Considerações sobre a recente queda do mercado de ações global
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Considerações sobre a recente queda do mercado de ações global

Uma análise das causas das quedas em diversas bolsas de valores pelo mundo na semana passada

Rolando Astarita 12 ago 2024, 10:44

Imagem: rawpixel.com

Via Sin Permiso

Em 5 de agosto, houve uma queda acentuada nos mercados de ações. Seu epicentro foi em Tóquio: o índice Nikei 225 fechou em queda de 12%, a maior perda diária desde 1987. A queda em Tóquio teve fortes repercussões na Ásia: o Taiex de Taiwan caiu 8,4% e o Kospi da Coreia do Sul caiu 8,8%. Por sua vez, o Stoxx Europe, que é o índice de referência para a zona do euro, caiu 2,5%, tendo caído 3,5% nos quatro dias anteriores. Nos EUA, o Nasdaq fechou em queda de 3%, depois de estar 6% negativo; o Dow Jones fechou 1,5% no vermelho. Na terça-feira, houve recuperações – Tóquio subiu 10% – mas a incerteza permanece.

Nesta nota, examinamos algumas das explicações dadas para o declínio generalizado e as perspectivas para os próximos meses.

Carry trade com o iene

A explicação mais geral dada para o colapso do mercado de ações concentra-se no carry trade do iene. As carry trades consistem em tomar fundos emprestados em uma moeda e investi-los em ativos de maior rendimento em outra moeda. Nesse caso, os especuladores tomam emprestado em ienes, a uma taxa muito baixa, para investir em ativos denominados em dólares, euros ou outras moedas, a taxas de juros mais altas. Depois de obter a diferença, eles devem retornar ao iene para pagar a dívida. Consequentemente, a operação é lucrativa desde que o valor do iene não suba em relação à moeda em que foi investido.

Bem, na sexta-feira, 2 de agosto, os dados sobre a criação de empregos nos EUA em junho podem estar indicando uma desaceleração da economia. Isso aumentou as expectativas dos investidores de que o Federal Reserve reduziria sua taxa de juros de referência. Ao mesmo tempo, o Banco do Japão aumentou as taxas de juros para aliviar as pressões inflacionárias. O resultado foi um aumento de 5% do iene em relação ao dólar na semana que antecedeu a crise. Essas mudanças afetaram os especuladores que haviam apostado no carry trade do iene, e teria havido um desarranjo de posições. Em outras palavras, os ativos foram vendidos em massa, o pânico se espalhou e, consequentemente, o colapso global dos mercados de ações. Como a queda teria sido devida à especulação, ela teria afetado o investimento, a produção e o consumo, a chamada “economia real”, de forma bastante superficial.

Nesse ponto, é importante ressaltar que nem todo colapso do mercado de ações determina o início de uma recessão ou depressão. O próprio Marx ressaltou que pode haver explosões na esfera monetária ou financeira, que não afetam necessariamente a acumulação. É por isso que ele distinguiu a crise do dinheiro – uma fase de toda crise – da crise que também é chamada de “dinheiro”, mas que é um fenômeno “inteiramente autônomo e que, portanto, só por reação exerce influência sobre a indústria e o comércio” (p. 168, t. 1, O Capital). Ele acrescentou que o movimento dessas crises estava centrado no capital monetário, “reduzindo assim sua esfera direta de ação aos bancos, à bolsa de valores e às finanças” (ibid.).

Um exemplo dessas crises foi o que aconteceu em 19 de outubro de 1987, quando ocorreu um dos maiores colapsos da história de Wall Street. O colapso começou na Ásia (Hong Kong caiu 11%), seguido por Tóquio, Paris, Londres (queda de 10,8%) e chegou a Nova York, onde o Dow despencou 22,6%. Entretanto, houve poucas consequências para a economia. Ao contrário da maioria das previsões, a economia dos EUA estava crescendo de forma relativamente saudável em dezembro daquele ano.

Portanto, é preciso ter cautela antes de declarar, devido ao colapso do mercado de ações, o início de uma crise “real”, ou seja, queda na produção, no consumo, no investimento e no emprego.

Queda nos lucros de algumas empresas de tecnologia

Outra explicação, que foi combinada com a anterior, argumenta que a queda do mercado de ações se deve à redução dos lucros das empresas de tecnologia. Para entender o contexto, precisamos destacar que, desde novembro de 2022, quando a Open AI lançou o robô de inteligência artificial, houve um frenesi de investimentos em empresas ligadas a essa atividade. De acordo com a Fortune Business Insights, em 2023, o mercado global de IA foi avaliado em US$ 515 bilhões, com um crescimento projetado em 2024 para US$ 621 bilhões. As empresas que têm investido em pesquisa e desenvolvimento incluem Amazon, Alphabet, Apple, Facebook, IBM, Microsoft, Oracle, Nvidia e Baidu. Em 2023, a Apple, a Microsoft, a Alphabet, a Amazon e a Meta tiveram fortes ganhos (40% a mais do que em 2022).

Ocorre então um fenômeno que, historicamente, tem sido bastante comum em atividades de ponta no desenvolvimento de uma nova tecnologia: a compra excessiva e o aumento dos preços das ações das empresas na vanguarda, impulsionados pela ideia de lucros cada vez maiores. Porém, na medida em que o aumento dos preços das ações não é acompanhado pelo aumento dos lucros, o crescimento do capital é fictício. Daí a dinâmica das bolhas especulativas de alta (muitas vezes alimentadas por crédito e alavancagem) e a subsequente queda vertiginosa das ações quando essas bolhas estouram.

Parte disso pode estar acontecendo com algumas empresas de tecnologia. O desenvolvimento de aplicativos de IA nem sempre leva a lucros maiores, e muitos investidores podem estar considerando que algumas empresas estão supervalorizadas. De qualquer forma, a Amazon anunciou que os lucros no segundo trimestre de 2024 ficaram aquém de suas expectativas e que não esperava que a situação melhorasse no terceiro trimestre. A Intel informou uma queda acentuada nas receitas no segundo trimestre (menos US$ 1,6 bilhão) e anunciou que reduzirá sua força de trabalho em 15%.

Para fins de argumentação, digamos que nem sempre o estouro de uma bolha especulativa desencadeia uma crise que leva à depressão. Ou pode levar a uma recessão que não é necessariamente grave. Por exemplo, a crise das “empresas .com” foi precedida por um forte aumento especulativo nos preços de suas ações. De 1995 até o pico em 2000, o índice Nasdaq quintuplicou. Mas esse aumento não foi respaldado por lucros. No entanto, aproveitando a onda de alta, os investidores estavam comprando com base em ganhos futuros indefinidos (além disso, todo investidor acha que vai sair do mercado 5 minutos antes do início do dilúvio).

Portanto, tudo era uma festa de lucros… até que a bolha estourou e o Nasdaq despencou 80%. Muitas empresas desapareceram; outras sobreviveram, embora tenham sofrido grandes perdas. Mas, apesar de sua magnitude, a crise não deu lugar a uma depressão, nem mesmo a uma recessão grave. Em 2001, houve uma recessão leve – na verdade, o PIB dos EUA cresceu 1% – e curta; e em 2002 a economia estava em recuperação. Em outras palavras, não existe uma relação mecânica entre o estouro de bolhas especulativas e recessões econômicas. Tudo indica que, para que a desaceleração do investimento em tecnologia relacionada à IA leve a uma recessão – nos EUA ou globalmente -, ela teria de ser combinada com outros fatores.

Por outro lado, essa dinâmica não significa que os desenvolvimentos tecnológicos subjacentes desaparecerão. A crise das “empresas .com” foi grande, mas a Internet se consolidou e se desenvolveu. Hoje, os aplicativos de IA estão sendo desenvolvidos e usados, entre outras atividades, em marketing e vendas; em medicina e saúde; em bancos, serviços financeiros e seguros; varejo; automotivo; transporte; agricultura; escritórios de advocacia. E não há nenhuma indicação de que esses desenvolvimentos estejam se revertendo ou estagnando.

O estado da economia global

Para começar, a economia capitalista global hoje não está em recessão, muito menos em depressão. A perspectiva do FMI em abril era de um crescimento da produção mundial de 3,2% em 2024 e 3,3% em 2025. Nos países avançados, o crescimento seria de 1,7% em 2024 e 1,8% em 2025 (1,6% em 2023). Os EUA cresceriam 2,7% e 1,9% em 2024 e 2025; e a área do euro, 0,4% e 0,8%, respectivamente. O crescimento projetado para o Japão é de 0,9% e 1% em 2024 e 2025. Os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento cresceriam 4,2% em 2024 e 2025 (4,3% em 2023). Nesse cenário, há, entretanto, três centros de acumulação capitalista que precisam ser acompanhados de perto, a saber, China, Europa (Alemanha) e EUA.

China

O FMI projeta que a economia da China crescerá 5% em 2024 e 4,5% em 2025 (relatório final do Artigo IV, julho de 2024). Entretanto, há sinais vermelhos. Especialmente porque o setor imobiliário continua em péssima forma. A crise no setor começou em 2020, quando o governo tentou conter o alto endividamento das incorporadoras imobiliárias e o aumento dos preços. A situação piorou quando, em 2023, a Evergrande – a maior incorporadora e com uma dívida de mais de US$ 330 bilhões – entrou em inadimplência. Atualmente, ela está em processo de liquidação.

O problema subjacente é que as moradias foram produzidas muito além do que o mercado pode absorver. Em todo o país, há um excedente de estoque de moradias. Devido a esses estoques não vendidos, muitas empresas enfrentam problemas graves de liquidez. Muitas casas não foram concluídas, e um número crescente de compradores está se recusando a pagar hipotecas de casas inacabadas. Na China, as empresas hipotecárias têm permissão para vender casas antes de serem concluídas, e os compradores devem começar a pagar as hipotecas antes de tomar posse da nova propriedade. Esses fundos são normalmente usados pelas incorporadoras para financiar novas construções. Estimativas feitas em 2022 concluíram que, entre 2013 e 2020, as incorporadoras entregaram apenas 60% das casas que pré-venderam, enquanto o valor dos empréstimos hipotecários pendentes equivalia a US$ 3,9 trilhões (L. He, “Chinese homebuyers refuse to pay mortgages on unfinished apartments” CNN Business, 14/07/2022). Quando a crise estourou, a Evergrande tinha 1,5 milhão de casas inacabadas.

Nesse cenário “estrutural”, em julho de 2024, as vendas de novas casas pelas 100 maiores incorporadoras caíram 20% em relação ao ano anterior. Em junho, elas já haviam caído 17%, também em relação ao ano anterior (China’s Home Sales Slump Again, Signaling Crisis Nor Over Yet, The Wall Street Journal). Em maio, o governo reduziu as taxas de juros sobre a dívida hipotecária e reduziu os requisitos para compradores em potencial. Essas medidas não surtiram efeito. O governo central está pressionando os governos locais para que comprem as casas não vendidas e as ofereçam aos possíveis compradores em termos que eles possam pagar.

Mas os governos locais têm problemas de liquidez.

Além disso, há sinais de fraqueza no restante da economia. O setor imobiliário e as atividades relacionadas são responsáveis por cerca de 30% da produção da China. O PMI do setor industrial caiu, de acordo com o jornal privado Caixin, para 49,8 em julho, contra 51,8 em junho [Observação: o PMI do setor industrial é o Índice de Gerentes de Compras do setor industrial, compilado mensalmente por meio de pesquisas com gerentes de compras. Ele mede o nível de atividade: acima de 50 indica expansão e abaixo de 50 indica contração]. Embora os dados oficiais do National Bureau of Statistics (NSO) nem sempre coincidam com os do Caixin, eles coincidem na estimativa de julho.

“A oferta continuou a superar a demanda. A produção industrial cresceu pelo nono mês consecutivo (…). O total de novos pedidos caiu pela primeira vez desde julho do ano passado”, explicou o economista do Caixin, Wang Zhe, que apontou especificamente para “orçamentos de gastos deprimidos dos clientes”, o que também se traduziu em pressão de baixa sobre os preços no contexto da crescente concorrência no setor e da pressão por vendas” (Manufacturing activity in China shrinks after 9 months of growth, according to Caixin, reproduzido no Infobae 31/07/2024). A economia fraca, por sua vez, enfraquece a confiança dos possíveis compradores de imóveis.

Uma questão a ser observada é a evolução dos empréstimos externos da China. “Depois de mais de uma década de empréstimos e investimentos estrangeiros em expansão, a Iniciativa do Cinturão e Rota ficou sob pressão, já que muitas nações devedoras do mundo em desenvolvimento enfrentam problemas financeiros” (China as an International Lender of Last Resor“, Horn, Parks, Reinhart e Trebesch, Working Paper 31105, abril de 2023, NBER; também para o seguinte). Os credores estatais chineses reagiram à crise reduzindo novos fluxos de financiamento externo e negociando dezenas de reestruturações de dívidas. E os resgates financeiros aos países em dificuldades aumentaram.

Desde 2008, a China tem, por um lado, investido em uma rede de swaps1 com cerca de 40 bancos centrais (incluindo o da Argentina). Essa operação é apresentada como uma forma de aumentar o papel internacional do renminbi2. Para isso, o Banco Popular da China forneceu aos bancos centrais de outros países um total equivalente a US$ 170 bilhões. Se forem levados em conta outros credores – bancos estatais e empresas estatais – para bancos centrais e governos de países em atraso, mais de 20 países devedores receberam resgates, desde 2000, no valor de US$ 240 bilhões. Muitas nações que receberam essas trocas enfrentam problemas macroeconômicos e financeiros, têm reservas baixas e classificações de crédito ruins. Entre elas estão a Argentina, a Mongólia, o Sri Lanka, o Paquistão, o Egito e a Turquia.

Embora esteja longe de desempenhar o papel do FMI ou do Federal Reserve no sistema financeiro internacional, é fato que a China se tornou um credor de última instância para muitos países atrasados. Para vários deles, os empréstimos e as reestruturações de dívidas permitiram que continuassem a fazer os pagamentos de suas dívidas com a Iniciativa Cinturão e Rota. Mas a situação é frágil. De fato, as taxas de juros das linhas de swap concedidas pelo Banco Popular da China são mais altas do que as definidas pelo FMI ou as swaps concedidas pelo Federal Reserve: entre 200 e 400 pontos-base acima da Libor. Embora a expansão transfronteiriça do crédito chinês aumente a influência de Pequim na economia global, ela também pode ser uma fonte de dificuldades, novas crises ou tensões financeiras mais profundas na própria China.

Alemanha e zona do euro

O FMI prevê um crescimento da produção de 0,4% em 2024 e 0,8% em 2025. Ou seja, uma semiestagnação. O ponto central nesse quadro é a Alemanha. Seu PMI de manufatura está enfraquecendo: em julho foi de 43,2 (em junho havia sido de 43,5). O setor industrial representa um quinto da maior economia da Europa. Espera-se que a economia alemã cresça apenas 0,2% em 2024.

EUA

O relatório de desaceleração da criação de empregos em julho foi um gatilho de venda para os investidores. O PMI de Manufatura Global da S&P em julho foi de 49,6, contra 51,6 em junho. Trata-se de um dado “pessimista”. Entretanto, não está claro se isso é um sinal de recessão. Afinal de contas, no segundo trimestre de 2024, a produção industrial cresceu a uma taxa anualizada de 4,3%. A utilização da capacidade do setor em junho de 2024 foi de 78,8%, em linha com a média de 1972-2023 (79,7%). A taxa de desemprego é de 4,3%. Os rendimentos, em termos reais, estão acima do nível pré-pandêmico; e 16 milhões de novos empregos foram criados desde o final de 2020. Por enquanto – agosto de 2024 – não há evidências de que uma recessão (crescimento negativo ou zero) seja iminente nos EUA.

Em conclusão, as maiores tensões e possibilidades de crise, em nível global, estão centradas na China. Quanto aos efeitos da queda do mercado de ações, não há elementos para afirmar que estamos às vésperas de uma recessão global, muito menos que ela já tenha começado.

Notas

  1. Em finanças, swap (em português, ‘permuta’) é uma operação entre investidores em que há troca de posições quanto ao risco e à rentabilidade. ↩︎
  2. O renminbi, ou yuan chinês, é a unidade monetária deste país. ↩︎

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