Em São Caetano, a esquerda mostrou que é possível renascer!
Um balanço dos recentes resultados eleitorais na cidade do ABC paulista
Este texto apresenta uma breve contribuição sobre as eleições municipais de São Caetano do Sul a partir de um olhar de esquerda, marxista e com objetivo de olhar e avaliar nossas forças para seguir no enfrentamento contra a extrema-direita e para construir um projeto de transformação radical da nossa cidade e do nosso país.
1. As eleições municipais no Brasil
Como apontamos no balanço eleitoral da Executiva Nacional do MES-PSOL, as eleições municipais foram marcadas pelas seguintes tendências:
a) Tendência favorável às reeleições;
b) Vitória do Centrão (PSD e MDB, sobretudo);
c) Bolsonarismo aquém do projetado;
d) Eleição apática e sem mobilização social;
e) Derrota do PT;
f) As derrotas da esquerda abrem a necessidade de uma ampla reflexão sobre os caminhos.
Esse cenário, evidentemente, também se replicou na cidade em que houve uma forte tendência continuista. Além disso, a própria dinâmica da derrota do PT e de uma linha de moderação e apatia pelo lado da esquerda, simbolizado pela campanha Boulos em São Paulo, não fez o que a maioria da esquerda esperava, inclusive nós, uma onda Boulos 50 que transbordasse para a região metropolitana ainda no 1º turno.
2. Uma guinada à direita do coronelismo.
São Caetano sempre foi governado pelo mesmo grupo coronelista que faz da Prefeitura um negócio de família. Porém, isso não quer dizer que a vitória de Tite não traga mudanças de qualidade no futuro governo. Se, por um lado, a linha neoliberal de privatização dos serviços públicos e relação umbilical com o capital imobiliário deve seguir intacta, por outro, a eleição de um prefeito do PL e abertamente contra a luta feminista adianta um governo mais conservador. A agitação bolsonarista contra uma palestra do SerTrans no Alcina são exemplos do que esta por vir.
Digno de nota também é a crise no projeto de “oposição de direita” liderada por Palacio com uma redução expressiva de votos e no número de cadeiras na Câmara, mesmo com uma aliança com o ex-candidato Mario Bohm (Novo), o que de alguma maneira está vinculado com o próprio reconhecimento do PSOL como oposição real. Mais ainda, A Câmara de São Caetano, assim como diversas Brasil a fora, tiveram uma tendência continuísta, com a manutenção da maioria dos vereadores que já estavam eleitos e as poucas “”novidades”” vinculadas ao campo conservador. Neste sentido, é tarefa do PSOL manter nosso projeto de oposição radical ao governo, aprofundando os combates na Câmara, nos Conselhos (ainda que com espaços reduzidos de participação popular) e nas ruas.
3. E a esquerda? Um passo a frente!
A vitória do Tite, é certamente, a tendência principal da eleição. Tite, como coloamos, tem um projeto conservador, neoliberal e que foi eleito em uma tática eleitoral de se esquivar de compromissos públicos, dependendo apenas da força da máquina, por isso, sequer foi ao debate entre prefeituraveis e apenas a poucas sabatinas. Porém, como a realidade é complexa e carrega em si sempre tendências e contra tendências, o PSOL foi certamente uma dessas contradições por conseguir cravar uma “porém” no projeto da extrema-direita.
A nossa vitória não foi pequena, nós não apenas reelegemos o nosso mandato, mesmo após anos de ataques coordenados da Prefeitura e dos setores conservadores,as também fizemos Bruna e Mulheres por + Direitos a candidatura mais votada da cidade com 5848 votos. Número que representou um crescimento de 278%, sendo as mais votadas em 14 dos 15 bairros da cidade e puxando o PSOL para um crescimento de X% em 4 anos que abriu a possibilidade, não consolidada, de ampliação da bancada. Porém, essa vitória escapa a frieza dos números, a votação de Bruna Mulheres por + Direitos tem um forte elemento político, afinal, desbancaram figurões tradicionais da política inflados pelo poder da maquina da Prefeitura como Gilberto Costa e Pio Mielo.
Além disso, foram as mulheres mais votadas da história da cidade, a candidatura de esquerda mais votada da história de São Caetano e a 2ª mais votada da história por uma diferença mínima de menos de 50 votos. Ou seja, é um resultado que mostra que a cidade não é formada apenas pelos setores conservadores, mas tem um novo e amplo setor que deseja mudanças, que confia numa política de esquerda radical, e que deu um contra golpe nos coronéis. Bruna Mulheres por + Direitos fizeram um mandato que foi reconduzido, não por se adaptar ao regime ou parecerem moderadas (como parte considerável da esquerda aposta) em uma cidade em que o peso do coronelismo é relevante, mas sim, por apostarem na mobilização popular e não recuar em suas posições em momentos chave, como: a luta contra as homenagens a Samuel Klein, em defesa dos moradores do Di Thieni, pela vacinação, as medidas de isolamento social e contra o governo negacionista de Bolsonaro, contra o aumento de salário do prefeito, secretários e vereadores, contra o genocídio de Israel sobre o povo palestino, contra a privatização da educação infantil, contra as mudanças na Lei de Zoneamento que servem à especulação imobiliária, na denúncia de diversos casos de corrupção do governo Auricchio e na luta por uma Tarifa Zero com uma empresa pública de ônibus.
O tema da forma também não é menor, em uma eleição marcada pela apatia e pelo peso da máquina, a linha da campanha foi marcada pelo chamado a mobilização, por uma campanha militante que convidada o ativismo a se somar e a definir os rumos da cidade com elas.
Essa foi a principal vitória da esquerda nessas eleições, reconduzir um mandato feminista, que é um símbolo de renovação política e dar um recado para os coronéis: os próximos 4 anos serão de enfrentamento ainda maior! Mas um enfrentamento em que estaremos melhor preparados, afinal, se a Câmara seguiu com sua mesmice, nossas ideias ganharam terreno e força na sociedade, porque teremos porta vozes que falam agora na escala de dezenas de milhares de pessoas e que tem como orientação estratégica colocar o povo em movimento.
4. Qual esquerda para São Caetano?
O debate pré-eleitoral no campo da esquerda e da centro-esquerda foi centrado no tema da unidade. Sintoma disso é que em todo o ABCDMRR, São Caetano do Sul foi a única cidade que o PSOL teve candidatura própria. Nós do MES e da direção do PSOL estávamos abertos, desde o início, na possibilidadede unidade e abrimos diálogo com a Federação PT-PcdoB-PV. Porém, para nós, a unidade eleitoral não é mera soma matemática e estava diretamente vinculada a dois elementos:
1. Ao programa. Um programa de esquerda. A cidade tinha que ser construído com ampla participação do ativismo e que fosse radical para ir à raiz do modo de funcionamento do coronelismo político, bolsonarista e neoliberal da cidade.
2. A formação de uma chapa PSOL-PT com a indicação, posterior, do nome do Professor Rafinha para Prefeito.
No primeiro elemento, colocamos de pé o Se São Caetano Fosse nossa, plataforma democrática construída em 9 encontros abertos com o ativismo da cidade, a militância do PSOL e suas candidaturas. Foi esse programa, resultado do acúmulo da vanguarda social da cidade e não apenas da cabeça de “iluminados”, que foi apresentado na campanha pelo Professor Rafinha. Essas duas condicionantes se baseavam numa análise de que havia e há espaço para uma nova esquerda na cidade que seja radical, que não reduza o seu programa , que seja impulsionada pela juventude, pelas mulheres, pela negritude, pelas LGBTs e, ao mesmo tempo, conectada com os setores populares.
A unidade não foi possível porque, por outro lado, o PT apostava na tática de figuras tradicionais da esquerda da cidade e na transferência de votos do Lula. Nós apostamos nessa hipótese de radicalização/renovação, hipótese que era combatida pela direção petista e vista com desconfiança por setores do próprio PSOL. Apesar disso, construímos a chapa Professor Rafinha e Vivi, dois trabalhadores da cidade e estreantes na tarefa eleitoral que juntos conquistaram 8101 o melhor resultado da esquerda e da centro-esquerda em 16 anos e a maior votação da história do PSOL na cidade.
5. E para que serviu esse resultado?
Um olhar marxista para o proceso eleitoral precisa olhar para além do resultado prático e, ainda que ele tenha sido o melhor em mais de 1 década, a disputa trás em si uma vitória política. Nossa linha política e afinco fez surgir duas novas figuras de massas para a esquerda na cidade:
Rafinha e Vivi e, em particular, o Professor Rafinha que tem condições de ser uma voz em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade não só do Alcina mas em escala ampliada. Além disso, a campanha armou um amplo setor social para os próximos processos de enfrentamento com o governo Tite. Isso porque, enquanto Meneghelli optou por uma via gerencialista de campanha, de como se poderia governar melhor em parceria com o governo federal e pouco falou de mudar a lógica de funcionamento da cidade, a campanha do Professor Rafinha e Vivi apontaram as grandes batalhas que teremos no próximo período: contra a privatização da saúde e da educação pelas OS’s, contra a especulação imobiliária e em defesa da moradia popular, contra a lógica coronelista e do “favor” de ocupação dos cargos públicos em São Caetano, de uma profunda transição ecológica para enfrentar às mudanças climáticas e tantas outras bandeiras que foram construídas no Se São Caetano Fosse Nossa.
Além disso, apoiados na candidatura do Professor Rafinha e Vivi, o PSOL colocou na arena eleitoral um conjunto de novos ativistas do feminismo, da negritude, da cultura, LGBTs, da educação, dos territórios e etc. Agora, é uma tarefa do conjunto do partido, a partir da nossa direção, transformar essa iniciativa eleitoral em força política na sociedade, atuando para que esse ativismo siga empenhado nas lutas da cidade e contra a extrema-direita.
6. A hora de dobrarmos a aposta!
A elite política de São Caetano deu uma evidente guinada a extrema-direita com a eleição de Tite, por outro lado, como apontamos, o PSOL saiu melhor localizado em São Caetano. Por isso, precisamos dobrar a aposta e preparar o conjunto da militância e fo ativismo para a luta política que será enfrentar o governo Tite. Por isso, é preciso transformarmos nossa força eleitoral de crescimento do PSOL na cidade em força orgânica de mobilização social e de trabalho de base. Neste sentido, teremos uma porta voz na Câmara fortalecida para defender nossas ideias e apresentar uma alternativa de poder para a cidade e que já deram o exemplo nas duas batalhas pós eleitoral:
- a luta em defesa do Alcina/contra a lgbtqiafobia da extrema-direita com mobilizações na Câmara
- A luta em defesa dos camelos da Estação, que estão sendo expulsos pela Prefeitura com seu projeto de privatização do espaco. Luta que ja se corporificou em um abaixo-assinado com centenas de assinaturas e uma relação de confiança com a categoria.
São dois exemplos que mostram como é possível construir uma síntese, ainda incompleta e incial evidentemente, de uma esquerda de massas e que, ao mesmo tempo, defenda as lutas por direitos dos setores oprimidos e também a luta em defesa dos trabalhadores explorados pelo capital. É nisso que seguimos apostando, na organização da nossa classe por um novo mundo, um mundo socialista.