Elementos para entender o que está acontecendo na Venezuela
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Elementos para entender o que está acontecendo na Venezuela

As liberdades políticas das pessoas que vivem com o suor de seu rosto estão em uma situação dramática

Vários Autores 10 jan 2025, 14:25

Caros companheiros da América Latina e do mundo que nos visitam, damos as boas-vindas a vocês das comunidades, das calçadas, dos campos, das estradas, das fábricas e das universidades, os lugares que não são visitados por aqueles que destruíram o sonho de uma revolução democrática e popular. Gostaríamos de recebê-los em nossas comunidades para ver a realidade que não é a oficial. Gostaríamos de dialogar com vocês sobre esses aspectos:

  1. TRABALHO
    A situação da vida material da classe trabalhadora: nós, que vivemos do trabalho, estamos sobrevivendo há quase uma década, com as menores rendas do mundo e a perda absoluta dos direitos conquistados no século XX. O conceito de salário foi destruído, enquanto nossos filhos, irmãos, pais e parentes precisam seguir o caminho da migração para evitar a fome. Isso contrasta com o estilo de vida e o consumo da elite política governante, confirmado pelo desinteresse dos escritórios diplomáticos do país pela situação daqueles que vivem nos territórios de onde vocês vêm. Esse mesmo governo, com uma elite política no poder, que fala de socialismo, organiza diariamente jantares fartos em hotéis, restaurantes e no palácio do governo, enquanto milhares de crianças vão para a cama sem nada no estômago. Eles falam sobre a recuperação econômica do país e os salários continuam a cair. Para onde está indo o crescimento da economia? Qual é a economia que está crescendo? Não é a do povo trabalhador.
  2. POLÍTICA
    As liberdades políticas das pessoas que vivem com o suor de seu rosto estão em uma situação dramática: o direito à greve e à mobilização está confiscado na Venezuela, não há possibilidade de uma reivindicação trabalhista ser interpretada pelo que ela é. A classe trabalhadora não pode protestar como em seus países, porque é acusada de ser conspiradora ou traidora. Vocês ficariam felizes se isso acontecesse em seus países? Temos dezenas de líderes de trabalhadores e trabalhadores que foram processados, perseguidos ou presos apenas por pedir um aumento salarial. Pior ainda, agora, o simples fato de pensar a partir da rebeldia dos de baixo e dizer isso publicamente incomoda as autoridades burocráticas e os novos ricos de cima e torna isso um crime.
  3. DEMOCRACIA
    Sem a esquerda não há democracia: a esquerda não existe organicamente dentro do PSUV – nem em sua liderança política e intelectual nem em sua militância territorial; aqueles que estão comprometidos com o projeto de soberania e poder popular desenhado por Chávez são defenestrados pelos sectarismos que defendem a inoculação do consenso neoliberal. Todos os partidos de esquerda que acompanharam Chávez estão hoje nos tribunais, sofrendo intervenções e tendo suas lideranças políticas legítimas destituídas de sua representação legal. Impostores escolhidos a dedo pelos órgãos do poder pagam com reverência por terem permissão para atacar organizações políticas com décadas de tradição de luta. Criticar, como você está acostumado a fazer, na Venezuela leva à intervenção imediata das organizações políticas. Mas a esquerda continua a se organizar nos territórios, a acolher sonhos de um amanhã melhor e a construir esperanças. Para o governo, a política se resume à obediência às suas decisões, o pensamento político rebelde de Chávez permanece apenas em slogans e no uso “oficial” de seus atos partidários, eles despojaram Chávez de seu caráter popular e rebelde.
  4. FASCISMO
    Sempre que há tensões políticas no país, a direita lidera surtos de ódio fascista e violência. Certamente, a direita fascista cresceu na Venezuela, tanto nos antigos partidos conservadores e social-democratas, que agora se tornaram ferozmente anti-socialistas, quanto no PSUV, que assumiu o pós-socialismo neoliberal como sua ideologia. Essa situação construiu um caminho para o consenso que ameaça se tornar um novo Pacto Social (governo-oposição), que ataca as liberdades democráticas e os direitos adquiridos da classe trabalhadora e do povo humilde. Na Venezuela está se incubando um neofascismo do qual o governo, o PSUV e a oposição de extrema direita são os parteiros, a novidade é que isso finge estar escondido com um discurso antifascista vazio de expressão concreta na realidade venezuelana. Se não, pergunte-se por que na Venezuela não avançam o direito ao aborto, ao casamento igualitário, à legalização da maconha, ao direito de greve e aos direitos adquiridos dos trabalhadores que estão sendo violados, instalando o medo da dissidência? Por que dezenas de adolescentes foram presos depois do 28J e por que o governo e a oposição de direita os deixaram por conta própria, abandonados? O antifascismo serve como uma farsa que esconde o autoritarismo neoliberal: o protesto social após o 28J – em sua maior parte popular e pacífico (apenas marginalmente fascista e violento) – foi controlado com sucesso pela judicialização e pela repressão estatal e parapolicial. Transcendendo o conflito político-eleitoral, a continuidade do modelo econômico de exploração e desapropriação e a defesa dos interesses do capital exigem o ajuste fino dos dispositivos jurídico-políticos e ideológicos para o controle do conflito social e da luta de classes. Hoje, as leis e propostas de leis: antibloqueio, antiódio, antifascista, antiorganizações não governamentais, leis eleitorais visam fortalecer esse dispositivo de dominação sob a desculpa da ameaça fascista.
  1. GEOPOLÍTICA
    O anti-imperialismo é celebrado com a Chevron: as sanções são responsabilizadas pela degradação das condições sociais, mas a deterioração é anterior às sanções e se aprofundou com elas. O aumento dos níveis de exploração de petróleo nos últimos anos foi feito para fornecer energia aos gringos que eles dizem combater, permitindo que eles explorem o petróleo sem pagar um centavo à nação. Nunca na Venezuela, desde o início do século XX, cedemos petróleo em condições tão neocoloniais, enquanto esses lucros não melhoram a vida cotidiana do povo. O anti-imperialismo declarado é apenas um slogan usado como identidade para os novos ricos da Venezuela.
  2. NEOLIBERALISMO
    Como a burguesia é constituída na Venezuela: na Venezuela, a burguesia foi formada em torno da captura da renda do petróleo, das vantagens no mercado de câmbio, das licenças de importação e das isenções de tarifas e impostos. Ter o poder político é o obstáculo que precisa ser superado para enriquecer. É por isso que a direita obsoleta e o madurismo lutam como feras ferozes pelo controle do governo, porque ambos os setores fazem parte da velha e da nova burguesia. Não há um modelo revolucionário de produção ou resistência, há uma pilhagem dos recursos naturais e uma liberalização da economia.
  3. TERRAS
    As terras que Chávez deu aos camponeses estão hoje voltando para as mãos dos latifundiários: o ideal zamorano de terra para quem a trabalha, que Chávez levantou, é hoje uma caricatura, porque o que lhes foi concedido com justiça ontem está hoje sendo tirado deles. Os antigos proprietários da terra sentem que estão sendo ouvidos e atendidos pelo governo de Maduro. Para piorar a situação, nos últimos anos, 12 milhões de hectares foram entregues ao agronegócio internacional, no que eles chamam de zona econômica agrária oriental.
  4. PRODUÇÃO
    Adeus às fábricas recuperadas: o governo de Maduro acaba de entregar 350 empresas públicas à burguesia agrupada na Conindustria, para tentar fechar acordos com todas as facções burguesas, enquanto os trabalhadores dessas empresas ainda não receberam suas indenizações e benefícios sociais. Essa é a Pax dos ricos e os acordos dos sem-vergonha.
  5. BOLIVARIANISMO
    Democracia no terreno do bolivarianismo: em 1996, Chávez nos convocou a construir uma revolução com a arma política da democracia. Milhões de venezuelanos não apenas o acompanharam, mas também construíram formas avançadas de participação. Hoje, a democracia é apenas eleições, cujos resultados são adaptados aos desejos e às necessidades dos governantes. O processo eleitoral de 28 de julho, do qual participaram milhões de venezuelanos, acabou se tornando uma caricatura, pois o Conselho Nacional Eleitoral se colocou à margem da lei e da tradição eleitoral venezuelana, violando o sufrágio e a vontade do povo. Meses após a eleição de 28 de julho, o povo ainda não tem mecanismos para verificar se sua vontade foi respeitada. A democracia não é uma questão de FÉ, mas um exercício que pode ser verificado e auditado pelos cidadãos. Sem democracia política, a única coisa que pode acontecer é uma deterioração ainda maior das possibilidades de a classe trabalhadora ter sua própria voz.
  6. CHÁVEZ
    O projeto de Chávez foi traído: um novo Chávez foi construído, uma caricatura revolucionária, para agradar aos que estão no poder, enquanto nas ruas o povo continua a exigir o Chávez do “por ahora” de 1992, aquele que virá quando a resistência contra a traição de Maduro ao projeto revolucionário bolivariano for refeita. Chávez foi traído e o povo sabe disso.
  7. REFORMA CONSTITUCIONALEm 1999, nós nos demos uma Constituição a serviço de uma pátria de justiça social. Todo o projeto de transformação radical da sociedade venezuelana está contido na Carta Magna que elaboramos e aprovamos em referendo durante o período de ascensão do protagonismo popular. Tentar reformá-la quando ideias neoliberais e autoritárias estão tentando se impor só pode significar um retrocesso em nossa estrutura legal. Com Chávez, dizemos tudo dentro da Constituição, nada fora dela.
  8. ORGANIZAR
    Parafraseando o escritor guarani Tadeo Zarratea, dizemos: “Não queremos mudar o comissário nem o juiz. Isso não vai adiantar nada. Somos esgotados por nossa realidade e é isso que queremos mudar. Nós nos organizamos justamente para mudar nossa realidade. Pedimos que entendam que o povo não estão no palácio de governo.
  9. ACOMPANHAMENTO
    Temos interesse em nos reunir com o movimento popular e a esquerda que estão sempre em luta: queremos dialogar com vocês a partir da lógica das pessoas que estão se organizando e resistindo. Sabemos que vocês vivem e acompanham as lutas em seus povoados, hoje pedimos que acompanhem as lutas do povo venezuelano, não a sobrevivência daqueles que se aproveitam do poder em nome do povo.

Por fim, deixamos vocês com uma breve reflexão: na Venezuela, houve dois processos simultâneos nos últimos 25 anos: uma revolução e um governo. Durante muitos anos, a revolução, composta por movimentos sociais, sindicatos, organizações e partidos políticos, foi liderada por Hugo Chávez e alcançou momentos épicos na construção de um modelo social transformador, promovendo a produção, o trabalho, a organização, a rebelião, a redistribuição justa da riqueza e em constante tensão com o imperialismo e as burguesias apátridas. Com Chávez, se chegou ao governo, e isso foi fundamental para a aceleração das conquistas da revolução. A partir do governo, com Chávez à frente, avançamos em uma direção política revolucionária e popular. Nos últimos 10 anos, a revolução bolivariana vem perdendo protagonismo e não se expressa nas políticas do atual governo, os resultados estão aí para ver, neste documento abordamos alguns deles que gostaríamos de discutir com vocês. Não se confunda, não acredite que, ao apoiar o governo, você estará apoiando a Revolução Bolivariana.

Nós o convidamos a fazer parte dessa construção de outro sonho de justiça social que nosso povo está tecendo, sempre insubmisso e rebelde, mesmo que às vezes pareça calmo.

Lxs Comunes, janeiro de 2025


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