Dívida ecológica e climática: quem é responsável?
Photo : Paul Kagame, World Economic Forum, 2015, CC, Flickr, https://www.flickr.com/photos/paulkagame/23421597713

Dívida ecológica e climática: quem é responsável?

Parte 1 de Para ter sucesso na grande virada: Reconhecer a dívida ecológica

Éric Toussaint e Maxime Perriot 16 jan 2025, 13:31

Publicado pelo CATDM. Tradução: Alain Geffrouais.

Os conceitos de dívida climática e dívida ecológica são fundamentais para o sucesso da virada ecológica. A dívida ecológica dos Estados – especialmente os mais ricos e das maiores empresas – do Norte com as populações do Sul Global deve ser reconhecida. Esse reconhecimento deve assumir a forma de cancelamento da dívida dos países do Sul global e de reparações pagas pelos Estados do Norte. Esses últimos devem fazer com que os países mais ricos contribuam e assumam a responsabilidade pela desregulação climática e pelas ações necessárias e urgentes para limitar ao máximo suas consequências e seu agravamento [1]

Quem é o responsável?

No decorrer de um processo judiciário, a pessoa responsável por um delito ou crime geralmente é condenada a pagar “indenizações”. Ela deve pagar reparações, por assim dizer, compensar as consequências de um ato que não pode ser desfeito.

Os países do Norte – principalmente os mais ricos e as maiores empresas- cometeram vários crimes. No Norte, eles transformaram a força de trabalho em um longo processo que se estendeu por vários séculos e culminou na Revolução Industrial. Entre os séculos XVI e XIX, elas acabaram com a propriedade comunal no campo, privaram os artesãos de suas ferramentas e organizaram um vasto movimento para despossuir as classes trabalhadoras e forçá-las a trabalhar em grandes fábricas.

As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial dos povos da América, da Ásia e da África. Eles destruíram muitos setores locais, como foi o caso da Índia nos séculos XVIII e XIX, sob o domínio britânico, ou da Indonésia, sob o domínio holandês. Isso levou à disseminação da revolução industrial na primeira metade do século XIX nos países ocidentais do Atlântico Norte. Esse movimento se espalhou para o Japão na segunda metade do século XIX. As classes trabalhadoras do Norte foram forçadas a trabalhar em condições de superexploração durante todo o século XIX e início do século XX, enquanto as fábricas que usavam grandes quantidades de combustíveis fósseis operavam em capacidade total e liberavam quantidades cada vez maiores de gases de efeito estufa.

  

Os conceitos de dívida climática e dívida ecológica são fundamentais para o sucesso da virada ecológica. A dívida ecológica dos Estados – especialmente os mais ricos e das maiores empresas – do Norte com as populações do Sul Global deve ser reconhecida. Esse reconhecimento deve assumir a forma de cancelamento da dívida dos países do Sul global e de reparações pagas pelos Estados do Norte. Esses últimos devem fazer com que os países mais ricos contribuam e assumam a responsabilidade pela desregulação climática e pelas ações necessárias e urgentes para limitar ao máximo suas consequências e seu agravamento [1].

  1. Dívida ecológica e climática: quem é responsável?
  2. Para ter sucesso na virada ecológica, deixar de lado as falsas soluções

 Quem é responsável?

As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial

No decorrer de um processo judiciário, a pessoa responsável por um delito ou crime geralmente é condenada a pagar “indenizações”. Ela deve pagar reparações, por assim dizer, compensar as consequências de um ato que não pode ser desfeito.

Os países do Norte – principalmente os mais ricos e as maiores empresas- cometeram vários crimes. No Norte, eles transformaram a força de trabalho em um longo processo que se estendeu por vários séculos e culminou na Revolução Industrial. Entre os séculos XVI e XIX, elas acabaram com a propriedade comunal no campo, privaram os artesãos de suas ferramentas e organizaram um vasto movimento para despossuir as classes trabalhadoras e forçá-las a trabalhar em grandes fábricas.

As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial dos povos da América, da Ásia e da África. Eles destruíram muitos setores locais, como foi o caso da Índia nos séculos XVIII e XIX, sob o domínio britânico, ou da Indonésia, sob o domínio holandês. Isso levou à disseminação da revolução industrial na primeira metade do século XIX nos países ocidentais do Atlântico Norte. Esse movimento se espalhou para o Japão na segunda metade do século XIX. As classes trabalhadoras do Norte foram forçadas a trabalhar em condições de superexploração durante todo o século XIX e início do século XX, enquanto as fábricas que usavam grandes quantidades de combustíveis fósseis operavam em capacidade total e liberavam quantidades cada vez maiores de gases de efeito estufa.

Para saber mais: Éric Toussaint, “ A mundialização, de Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Fernão Magalhães até aos nossos dias”, CADTM, publicado em 14 de dezembro de 2021

Os grupos capitalistas dominantes esgotaram os recursos e poluíram o planeta por meio do uso excessivo de combustíveis fósseis, da superprodução e da imposição, desde a década de 1980, de uma globalização neoliberal absurda do ponto de vista dos interesses das populações do Sul e de grande parte dos povos do Norte, bem como da preservação do planeta. Esse modelo de mau desenvolvimento baseou-se na agricultura intensiva e em uma indústria extrativa de matérias-primas voltada para a exportação, no comércio internacional por contêineres e por via aérea, produzindo enormes quantidades de resíduos e gases de efeito estufa.

Como em um processo judicial, os responsáveis devem ser condenados e pagar indenizações proporcionais aos danos causados.

Os países do Norte são historicamente responsáveis pela desregulação climática

O desenvolvimento do sistema capitalista globalizado pelos países do Norte tem sido um processo terrivelmente destrutivo.

Gráfico 1.1. Emissões históricas vs. “orçamento carbono restante para limitar o aumento do aquecimento global” [2]

Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021). Dados históricos de PIMAP-hist dataset.

Além de ter emitido metade de todas as emissões de gases de efeito estufa na história do mundo, a Europa e a América do Norte emitiram mais toneladas do que “resta a ser emitido” para limitar o aquecimento global a 1,5 ou 2 graus.

Gráfico 1.2. Emissões históricas (1850 – 2020) e atuais, e população por região do mundo (2019)

Fonte: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Gráfico 1.3. Emissões médias per capita por região do mundo em 2019

Fonte: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Esses gráficos [3] não deixam margem para dúvidas. Desde 1850, a América do Norte e a Europa, as duas principais regiões motrizes do capitalismo globalizado e colonizadoras, emitiram a maior parte do total das emissões de gases de efeito estufa liberadas na atmosfera, as principais causas das mudanças climáticas. Essa tendência ainda é verdadeira hoje, mesmo que a chegada dos países do Sul ao capitalismo globalizado a tenha atenuado ligeiramente.

Em 2019, a América do Norte e a Europa, que representavam então 12% da população mundial, emitiram quase 30% das emissões de gases de efeito estufa liberadas na Terra. A China, que em 2019 representava 18% da população mundial, emitiu quase 25% do total de emissões em nosso planeta. Deve-se notar que os dados nos quais este gráfico se baseia adotam uma abordagem em termos de pegada de carbono. Isso significa que a produção e o transporte de um telefone fabricado na China para um europeu são contabilizados como emissões da Europa, não da China.

África, América Latina e Ásia, excluindo a China, os continentes que mais sofreram colonização, juntos respondem por dois terços da população mundial e emitiram pouco mais de um terço (38%) das emissões globais de gases de efeito estufa em 2019. Se olharmos para as emissões históricas (desde 1850), é ainda menor para esses três continentes (exceto a China) com menos de 30% das emissões totais.

Deve-se notar também que a África Subsaariana, o Norte da África e o Oriente Médio e o Sul e Sudeste Asiático combinados emitiram menos CO2 na história do que apenas a Europa ou a América do Norte por si só.

Outro exemplo revelador é que o Sul e o Sudeste Asiático, que agora respondem por um terço da população mundial, emitem menos de 15% do total de emissões de gases de efeito estufa.

A observação é parecida se olharmos para as emissões médias por pessoa pelas principais regiões em 2019: a América do Norte é de longe a região mais poluente, com 20,8 toneladas de CO2 emitidas em média por pessoa por ano, bem acima das 3,4 toneladas médias por pessoa por ano necessárias para ficar abaixo de 2 graus de aquecimento atmosférico, ou 1,1 tonelada por pessoa por ano, o que se manteria abaixo de 1,5 graus. Um estadunidense emite em média 13 vezes mais de CO2 do que um africano subsaariano. Apenas a África Subsaariana e o Sul e Sudeste Asiático têm um nível médio per capita de emissões baixo o suficiente para atingir a meta de 2 graus de aquecimento. Todas as regiões estão acima do nível médio necessário para ficar abaixo de 1,5 graus.

As três regiões com as maiores emissões médias são América do Norte, Europa e Rússia e Ásia Central, seguidas pelo Leste Asiático (Japão, Coreia do Sul) e, em seguida, a região do Oriente Médio e Norte da África.

No entanto, é importante notar que este indicador – o nível médio de emissões de CO2 por pessoa por ano – tem muitas limitações. Por exemplo, a região do Oriente Médio e Norte da África é marcada por desigualdades abismais. Inclui populações muito pobres e ultra ricas, especialmente nos países do Golfo. As emissões médias por pessoa e por ano são, portanto, um indicador imperfeito. Mostra que as populações dos países do Norte emitem, em média, muito mais CO2 do que as populações dos países do Sul, mas esconde as desigualdades em termos de emissões dentro dessas grandes regiões, bem como dentro de cada país entre as classes dominantes ricas e as famílias pobres, particularmente nas áreas rurais.

É, portanto, muito claro que os países ocidentais são em grande parte responsáveis pelas alterações climáticas e que continuam a emitir uma parte muito grande das emissões globais de gases com efeito de estufa. Eles têm uma dívida climática abismal com as populações do Sul Global. No entanto, esses países são caracterizados por enormes desigualdades de renda e riqueza que devem ser destacadas para apontar os verdadeiros culpados da destruição da vida: as classes dominantes e as grandes empresas do Norte e as elites predatórias dos países do Sul global.

Os mais ricos e as grandes empresas são responsáveis pelas mudanças climáticas

Gráfico 1.4. Distribuição mundial das emissões de CO2, 2019

Fonte : Chancel (2022)

Gráfico 1.5: Desigualdade do carbono global, 2019: Emissões por grupo

Fontes e series: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Em 2019, os 10% que mais emitem CO2 no planeta foram responsáveis pela metade das emissões de CO2 do mundo! Quase tanto quanto os 90% que “poluem” menos [4]. Deve-se observar também que o 1% mais poluente em termos de CO2 emite mais do que os 50% menos poluentes. Isso significa que 80 milhões de pessoas estão causando mais danos do que 4 bilhões de pessoas.

Podemos ver aqui muito claramente que «conscientizar» e fazer com que os mais pobres e as classes médias se sintam culpados no Norte e no Sul é inútil se não atacarmos os 10% mais ricos.

Agora que a responsabilidade dos países do Norte e dos mais ricos do planeta foi estabelecida, vamos entrar em mais detalhes cruzando critérios geográficos com critérios de riqueza.

Gráfico 1.6. Emissões de CO2 por pessoa em todo o mundo, 2019

Os 10% mais ricos da América do Norte emitem, em média, muito mais CO2 do que qualquer outra categoria nesses gráficos [5]. Estes últimos emitem mais do dobro das emissões de CO2 em média por pessoa do que os 10% mais ricos dos europeus. Também na América do Norte, a metade mais pobre da população emite cerca de tanto CO2, em média, por pessoa por ano quanto os 10% mais ricos da África Subsaariana, ou os 10% mais ricos do Sul e Sudeste Asiático. A América do Norte, portanto, tem uma grande dívida climática e uma enorme responsabilidade no desafio de limitar as mudanças climáticas. Esses números provam que o modo de vida capitalista «ao estilo americano» não é sustentável. Eles provam que o decrescimento é uma necessidade.

Por outro lado, as emissões médias de 90% da população da África Subsaariana e do Sul e Sudeste Asiático, bem como as de metade da população da América Latina, metade da população da região do Oriente Médio e Norte da África e metade da população do Leste Asiático estão abaixo do limite de aquecimento global de 2 graus (o que já é alto demais).

A restrição para limitar as mudanças climáticas deve recair sobre os países do Norte (América do Norte, Europa, Rússia, Leste Asiático), em particular os mais ricos, as grandes empresas e as classes dominantes em geral. Isso não deve nos fazer esquecer a responsabilidade e, portanto, a necessidade de atacar as elites predatórias e extrativistas mais ricas nas regiões do Sul (Oriente Médio, Norte da África, Sul e Sudeste Asiático).

Gráfico 1.7. Emissões de CO2 por ano por grupo populacional na RDC, Nigéria, Colômbia, Índia, China e nos Estados Unidos

Parte 1 de Para ter sucesso na grande virada: Reconhecer a dívida ecológica

Dívida ecológica e climática: quem é responsável?

8 de Janeiro por Eric Toussaint , Maxime Perriot

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Photo : Paul Kagame, World Economic Forum, 2015, CC, Flickr, https://www.flickr.com/photos/paulkagame/23421597713

Os conceitos de dívida climática e dívida ecológica são fundamentais para o sucesso da virada ecológica. A dívida ecológica dos Estados – especialmente os mais ricos e das maiores empresas – do Norte com as populações do Sul Global deve ser reconhecida. Esse reconhecimento deve assumir a forma de cancelamento da dívida dos países do Sul global e de reparações pagas pelos Estados do Norte. Esses últimos devem fazer com que os países mais ricos contribuam e assumam a responsabilidade pela desregulação climática e pelas ações necessárias e urgentes para limitar ao máximo suas consequências e seu agravamento [1].

  1. Dívida ecológica e climática: quem é responsável?
  2. Para ter sucesso na virada ecológica, deixar de lado as falsas soluções

  Sommaire  

 Quem é responsável?

As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial

No decorrer de um processo judiciário, a pessoa responsável por um delito ou crime geralmente é condenada a pagar “indenizações”. Ela deve pagar reparações, por assim dizer, compensar as consequências de um ato que não pode ser desfeito.

Os países do Norte – principalmente os mais ricos e as maiores empresas- cometeram vários crimes. No Norte, eles transformaram a força de trabalho em um longo processo que se estendeu por vários séculos e culminou na Revolução Industrial. Entre os séculos XVI e XIX, elas acabaram com a propriedade comunal no campo, privaram os artesãos de suas ferramentas e organizaram um vasto movimento para despossuir as classes trabalhadoras e forçá-las a trabalhar em grandes fábricas.

As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial dos povos da América, da Ásia e da África. Eles destruíram muitos setores locais, como foi o caso da Índia nos séculos XVIII e XIX, sob o domínio britânico, ou da Indonésia, sob o domínio holandês. Isso levou à disseminação da revolução industrial na primeira metade do século XIX nos países ocidentais do Atlântico Norte. Esse movimento se espalhou para o Japão na segunda metade do século XIX. As classes trabalhadoras do Norte foram forçadas a trabalhar em condições de superexploração durante todo o século XIX e início do século XX, enquanto as fábricas que usavam grandes quantidades de combustíveis fósseis operavam em capacidade total e liberavam quantidades cada vez maiores de gases de efeito estufa.

Para saber mais: Éric Toussaint, “ A mundialização, de Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Fernão Magalhães até aos nossos dias”, CADTM, publicado em 14 de dezembro de 2021

Os grupos capitalistas dominantes esgotaram os recursos e poluíram o planeta por meio do uso excessivo de combustíveis fósseis, da superprodução e da imposição, desde a década de 1980, de uma globalização neoliberal absurda do ponto de vista dos interesses das populações do Sul e de grande parte dos povos do Norte, bem como da preservação do planeta. Esse modelo de mau desenvolvimento baseou-se na agricultura intensiva e em uma indústria extrativa de matérias-primas voltada para a exportação, no comércio internacional por contêineres e por via aérea, produzindo enormes quantidades de resíduos e gases de efeito estufa.

Como em um processo judicial, os responsáveis devem ser condenados e pagar indenizações proporcionais aos danos causados.

 Os países do Norte são historicamente responsáveis pela desregulação climática

O desenvolvimento do sistema capitalista globalizado pelos países do Norte tem sido um processo terrivelmente destrutivo.

Gráfico 1.1. Emissões históricas vs. “orçamento carbono restante para limitar o aumento do aquecimento global” [2]

Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021). Dados históricos de PIMAP-hist dataset.

Além de ter emitido metade de todas as emissões de gases de efeito estufa na história do mundo, a Europa e a América do Norte emitiram mais toneladas do que “resta a ser emitido” para limitar o aquecimento global a 1,5 ou 2 graus.

Gráfico 1.2. Emissões históricas (1850 – 2020) e atuais, e população por região do mundo (2019)

Fonte: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Gráfico 1.3. Emissões médias per capita por região do mundo em 2019

Fonte: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Esses gráficos [3] não deixam margem para dúvidas. Desde 1850, a América do Norte e a Europa, as duas principais regiões motrizes do capitalismo globalizado e colonizadoras, emitiram a maior parte do total das emissões de gases de efeito estufa liberadas na atmosfera, as principais causas das mudanças climáticas. Essa tendência ainda é verdadeira hoje, mesmo que a chegada dos países do Sul ao capitalismo globalizado a tenha atenuado ligeiramente.

Em 2019, a América do Norte e a Europa, que representavam então 12% da população mundial, emitiram quase 30% das emissões de gases de efeito estufa liberadas na Terra. A China, que em 2019 representava 18% da população mundial, emitiu quase 25% do total de emissões em nosso planeta. Deve-se notar que os dados nos quais este gráfico se baseia adotam uma abordagem em termos de pegada de carbono. Isso significa que a produção e o transporte de um telefone fabricado na China para um europeu são contabilizados como emissões da Europa, não da China.

África, América Latina e Ásia, excluindo a China, os continentes que mais sofreram colonização, juntos respondem por dois terços da população mundial e emitiram pouco mais de um terço (38%) das emissões globais de gases de efeito estufa em 2019. Se olharmos para as emissões históricas (desde 1850), é ainda menor para esses três continentes (exceto a China) com menos de 30% das emissões totais.

Deve-se notar também que a África Subsaariana, o Norte da África e o Oriente Médio e o Sul e Sudeste Asiático combinados emitiram menos CO2 na história do que apenas a Europa ou a América do Norte por si só.

Outro exemplo revelador é que o Sul e o Sudeste Asiático, que agora respondem por um terço da população mundial, emitem menos de 15% do total de emissões de gases de efeito estufa.

A observação é parecida se olharmos para as emissões médias por pessoa pelas principais regiões em 2019: a América do Norte é de longe a região mais poluente, com 20,8 toneladas de CO2 emitidas em média por pessoa por ano, bem acima das 3,4 toneladas médias por pessoa por ano necessárias para ficar abaixo de 2 graus de aquecimento atmosférico, ou 1,1 tonelada por pessoa por ano, o que se manteria abaixo de 1,5 graus. Um estadunidense emite em média 13 vezes mais de CO2 do que um africano subsaariano. Apenas a África Subsaariana e o Sul e Sudeste Asiático têm um nível médio per capita de emissões baixo o suficiente para atingir a meta de 2 graus de aquecimento. Todas as regiões estão acima do nível médio necessário para ficar abaixo de 1,5 graus.

As três regiões com as maiores emissões médias são América do Norte, Europa e Rússia e Ásia Central, seguidas pelo Leste Asiático (Japão, Coreia do Sul) e, em seguida, a região do Oriente Médio e Norte da África.

No entanto, é importante notar que este indicador – o nível médio de emissões de CO2 por pessoa por ano – tem muitas limitações. Por exemplo, a região do Oriente Médio e Norte da África é marcada por desigualdades abismais. Inclui populações muito pobres e ultra ricas, especialmente nos países do Golfo. As emissões médias por pessoa e por ano são, portanto, um indicador imperfeito. Mostra que as populações dos países do Norte emitem, em média, muito mais CO2 do que as populações dos países do Sul, mas esconde as desigualdades em termos de emissões dentro dessas grandes regiões, bem como dentro de cada país entre as classes dominantes ricas e as famílias pobres, particularmente nas áreas rurais.

É, portanto, muito claro que os países ocidentais são em grande parte responsáveis pelas alterações climáticas e que continuam a emitir uma parte muito grande das emissões globais de gases com efeito de estufa. Eles têm uma dívida climática abismal com as populações do Sul Global. No entanto, esses países são caracterizados por enormes desigualdades de renda e riqueza que devem ser destacadas para apontar os verdadeiros culpados da destruição da vida: as classes dominantes e as grandes empresas do Norte e as elites predatórias dos países do Sul global.

 Os mais ricos e as grandes empresas são responsáveis pelas mudanças climáticas

Gráfico 1.4. Distribuição mundial das emissões de CO2, 2019

Fonte : Chancel (2022)

Gráfico 1.5: Desigualdade do carbono global, 2019: Emissões por grupo

Fontes e series: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Em 2019, os 10% que mais emitem CO2 no planeta foram responsáveis pela metade das emissões de CO2 do mundo! Quase tanto quanto os 90% que “poluem” menos [4]. Deve-se observar também que o 1% mais poluente em termos de CO2 emite mais do que os 50% menos poluentes. Isso significa que 80 milhões de pessoas estão causando mais danos do que 4 bilhões de pessoas.

Podemos ver aqui muito claramente que «conscientizar» e fazer com que os mais pobres e as classes médias se sintam culpados no Norte e no Sul é inútil se não atacarmos os 10% mais ricos.

Agora que a responsabilidade dos países do Norte e dos mais ricos do planeta foi estabelecida, vamos entrar em mais detalhes cruzando critérios geográficos com critérios de riqueza.

Gráfico 1.6. Emissões de CO2 por pessoa em todo o mundo, 2019

Os 10% mais ricos da América do Norte emitem, em média, muito mais CO2 do que qualquer outra categoria nesses gráficos [5]. Estes últimos emitem mais do dobro das emissões de CO2 em média por pessoa do que os 10% mais ricos dos europeus. Também na América do Norte, a metade mais pobre da população emite cerca de tanto CO2, em média, por pessoa por ano quanto os 10% mais ricos da África Subsaariana, ou os 10% mais ricos do Sul e Sudeste Asiático. A América do Norte, portanto, tem uma grande dívida climática e uma enorme responsabilidade no desafio de limitar as mudanças climáticas. Esses números provam que o modo de vida capitalista «ao estilo americano» não é sustentável. Eles provam que o decrescimento é uma necessidade.

Por outro lado, as emissões médias de 90% da população da África Subsaariana e do Sul e Sudeste Asiático, bem como as de metade da população da América Latina, metade da população da região do Oriente Médio e Norte da África e metade da população do Leste Asiático estão abaixo do limite de aquecimento global de 2 graus (o que já é alto demais).

A restrição para limitar as mudanças climáticas deve recair sobre os países do Norte (América do Norte, Europa, Rússia, Leste Asiático), em particular os mais ricos, as grandes empresas e as classes dominantes em geral. Isso não deve nos fazer esquecer a responsabilidade e, portanto, a necessidade de atacar as elites predatórias e extrativistas mais ricas nas regiões do Sul (Oriente Médio, Norte da África, Sul e Sudeste Asiático).

Gráfico 1.7. Emissões de CO2 por ano por grupo populacional na RDC, Nigéria, Colômbia, Índia, China e nos Estados Unidos

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Se olharmos para exemplos nacionais [6], ficam evidenciadas as mesmas tendências. Aparece o enorme prejuízo causado pelos 10% mais ricos dos Estados Unidos.

Esses diferentes gráficos permitem avaliar as responsabilidades nas mudanças climáticas atuais e, portanto, a questão da dívida climática em sua complexidade. A restrição deve recair em grande parte sobre o terço mais rico ou mesmo metade da população do Norte – e mais fortemente sobre os 10% mais ricos – e sobre as classes mais ricas, predatórias e extrativistas em regiões do Sul, como a região MENA (Oriente Médio e Norte da África).

Os países imperialistas do Norte também têm uma dívida ecológica devido a séculos de extrativismo predatório

A abordagem em termos de emissões de gases de efeito estufa é insuficiente porque, embora permita medir a dívida climática de forma bastante precisa (as principais causas do aquecimento global são as emissões de gases de efeito estufa), esconde uma parte significativa da dívida ecológica, que diz respeito à apropriação de recursos. Extrativismo predatório e destrutivo no atual sistema capitalista globalizado. Os aproveitadores desse sistema têm uma dívida ecológica colossal pela qual devem responder.

Os países do Sul global têm sido saqueados há séculos pelo Norte. Primeiro por meio da colonização, depois pelo uso da dívida como uma ferramenta para escravizar e saquear os povos do Sul.

Para saber mais sobre a dívida como instrumento de escravatura: Maxime Perriot e Éric Toussaint, «O ABC do CADTM e a perspetiva histórica das dívidas ilegítimas», CADTM, publicado em 8 de abril de 2024

Após a colonização, e especialmente após a crise da dívida da década de 1980, muitos países do Sul Global se tornaram inadimplentes. Eles foram então forçados a aceitar as condicionalidades do FMI e do Banco Mundial para receber empréstimos dessas instituições e poder continuar a pagar suas dívidas.

Essas condicionalidades, que visavam trazer os países do Sul para a globalização neoliberal, os levaram a aumentar a especialização de suas economias na exportação de um ou alguns recursos. Essa especialização tinha começado no início da inserção forçada dos países do Sul no comércio internacional dominado pelas potências da Europa Ocidental a partir do século XVI. Após as independências africanas das décadas de 1950 e 1960, a arma da dívida substituiu a antiga relação colonial para manter os novos estados na especialização da produção. E o ajuste estrutural generalizado a partir da década de 1980 reforçou consideravelmente essa dependência.

Em vez de produzir o que as pessoas precisam, o objetivo é atender às necessidades das economias mais industrializadas (incluindo a China) exportando produtos agrícolas, de mineração, combustíveis fósseis, pesca, madeira, etc. bem como mão de obra barata. Essa lógica, que se baseia na exploração intensiva dos seres vivos e no extrativismo desenfreado, levou esses países a abandonar a agricultura de subsistência, portadora de soberania alimentar, em favor do desenvolvimento de monoculturas em grande escala, sinônimo de dívida camponesa, acaparamento de terras, uso intensivo da terra e perda de biodiversidade e conhecimento tradicional. Especialização e exportação desenfreada, ou atração de turistas através da construção de complexos de luxo para obter divisas que lhes permitam importar e pagar a dívida: este é o círculo vicioso em que os governos e instituições financeiras do Norte mergulharam as populações do Sul, com a cumplicidade das elites locais.

Essa exploração dos recursos naturais imposta pela lógica da dívida, uma extensão da lógica colonial, constitui um aspecto importante da dívida ecológica do Norte para com o Sul.

A integração total – como parte dominada – dos países do Sul na globalização neoliberal beneficiou alguns: as grandes empresas do Norte que se apropriaram de terras no Sul, as elites locais que se aproveitaram desse sistema extrativista para enriquecer ao máximo, as grandes empresas extrativistas do Sul… Essas empresas também foram culpadas de biopirataria: roubaram conhecimento local, principalmente no nível medicinal. Eles registraram patentes para obter o máximo lucro às custas dessas populações.

Juntamente com o FMI, o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento, as classes capitalistas, além de seu papel nas emissões de gases de efeito estufa, são responsáveis pela destruição dos ecossistemas, pela apropriação de terras e pelo empobrecimento por meio do estabelecimento de monoculturas. Suas ações levam à destruição de seres vivos, à poluição dos recursos pesqueiros, solos e subsolos, à seca de cursos d’água, ao empobrecimento da terra, ou á colocar em perigo as populações locais pela perda da soberania alimentar. Eles se tornaram extremamente vulneráveis aos vários choques externos que podem ocorrer. Por exemplo, a agressão da Rússia contra a Ucrânia e a especulação relacionada a este conflito, bem como o choque causado pela Covid-19, mergulharam dezenas de milhões de pessoas na pobreza extrema (veja a seguir).

A Era do Capitaloceno
Para descrever o impacto nocivo do modo de produção e exploração capitalista sobre os seres vivos, a biodiversidade e o clima, devemos usar o conceito de Capitaloceno [7], e não de Antropoceno. Os povos indígenas do Sul Global não têm responsabilidade pelas mudanças climáticas. Como explicado no início deste capítulo, as populações do Sul Global que foram colonizadas e recrutadas à força para o processo neoliberal de extração não podem ser responsabilizadas. Nem as classes trabalhadoras e camponesas dos países mais industrializados do século 19, exploradas em minas e fábricas. A mudança climática é o resultado das ações das grandes empresas, das classes capitalistas e dos governos do Norte (e depois do Sul).

Devemos também destacar o peso que a dívida representa nos orçamentos dos países vulneráveis que estão sujeitos a taxas de juro altissimas. Os países mais vulneráveis às mudanças climáticas nunca estiveram tão endividados desde 1990. De acordo com a Debt Justice [8], os cinquenta países mais vulneráveis às mudanças climáticas estão gastando quatro vezes mais no serviço da dívida do que em 2010. Um dos principais exemplos é a Zâmbia, que entrou em default em 2020 e sofre uma terrível seca desde o final de 2023.
Ao contrário dos países do Norte, que beneficiam da confiança dos mercados e das taxas de juro oscilarem entre 1 e 5% em 2024, os países do Sul pagam taxas de juro acima dos 6%, muitas vezes acima dos 9% e podem subir para mais de 20% [9]. É por essa lógica que muitos países gastam muito mais no pagamento de juros de suas dívidas do que no financiamento de seus setores de saúde e educação, mas também em quaisquer iniciativas de mitigação, adaptação ou reparação diante dos efeitos das mudanças climáticas. Por exemplo, Gana planejou em 2021 alocar US$ 77 milhões por ano para adaptação [10], ou seja, sistemas de irrigação para lidar com secas, sistemas de alerta para evitar inundações, etc. No mesmo ano, o país gastou US$ 4,8 bilhões em serviço da dívida, valor que deve chegar a US$ 6,4 bilhões até 2025. Este exemplo se aplica a uma série alarmante de países.
A dívida serve, assim, como um instrumento para a transferência de riqueza, tanto natural como financeira, e, para além de ser a causa de catástrofes ambientais e ecológicas, mina qualquer perspectiva séria de investimento na luta contra as alterações climáticas e os seus efeitos.

[1] Este capítulo se baseia em dados do Climate Inequality Report 2023, coordenado por Lucas Chancel, Philipp Bothe e Tancrède Voituriez e, de modo mais geral, no banco de dados do World Inequality Report 2022. Chancel, L., Bothe, P., Voituriez, T. (2023) Climate Inequality Report 2023, World Inequality Lab Study 2023/1, https://wid.world/wp-content/uploads/2023/01/CBV2023-ClimateInequalityReport-3.pdf ou Chancel, L., Piketty, T., Saez, E., Zucman, G. et al. World Inequality Report 2022, World Inequality Lab wir2022.wid.world, https://wir2022.wid.world/methodology/ consultado em 16 de outubro de 2024.

[2] Chancel, L., Piketty, T., Saez, E., Zucman, G.op.cit. p.117.

[3] Chancel, L., Piketty, T., Saez, E., Zucman, G.op.cit. p.119

[4] Chancel, L., Bothe, P., Voituriez, T. (2023), op.cit. pág. 24.

[5] Chancel, L., Piketty, T., Saez, E., Zucman, G.op.cit. p.19.

[6] Chancel, L., Bothe, P., Voituriez, T. (2023), op.cit. pág. 135.

[7] Conceito desenvolvido por Andreas Malm. Veja este trecho de uma entrevista datada de 14 de janeiro de 2021: “Substituir a noção de Antropoceno pela de Capitaloceno é querer ser mais preciso ao dizer que é o capital – como um processo e como uma estrutura particular de interação humana baseada na desigualdade e no poder – que se transformou em um fator de mudança geológica destrutiva, e não a espécie humana. O que está acontecendo não tem a ver com nossas características biológicas como espécie Homo sapiens, mas de uma evolução histórica e social específica.” Andreas Malm: “Pour mettre fin à la catastrophe, il faut s’attaquer aux classes dominantes”, publicado pela Reporterre em 14 de janeiro de 2021, https://reporterre.net/Andreas-Malm-Pour-mettre-fin-a-la-catastrophe-il-faut-s-en-prendre-aux-classes-dominantes consultado em 13 de dezembro de 2024

[8] Debt Justice, “Climate vulnerable countries debt payments highest in three decades”, 3 juin 2024, https://debtjustice.org.uk/press-release/climate-vulnerable-countries-debt-payments-highest-in-three-decades, consultado 16 de outubro 2024

[9] As taxas mudam constantemente. O site World Government Bonds oferece uma visão das taxas para a grande maioria dos países do mundo. https://www.worldgovernmentbonds.com/country/puertorico/ consultado em 13 de dezembro de 202

[10] Os países de baixa renda gastam cinco vezes mais com o pagamento de dívidas do que com o combate às mudanças climáticas. Jubilee Debt Campaign. Outubro de 2021. https://jubileedebt.org.uk/wp-content/uploads/2021/10/Lower-income-countries-spending-on-adaptation_10.21.pdf consultado em 16 de outubro de 2024


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