Uma economia que cresce demais?
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Uma economia que cresce demais?

Os significados do crescimento do PIB e algumas de suas consequências

Pedro Micussi 5 set 2024, 08:00

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os dados divulgados pelo IBGE na última terça-feira sobre a economia brasileira no segundo trimestre apontaram para um crescimento do PIB maior do que o projetado pelas instituições financeiras que atuam no país. Em relação ao primeiro trimestre de 2024, o PIB brasileiro cresceu 1,4%, enquanto os analistas esperavam uma alta de 0,9% no período. Se contarmos os últimos quatro trimestres, o PIB brasileiro cresceu 2,5%, e as previsões de crescimento para este ano de 2024 estão sendo revisadas para cima, algo perto de 3%. Se isso ocorrer, ao fim do ano, o país poderá, enfim, ter uma renda per capita maior do que aquela de 2013, o que significaria que nós brasileiros, enfim, retomaríamos o nível de renda que tínhamos onze anos atrás. Entretanto, na visão de muitos analistas e, pasmem, do próprio governo, a economia está crescendo demais.

Sobre qualidade e quantidade

O aumento do PIB de um país significa que ele está produzindo mais bens ou serviços do que no período anterior. Ele é resultado de pesquisas empíricas que o IBGE faz junto às empresas para contabilizar a atividade econômica. Uma vez publicados, os dados do PIB podem ser analisados sob três óticas diferentes. A ótica da demanda (que é o mesmo que analisar os setores que demandaram, ou compraram, se quisermos, os bens e serviços produzidos), a ótica da oferta (que equivale a analisar quais setores produziram esses bens e serviços), e a ótica das rendas (que nos diz, grosso modo, para onde se destinou o dinheiro gerado nessas transações — como, por exemplo, lucros ou salários).

Como se pode deduzir, por definição, todas as três óticas se equivalem. Isto é, um crescimento de 1,4% no PIB em um período significa um crescimento da demanda de 1,4%, da oferta de 1,4%, e da renda de 1,4%. Analisar cada uma das óticas nos permite tentar compreender a dinâmica da economia, para onde ela está caminhando, e quais os efeitos do crescimento para a população. Por isso que, mais importante do que simplesmente analisar o número do crescimento do PIB, que é uma informação um tanto vaga, cabe entender o que ele está sinalizando.

Por exemplo, no ano passado, o PIB brasileiro cresceu 2,9%. Ocorre que, sob a ótica da oferta, a agropecuária cresceu muito mais do que os outros componentes (15,1%, ante 1,6% da indústria e 2,4% dos serviços), o que indica que grande parte dessa alta se deveu à contribuição da agricultura e pecuária à economia do país. Entretanto, como a agropecuária é um setor que emprega, em média, pouca gente (apenas 7% da força de trabalho) um crescimento vigoroso desse setor é menos sentido para o conjunto da população. Essa poderia ser uma das explicações, por exemplo, para o fato de, apesar do alto crescimento da PIB, pesquisas de opinião mostrarem grande insatisfação da população com os rumos da economia nacional.

Em relação aos resultados do segundo trimestre deste ano, podemos dizer que tivemos algumas boas notícias. Isso porque a indústria foi o principal componente do crescimento (1,8%), seguindo pelos serviços (1%), e agropecuária (que, neste trimestre, contribui negativamente ao produto em -2,3%). Trata-se de boa notícia não apenas porque a indústria, se comparada à agropecuária, é setor que emprega mais pessoas, mas porque também ela possui maior capacidade de sustentar o crescimento da economia ao longo do tempo.

De fato, se analisarmos o PIB pela ótica da demanda, vemos que o investimento cresceu muito acima da média (2,1%), o que indica que o crescimento da indústria, em grande parte, se deveu ao aumento do investimento da economia como um todo. Suscintamente, empresas demandaram pela aquisição e construção de mais máquinas, equipamentos e prédios (investimento), e isso foi respondido em parte pela indústria brasileira que cresceu (a indústria de construção civil cresceu 3,5% e a de transformação 1,8%), e, provavelmente, em parte pelas importações de alguns desses bens que não produzimos internamente (as importações em geral tiveram alta não desprezível de 7,6%).

O aumento do investimento é bom sinal pois indica melhor capacidade da economia brasileira manter índices de crescimento no futuro, já que ele significa um aumento da capacidade produtiva do país. Entretanto, vale lembrar que, embora tenha crescido no último trimestre, a taxa de investimento do Brasil ainda está em um patamar historicamente baixo. A efeito de comparação, ela é apenas 16,8% hoje, enquanto em 2013, pico do PIB per capita, ela era de 21%. Isso quer dizer que seria fundamental que ela cresça proporcionalmente mais do que o PIB em vários trimestres seguidos para que de fato possamos ficar satisfeitos com o resultado. Podemos esperar que isso irá ocorrer daqui para frente?

Uma economia que cresce demais?

Economia crescendo mais que o esperado, investimento em alta. Vinte e dois anos após o penta, enfim uma notícia a ser comemorada por todo o país? Não exatamente. O leitor pode ter percebido que, curiosamente, boa parte dos analistas que povoam a grande imprensa adotou tom cauteloso a respeito dos dados do IBGE. Muitos deles pareciam quase lamentar o resultado do PIB. Na sua visão, a economia brasileira está crescendo acima do seu potencial, o que pressionaria um aumento da inflação. Argumentam, portanto, que os dados de crescimento divulgados pelo IBGE deveriam servir argumento para que o Banco Central inicie um ciclo de alto das taxas de juros para… diminuir o crescimento da economia!

Vejamos o que defendeu Mariana Rossi, economista-chefe da Ventor Investimentos: “Do ponto de vista do Banco Central, é preocupante essa economia que não desacelera. Não tem muito como evitar um ciclo de alta [dos juros]”. Segundo ela: “Mesmo que a Nairu [acrônimo em inglês para a taxa de desemprego que não acelera a inflação, ou taxa natural] seja mais baixa hoje do que já foi, não está nesse nível de desemprego que estamos atualmente. O desequilíbrio está claro.” A taxa de desemprego, portanto, está mais alta do que a suposta “taxa natural”. Já o economista José Souza Jr., da Leme Consultores, em artigo para o mesmo jornal, afirmou: “A queda significativa da taxa de desemprego para a mínima histórica desde o início da série do IBGE em 2012, e o aumento do nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação para o nível mais alto desde 2014, sugerem um cenário em que o PIB está crescendo a taxas superiores ao produto potencial”, o expert então conclui: “Em resumo, o Brasil tem experimentado um crescimento acima do potencial nos últimos anos”.

Na cabeça dos economistas do mercado, a taxa de desemprego no Brasil, que hoje está em 6,9%, está baixa demais. Traduzindo suas falas para bom português, isso quer dizer que eles entendem que há pessoas desempregadas de menos no país, e que o Banco Central deve atuar, aumentando a taxa de juros, para aumentar esse contingente, que hoje está em 7,5 milhões de pessoas. E isso, devemos lembrar, sem contar, os desalentados, que são hoje 3,3 milhões de pessoas, e desconsiderando o conjunto de trabalhadores subutilizados (de trabalhadores que simplesmente não trabalham ou trabalham menos do que gostariam), que nos levaria para uma taxa de 16,4%, ao invés de 6,8%.

Ocorre que as duas variáveis que trabalham os experts, tanto a de produto potencial, como a taxa natural de desemprego são variáveis não observáveis. Isso quer dizer que elas são construções teóricas das cabeças de alguns economistas que não são aferíveis empiricamente. Boa parte dos economistas, inclusive, entendem que elas simplesmente não existem.

Certo, mas, afinal, não seria propriamente da Faria Lima que esperaríamos compromisso com o bem-estar dos brasileiros. Se sete milhões e quinhentos mil desempregados e três milhões e trezes desalentados no Brasil é pouco, na visão dos especialistas do mercado financeiro, felizmente, em compensação, temos um governo federal que, este sim, está cuidando de sua população! Mais uma vez, também não exatamente.

Ainda que seja importante reconhecer que, provavelmente, boa parte do crescimento que observamos hoje se deva ao aumento dos gastos públicos que vem sendo realizados nos últimos anos, como aqueles da PEC da Transição, o Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Haddad, como sublinhou o economista do PSOL David Decacche, compartilha da visão de que, se crescer mais do que 2,5% ao ano, como indicam as projeções após o resultado deste trimestre, o PIB brasileiro estará acima do potencial. É, afinal, justamente a partir dessa suposição que o governo propôs o teto de gastos de 2,5% na regra do arcabouço fiscal por ele criada. Isso quer dizer que qualquer crescimento acima de 2,5% é insustentável, na visão do governo. Obviamente, não será sua equipe econômica a verbalizar isso abertamente neste momento de alta do PIB, algo que sua base social depende, mas é precisamente o que está implícito na regra fiscal proposta e defendida a unhas e dentes pelo governo.

Não seria demais supor que podemos esperar, portanto, um movimento vindo do próprio governo, o que o colocaria em perfeita consonância com os experts do mercado financeiro, em defesa de um novo ciclo de aumento da Selic, a taxa básica de juros. As últimas falas Gabriel Galípolo (“a partir do cenário que nós temos hoje, a alta de juros está na mesa, sim”), recém indicado à presidência do BC, e do próprio presidente da República (“Se Galípolo disser que tem que aumentar os juros, ótimo”), avalizando possíveis aumentos futuros da Selic por seu “menino de ouro” no Banco Central, podem indicar o que está por vir.


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