Fredric Jameson (1934-2024): a ousadia de pensar dialeticamente
images-29

Fredric Jameson (1934-2024): a ousadia de pensar dialeticamente

Uma homenagem ao teórico marxista recentemente falecido

Eduardo Carniel 24 set 2024, 10:42

Foto: Wikimedia Commons

A história é o que dói, é o que recusa o desejo, e impõe limites inexoráveis à práxis individual e coletiva.

“Historicize sempre!” É assim que começa O Inconsciente Político, um dos livros mais importantes do crítico cultural e teórico marxista Fredric Jameson, que faleceu esse domingo (22/09) aos 90 anos após uma carreira de enorme impacto no campo das humanidades. Sua extensa obra – que contou com mais de trinta livros e dezenas de artigos – era baseada nesse princípio: o desafio da construção do pensamento marxista na contemporaneidade passa por superar a nossa dificuldade de pensar historicamente. Em uma conjuntura em que ficou “mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” (outra de suas célebres frases), esse desafio parece cada vez mais árduo, ao mesmo tempo que urgente.

Seu trabalho teórico alcançou a maturidade nos anos 80 e 90, época em que os novos filósofos proclamavam o “fim da história”, e a vitória do neoliberalismo nos anunciava que, como disse Margaret Thatcher, “não existe alternativa” ao capitalismo. Nesse contexto, o marxismo foi visto como uma relíquia de museu, que serviria apenas para explicar sociedades anteriores à virada que representou a queda do Muro de Berlim. Esse foi o momento que Jameson caracterizou como “pós-moderno”.

O termo costuma ser agitado nos meios da esquerda, sem muita clareza do seu significado. Para o teórico, seu sentido era muito concreto: o pós-modernismo é, como diz o título do seu livro homônimo, a lógica do capitalismo tardio. Seguindo a definição do trotskista Ernest Mandel, Jameson enxergou o nosso período do capitalismo como aquele em que a lógica da mercadoria colonizou os últimos lugares que ainda não haviam se submetido à sua dinâmica – incluindo o lazer, a arte e o inconsciente. O momento pós-moderno, de acordo com ele, é o momento onde tudo se torna cultural: a política se torna uma fábrica de popstars; as pautas pelo reconhecimento se separam da luta contra a exploração; e a preocupação principal dos governos se torna a “comunicação”, já que as diretrizes econômicas serão sempre pautada pelo neoliberalismo, independente da cor partidária que ocupa o Estado. As disputas todas se tornam culturais porque o pressuposto delas – tudo é mercadoria, e ganha quem vale mais – já teria sido aceito sem maiores questionamentos até pelos anticapitalistas.

Mapear esse rebaixamento de horizontes é difícil sem aceitar a derrota. Contra esse ponto final, a arma de Fredric Jameson foi sempre a dialética. No árido e cientificista terreno da teoria norte-americana, o trabalho de Jameson foi responsável por trazer as “boas novas” da dialética, analisando rigorosamente as conjunturas para buscar nelas as contradições, por mais ocultas que estivessem. Seriam dessas contradições que poderia vir a mudança, e é para elas que o nosso olhar, como marxistas do século XXI, deveria estar orientado. Se a lógica do pós-modernismo é toda cultural, o campo de pesquisa de Jameson será, portanto, a cultura. E é nas suas análises de objetos culturais (que na contemporaneidade, vão desde os romances até os derivativos do sistema financeiro) que a persistência da dialética se mostra uma ferramenta poderosa.

Seus textos já foram acusados de serem difíceis, e o são mesmo para quem procura um mundo estável e sem transformações. Para todos aqueles que buscam apreender a realidade como ela é, repleta de contradições em movimento, suas descobertas são um presente. Passamos por um cenário diferente do final do século XX, e a crise alcançou múltiplas dimensões que demonstram a insustentabilidade do capitalismo. Porém, para muitos até no campo pretensamente revolucionário, a dificuldade de pensar historicamente está mais forte do que nunca. O presente eterno se afirma com muita força, e a distância de um horizonte de superação leva muitas direções à capitulação, e muitos lutadores ao cinismo. Que lembremos, então, dos versos de Brecht que resumem a atitude teórica de um crítico como Fredric Jameson: “Nada pode parecer natural/Nada pode parecer impossível de mudar”. E como nos disse o crítico, que lutemos para que essa desconexão da transformação histórica que sentimos na contemporaneidade não seja o fim da linha, mas sim o ponto de partida do futuro:

Talvez somente o reconhecimento dessa incomensurabilidade radical, entre a existência humana e a dinâmica coletiva da história e da produção, seja capaz de gerar novos tipos de atitudes políticas; novos tipos de percepção política, bem como de paciência política; e também novos métodos para decodificar a época e ler os tremores imperceptíveis de um futuro inconcebível.

Fredric Jameson, presente!


TV Movimento

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.

Desenvolvimento Econômico e Preservação Ambiental: uma luta antineoliberal e anticapitalista

Assista à Aula 02 do curso do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento. Acompanhe nosso site para conferir a programação completa do curso: https://flcmf.org.br.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 17 set 2024

O Brasil está queimando

As queimadas e poluição do ar em todo país demonstram a insuficiência das medidas governamentais e exigem mobilização popular pela emergência climática
O Brasil está queimando
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 53
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade