Argentina: Um novo tempo político
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Argentina: Um novo tempo político

A nova situação política argentina sob o governo de extrema direita de Javier Milei

Eduardo Lucita 16 out 2024, 10:27

O cenário internacional mostra um forte “risco geopolítico” devido a guerras que ameaçam se expandir, a ascensão das direitas extremas e sociedades quase divididas ao meio, com sérios riscos de confrontos internos, e a situação na Nossa América. Com governos como o de Milei em nosso país, de Bukele em El Salvador e de Noboa no Equador. Além disso, a situação na Venezuela abriu um debate em toda a região, que agora está mais fragmentada.

Nesse contexto, o presidente Milei discursou na Assembleia Geral das Nações Unidas, após o “show” do sino em Wall Street e sua reunião com altos empresários. Ele acusou a ONU de ser uma instituição que apenas serve para estimular ideias socializantes, enquanto reiterou seu negacionismo ambiental e sua visão retrógrada sobre os progressismos. Rejeitou o “Pacto para o Futuro” e decidiu não aderir à Agenda 2045. Ratificou sua não neutralidade e seu alinhamento incondicional com os EUA e Israel. Uma verdadeira mudança de rumo para o país.

Se algo ficou claro em sua intervenção na Assembleia Geral é que ele não falava aos presidentes ali reunidos, mas aos poderosos. Àquele 1% que concentra a riqueza do mundo, às grandes corporações, buscando demonstrar que, ideologicamente, é um deles. Que a Argentina, sob sua presidência, quer desempenhar o papel de máximo defensor e porta-voz do programa do grande capital internacional e da constituição de uma instância supranacional, acima da soberania dos Estados-nação.

Esse posicionamento internacional, juntamente com suas convicções sobre os postulados da Escola Austríaca, define a orientação das políticas oficialistas em nosso país, e pelas quais o presidente Milei se vê e se apresenta como o fundador de uma nova etapa histórica na política local.

Este novo tempo mundial tem se acelerado de forma vertiginosa em nosso país, desde a aprovação da Lei de Bases e o pacote fiscal. A temporalidade da crise abriu um período de urgências. As do governo (avançar em seu programa o mais rápido possível) e as do povo trabalhador (frear a barbárie social em curso). O tempo joga para os dois lados. Tudo se desenvolve em um contexto de macroeconomia que, em termos neoliberais, vai se “ordenando”, ainda que com inconsistências e contradições, e de uma microeconomia que, entregue pelo presidente aos empresários, não decola. O custo de organizar a macro se reflete nos dramáticos índices de pobreza e indigência, e no temor pela perda de empregos.

Até alguns meses atrás, dizia-se que o governo era mais questionado “por cima” do que “por baixo”. Agora, o “de cima” parece estar mais calmo. As pressões empresariais, de diversos economistas liberais e da CGT se atenuaram, o FMI observa com atenção, aperta, mas não sufoca. Por enquanto, não há disputas intercapitalistas abertas. Apenas se mantêm as disputas e tensões internas no governo e na La Libertad Avanza (LLA), e entre esta e o PRO, que está escalando em intensidade. Disputas que não alteram significativamente o curso geral.

No “de baixo”, a conflitividade está em expansão, embora não se possa considerar uma onda de lutas. Há conflitos, mobilizações e debates por múltiplas razões e objetivos em todo o país, sem que se consiga unificá-los ou avançar na superação da fragmentação (já seria estrutural?) e dar-lhes uma perspectiva comum. Também não se vislumbram projetos políticos amplos que rompam com o neoliberalismo e abram caminhos para transformações mais profundas. No entanto, o conflito pelo financiamento universitário, e talvez também o do setor aeronáutico, agora somado ao da Saúde, podem ser casos emblemáticos que abram um novo tempo político.

Aguardam-se decisões dos sindicatos dos transportes sobre a possibilidade de uma greve geral do setor no dia 30 deste mês, o que seria uma demonstração de solidariedade que ampliaria o espaço do conflito. Em relação à recente marcha federal em defesa da universidade pública, foi massiva em todo o país, com mudanças quantitativas e, sobretudo, qualitativas, quanto à sua composição e objetivos mais políticos. Essa massividade pressionava para que o parlamento finalmente derrubasse o veto presidencial e mantivesse a lei em vigor. Isso não aconteceu. Pelo contrário, o governo conseguiu blindar o veto, mas foi uma vitória pírrica: venceu no parlamento, mas está perdendo nas ruas.

Com a imposição do veto, o movimento estudantil, que estava muito quieto há tempos, explodiu espontaneamente. Estudantes, docentes e trabalhadores não docentes se autoconvocaram e declararam estado de assembleia permanente, onde as decisões são tomadas coletivamente sobre os próximos passos. Faculdades foram ocupadas (cerca de 60 em 29 universidades de todo o país até o momento de redigir este artigo), aulas públicas são realizadas, ruas e avenidas são bloqueadas. É um movimento federal de grande extensão nacional, que recupera velhas tradições do movimento estudantil, que desempenhou papéis destacados em vários momentos de nossa história (Reforma Universitária de 1918, Cordobazo 1969).

Todos entendem claramente que não se trata apenas de um problema de financiamento, a soma solicitada é mínima em termos de PIB, mas sim de uma luta político-ideológica pelo destino da cultura geral do país e seu horizonte futuro. Também têm consciência de que pode ser uma luta longa, já que o governo não tem espaço para recuar. O desfecho desse conflito, e se ele poderá estimular lutas em outros setores, especialmente no movimento operário, pode determinar como continuará a luta de classes no país e o próprio destino do governo Milei.

Enquanto isso, entramos no último trimestre do ano sem sinais significativos de superação da fase depressiva do ciclo. A taxa de juros finalmente romperá o piso de 3%, como o governo espera para outubro? O fluxo de dólares, resultado de uma série de medidas, incluindo a anistia fiscal, finalmente melhorará o nível de reservas? O levantamento dos controles cambiais trará, enfim, os investimentos esperados? Tudo está por se ver.

As velhas perguntas continuam válidas: Como intervir na crise, sem que isso se limite apenas a apoiar e incentivar as lutas? Como expressar o objetivo comum que faça convergir todas as lutas? Como fazer com que os protagonistas percebam que os fatos que protagonizam vão além do objetivo imediato? Como elevar o nível político dos protagonistas e de suas lutas?

E o humor social? Até quando se suportará essa barbárie que parece não ter fim? O movimento estudantil em curso pode ser determinante. Aqui também, tudo está por se ver.


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