 3 de junho de 2024. Disponível em: <https://truthout.org/articles/neo-nazis-in-charlottesville-and-the-rise-of-illiberal-democracy/>.

JUNIOR, Caio Prado. **História econômica do Brasil.** São Paulo: Brasiliense, 1986.

JUNIOR, Armando Boito. **Os atores e enredo da crise política. Por que gritamos golpe.** In: JIKINGS, Doria e CLETO (orgs.). **Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil.** 2016. Disponível em: <https://sinte-sc.org.br/files/1081/Texto%201%20Porque%20Gritamos%20Golpe.pdf>.

MARTINS, Erika Moreira; KRAWCZYK, Nora Rut. **Estratégias e incidência empresarial na atual política educacional brasileira: O caso do movimento ‘Todos Pela Educação’.** Revista Portuguesa de Educação, vol. 31, núm. 1, 2018, pp. 4-20. Universidade do Minho, Portugal. Disponível em: <https://www.redalyc.org/journal/374/37454959005/37454959005.pdf>.

RIBEIRO, Darcy. **O povo brasileiro.** 1ª e 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Conferência Estadual de Educação da APP, 8ª. 2022, Curitiba. **Caderno.** Curitiba: WL Impressões, 2022. Disponível em: <https://veraz.com.br/app/wp-content/uploads/2022/05/Caderno_Debates_VIII_Conferencia_web.pdf>.


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