Violência política de gênero para além dos muros do Parlamento
Violência política de gênero

Violência política de gênero para além dos muros do Parlamento

Apesar de haver um avanço legislativo significativo, a violência política de gênero permeia outras esferas de violência, que por vezes não possuem legislação específica para mulheres que atuam dentro dos partidos e coletivos

8 nov 2024, 09:42

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Desde o ano de 2021, a violência política de gênero é tipificada como crime, segundo a Lei 14.192 de 2021. Tal lei visa impedir a restrição de direitos políticos das mulheres, sejam elas candidatas, sejam elas políticas eleitas.

Identificada como toda a ação que visa afastar mulheres do espaço de poder e de decisão, a violência mencionada pode ser evidenciada nas armadilhas psicológicas, nas ameaças físicas, no compartilhamento de informações falsas, na explícita subestimação da capacidade de trabalho, em especial do desempenho político das mulheres.

Destacamos que, apesar de haver um avanço legislativo significativo, a violência política de gênero permeia outras esferas de violência, que por vezes não possuem legislação específica para mulheres que atuam dentro dos partidos e coletivos. Nesse sentido, optamos no texto em tela, denunciar alguns dos seus desdobramentos característicos da misoginia e da violência patriarcal. Ainda que nosso foco seja a sua materialização no campo das disputas políticas, há de se considerar que essas opressões estão em um âmbito social, assim a violência política de gênero é apenas uma camada do guarda-chuva, este que abarca inúmeras formas de brutalidade contra as mulheres.

Como foi mencionado anteriormente, a violência política de gênero não contempla somente as nossas parlamentares, ela nem mesmo é exclusiva da direita, em especial da direita protofascista. Falas sobre condições físicas e estéticas femininas, invenções ou exposições de relacionamentos afetivos e ou sexuais de qualquer tempo visam minimizar a capacidade de pensamento político, além de constranger uma devolutiva frente a constantes insistências e investidas (assédios). Isso faz parte das falas e ações sistemáticas que buscam a manipulação, a desmoralização e a negação da relevância das mulheres, em especial das mulheres que corajosamente disputam espaços de poder.

As microviolências, formas menos visíveis, mas igualmente desestabilizadoras, também desempenham um papel fundamental na perpetuação da violência política de gênero. Essas práticas sutis, muitas vezes naturalizadas, vão desde horários de reuniões, que inviabilizam a

participação de mulheres que são mães, até espaços informais, como “reuniões no bar”, onde acordos e consensos são firmados antes ou depois dos encontros oficiais. Tais práticas acabam excluindo muitas mulheres e reforçam um ambiente no qual decisões políticas importantes acontecem longe de locais que possam ser contestadas ou enriquecidas pela diversidade de vozes. Esse tipo de comportamento limita a plena participação das mulheres e desconsidera as necessidades de quem, além de militante, cumpre com tarefas de cuidado e reprodução social, revelando que a estrutura política ainda reproduz e reafirma a subalternização feminina.

Esse movimento não é recente, a própria experiência soviética stalinista obliterou suas revolucionárias, mulheres aviadoras, atiradoras de elite, tradutoras até as comissárias. Mulheres que em raras menções foram evidenciadas somente pelos seus primeiros nomes ou como a “companheiras” de algum militante.

Apontamos que no parlamento, nas ruas, nas redes, nos grupos de WhatsApp, é gritante a condição desigual que nós mulheres cis e trans da classe trabalhadora ocupamos e recebemos, em especial as mulheres negras e periféricas.

Destacamos que a vida não é um filme da sessão da tarde, em que o arquétipo da malvadeza se arrepende, morre ou some no final. Na vida real, em especial na política, que disputamos cotidianamente, ele permanece inabalável no espaço de poder, confortavelmente, assegurado por alguns militantes que consideram que as mulheres, ainda que ótimas militantes, não podem e não devem questionar as relações de poder, quiçá questionar a essência da organização em que atuam.

Tal lógica perversa, que aproxima e descarta companheiras, evidencia ser preciso garantir que mulheres denunciantes de seus camaradas ou organizações não sejam revitimizadas, desmoralizadas ou tampouco evitadas, por serem, por exemplo, julgadas como “perigosas ou “não confiáveis” ao denunciarem as ações violentas por que passam. Não podemos normalizar o esvaziamento da luta de classes aos programas eleitorais, como um discurso que só serve para sustentar sujeitos que, na prática, envergonham históricos campos e correntes políticas.

A própria construção revolucionária demanda a não subalternização das mulheres, assim como demanda para as estruturas contra-hegemônicas uma prática dialética de formação, acompanhamento e organização.

Defendido por Lenin, nas ruas e posteriormente no Kremlin, o centralismo democrático não se configurava como uma prática verticalizada excludente. Pelo contrário, o teórico revolucionário entendia que a participação política feminina deveria ter sido destaque na II Internacional Comunista e ser muito além do que somente substrato da Luta de Classes. Para o teórico, o Estado de transição socialista só teria êxito se os velhos sentimentos e velhas ideias ruíssem, isto é, que novas premissas ideológicas varressem também as amarras das mulheres.

A história contemporânea e a luta de classes colocam na ordem do dia a aniquilação do obscurecimento político relacionado à “moralidade patriarcal” e à revisão da identificação das premissas revolucionárias que pretendemos defender. É preciso que correntes, partidos e movimentos de esquerda tenham clareza que suas militantes não estão dispostas a sujeição ou a retaliações. Não aceitaremos como natural a impossibilidade de mudança, assim como não aceitaremos o apagamento das nossas contribuições ao final das campanhas eleitorais. Entendemos que a eleição burguesa não é o fim, mas um dos meios de desvelarmos os nossos grilhões e um dos meios de furarmos as bolhas de acesso aos trabalhadores e em especial às trabalhadoras mais precarizadas, à essência e às transformações que sustentam e espraiam a sociabilidade capitalista.

Se por um lado o modus operandi do capitalismo mói e descarta trabalhadores, por outro as alternativas revolucionárias precisam estar atentas às diferentes formas de violências que suas militantes podem receber e reproduzir.

É importante nos atentarmos que a emancipação das classes só será possível com a participação e a organização das mulheres e que, para isso ocorrer, é preciso romper com a ideia errônea de competitividade quando estas externalizam suas insatisfações.

Diante do exposto, evidenciamos que a revolução será feminista, ou não será. Se a luta por uma dinâmica pretensamente transformadora não tratar de entender e desconstruir as diversas camadas de violência

patriarcal, tal dinâmica não culminará no fim da sociedade de classes. Isso porque já é sabido que a perspectiva de dominação patriarcal, europeia e colonialista (fundante do modelo de desenvolvimento capitalista vigente) é a principal responsável pelos grandes problemas sociais e ambientais enfrentados em escala global, pela forma predatória que explora os recursos naturais e as pessoas. De tal modo, não se pode prescindir da contribuição das mulheres, cis ou trans, bem como de outras minorias de gênero, sociais e étnicas.

Se não estivermos seguras em nossos coletivos, não estaremos em lugar nenhum. Entendemos que, se por um lado a direita nos extermina, por outro, a militância dita de esquerda precisa nos respeitar em nossa inteireza, especialmente quando não concordamos com o posto.

A disputa de programas não pode ser vista como “coleguismos ou antagonismo”, isso não é dialético. Precisamos despersonificar os debates para garantir o avanço junto à classe trabalhadora e, principalmente, para garantir uma crescente presença das e dos camaradas na construção e na abertura de diversos espaços de luta.

Precisamos avançar, mas sem esquecermos das premissas teóricas e revolucionárias que nos sustentaram até aqui, caso contrário não é avanço, é retrocesso.

Bruna Louise de Oliveira Azevedo

Caroline Camargo Borba

Georgia Paula Martins Faust

Lariani Acevedo

Samara Morais

Simoni Rosa Ramos

Mariana Perez Bastos

Valéria Prazeres dos Santos

Vanessa Brasil


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Pedro Micussi