Educação ou controle? Uma crítica ao modelo cívico-militar nas escolas de SP
Modelo adota práticas que assemelham escolas a instituições carcerárias, com forte ênfase em disciplina e vigilância. Essa estratégia reflete uma visão punitiva e securitária, que acredita que a solução para os problemas escolares está na imposição de um controle autoritário
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Recentemente, o desembargador Figueiredo Gonçalves, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a suspensão do programa de escolas cívico-militares implementado pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). A decisão, que permanecerá em vigor até que o Supremo Tribunal Federal julgue uma ação sobre o tema, foi tomada a pedido do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo, o Apeoesp. A entidade argumenta que a criação dessa modalidade de ensino é inconstitucional, pois não está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou em qualquer outra legislação federal.
O modelo cívico-militar adota práticas que assemelham as escolas a instituições carcerárias, com forte ênfase em disciplina e vigilância. Essa estratégia reflete uma visão punitiva e securitária, que acredita que a solução para os problemas escolares está na imposição de um controle autoritário. No entanto, ao invés de enfrentar as causas profundas dos problemas educacionais, como desigualdade social e falta de recursos, o projeto recorre a métodos que reforçam a conformidade e a obediência.
Freire e Foucault: Uma Visão Crítica da Educação
Paulo Freire oferece uma crítica contundente a modelos educativos que priorizam o controle sobre a emancipação. Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire critica o que ele chama de “educação bancária”, onde o ensino é visto como um depósito de informações, com alunos como recipientes passivos. Para Freire, uma educação libertadora deve fomentar o pensamento crítico e a autonomia dos alunos.
Um exemplo prático dessa visão é o trabalho de Freire com adultos analfabetos em regiões rurais do Brasil. Em suas experiências, Freire desenvolveu um método de ensino que não apenas buscava alfabetizar, mas também estimular a consciência crítica dos participantes sobre suas realidades sociais e políticas. Ele criou um ambiente de aprendizagem onde os alunos eram encorajados a questionar, discutir e refletir sobre suas próprias vidas e o mundo ao seu redor, promovendo uma educação que empoderava e transformava, ao invés de submeter.
Com relação à crítica ao modelo punitivo de educação representado pelas escolas cívico-militares, convém referenciar as reflexões de Michel Foucault sobre o papel das instituições na normatização dos indivíduos. Em “Vigiar e Punir”, Foucault discute como escolas, prisões e outras instituições funcionam como mecanismos de poder que moldam e disciplinam os corpos e as mentes. Ele mostra como esses espaços são projetados para controlar e vigiar, transformando a educação em uma ferramenta de submissão social.
No contexto das escolas cívico-militares, as ideias de Foucault revelam como a militarização da educação não apenas reforça uma estrutura de poder autoritário, mas também impõe uma lógica de controle que vai muito além da sala de aula. As práticas de vigilância, a hierarquia rígida e a ênfase na disciplina criam um ambiente em que os estudantes são treinados para a conformidade e a obediência, reduzindo as oportunidades para o desenvolvimento de uma consciência crítica e criativa. Esse modelo transforma a escola em uma extensão do aparato estatal de controle, onde a educação deixa de ser um meio de libertação e passa a ser um instrumento de dominação.
Conclusão
O contraste entre o modelo cívico-militar e a visão de Freire sobre uma educação libertadora é evidente. Enquanto Freire propõe uma educação que emancipa e promove a transformação social, o projeto paulista se alinha com uma lógica de controle e submissão. A impressão é clara: estamos retrocedendo, movendo-nos em direção a um sistema educacional que reprime a criatividade e o pensamento crítico, em vez de fomentar a autonomia e a liberdade.
Para que possamos avançar na construção de uma educação verdadeiramente emancipadora, é fundamental reavaliar e questionar essas políticas que, em vez de resolver problemas estruturais, acabam reforçando práticas que limitam o potencial humano. A verdadeira solução para os desafios educacionais passa pelo enfrentamento das desigualdades e pela promoção de uma educação que respeite e desenvolva a capacidade crítica e criativa dos alunos.