Por Moradia, Terra e Trabalho: O MPL e a Necessidade de Radicalizar a Luta

Por Moradia, Terra e Trabalho: O MPL e a Necessidade de Radicalizar a Luta

Diante de um cenário de crises globais e nacionais, o MPL reafirma sua independência e necessidade de radicalizar a luta por moradia, terra e trabalho

Coordenação Nacional do MPL 28 jan 2025, 18:17

Introdução

  1. O Movimento Popular de Luta (MPL) se insere em um cenário de crises globais e nacionais marcadas por desigualdades crescentes, devastação ambiental e intensificação dos conflitos sociais. Internacionalmente, as mudanças climáticas, a hiperfinanceirização da economia e o fortalecimento de governos ultraneoliberais, como o de Donald Trump, colocam em xeque os direitos da classe trabalhadora e a sustentabilidade do planeta. No Brasil, as contradições do governo federal, o avanço do Centrão e a submissão ao agronegócio e às elites urbanas revelam a ausência de um projeto que enfrente de forma efetiva os problemas estruturais do país, como a reforma agrária e a reforma urbana.
  2. Diante desse cenário, o MPL reafirma sua independência e a necessidade de radicalizar a luta por moradia, terra e trabalho. Apenas com organização sólida, ação direta e mobilização popular será possível enfrentar os interesses das elites e construir um futuro baseado na justiça social e na sustentabilidade.

Conjuntura Internacional

  1. A crise climática é dramática e coloca a luta pelo ecossocialismo no centro do debate global. Enquanto os impactos da devastação ambiental se tornam cada vez mais evidentes, a extrema direita ao redor do mundo responde com ações que agravam ainda mais a situação: promovem guerras, destroem ecossistemas, atacam direitos da classe trabalhadora e impulsionam uma hiperfinanceirização da economia. Grandes bilionários e bancos concentram riqueza, renda e poder, enquanto as políticas públicas e recursos são desenhados para atender os interesses de uma elite global ínfima.
  2. Esse sistema, que funciona para poucos bilionários, tem consequências devastadoras, especialmente para os países do Sul Global. Na outra ponta, o número de famintos, desempregados e desalojados cresce de forma alarmante. Em 2023, 1 em cada 11 pessoas no mundo passou fome, totalizando mais de 733 milhões de pessoas. Esse número escandaloso expõe as falhas estruturais do sistema capitalista global. Na África, o cenário é ainda mais dramático: 1 em cada 5 pessoas sofreu com a fome, de acordo com dados da ONU, ressaltando o impacto desproporcional da crise alimentar nos países mais vulneráveis.
  3. Desde 2008, o capitalismo enfrenta uma crise estrutural que não apenas exacerba a desigualdade econômica, mas também alimenta crises interconectadas: a crise climática, a crise da democracia e a intensificação de conflitos armados. Em 2023, os gastos militares globais ultrapassaram US$ 2,2 trilhões, com os Estados Unidos investindo cerca de US$ 877 bilhões em sua máquina de guerra e a China direcionando aproximadamente US$ 292 bilhões para fins militares. Esses números refletem como os maiores atores globais priorizam a militarização e a violência em detrimento de políticas voltadas para a paz e o enfrentamento da crise climática.
  4. Além disso, a COP29, realizada no Azerbaijão em 2024, reuniu líderes globais para cobrar dos países desenvolvidos mais investimentos em fontes de energia renovável. A meta estabelecida era de apenas US$ 250 bilhões, um valor extremamente tímido diante do consenso de especialistas, que apontam que seriam necessários pelo menos US$ 1 trilhão para uma transição energética compatível com a crise atual. Essa diferença abismal entre as metas propostas e a real necessidade expõe o compromisso superficial dos governos capitalistas com o enfrentamento da crise climática.
  5. A eleição de Donald Trump nos EUA marca um novo capítulo no avanço do ultraneoliberalismo e do negacionismo climático. De maneira avassaladora, Trump venceu as eleições e montou um governo composto majoritariamente por bilionários e bilionárias. Entre os nomes de destaque está Elon Musk, o homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 334,3 bilhões. Musk liderará um departamento criado para implementar cortes massivos de gastos públicos, com a meta de reduzir US$ 2 trilhões até 2025, o equivalente a 30% do orçamento federal.
  6. Esses cortes incidirão diretamente sobre áreas essenciais, como saúde, educação e programas de assistência social, enquanto o governo planeja aumentar os subsídios para grandes corporações e expandir os gastos militares. Esse movimento reforça o caráter plutocrático do governo Trump, que utiliza sua administração para fortalecer ainda mais o controle das elites bilionárias sobre a economia e a política dos EUA.
  7. Porém, o maior impacto da eleição de Trump será sentido no meio ambiente. Seu governo colidirá frontalmente com a agenda climática global. Com um discurso profundamente negacionista, Trump declarou que não acredita nos dados científicos sobre mudanças climáticas e chamou as preocupações ambientais de uma “farsa para prejudicar a economia americana”. Ele já anunciou planos para intensificar a exploração de petróleo e gás natural, desmantelar regulações ambientais e retirar os EUA de qualquer compromisso com agendas climáticas globais, como o Acordo de Paris.
  8. Essa postura é um retrocesso devastador para a luta contra a crise climática. A recusa dos EUA em participar de iniciativas internacionais compromete gravemente os esforços globais para limitar o aquecimento do planeta. A vitória de Trump é um alerta para os movimentos sociais ao redor do mundo: é urgente fortalecer a organização de base e resistir a essa agenda de destruição ambiental e exploração desenfreada.
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Conjuntura Nacional

  1. No Brasil, a crise climática se soma à crise política e econômica, em um cenário marcado pelo fortalecimento do centrão nas eleições municipais de 2024. Os partidos União Brasil (UB), PSD e MDB emergiram como os que mais elegeram prefeitos, consolidando o avanço da direita conservadora e limitando a capacidade do governo de Lula de implementar uma agenda progressista.
  2. É preciso destacar que, apesar de Lula tentar se posicionar como líder global no combate à fome e na defesa do meio ambiente, internamente seu governo permanece submisso aos ditames do agronegócio, que gera fome, destrói o meio ambiente e concentra riquezas em poucas mãos. Essa contradição entre o discurso internacional e a prática doméstica compromete seriamente qualquer tentativa de enfrentar as crises estruturais do país e reforça a aliança do governo com forças conservadoras.
  3. A realidade dos conflitos no campo é um retrato do agravamento da violência e da desigualdade no Brasil. De acordo com dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino – CPT, em 2023 foram registradas 2.203 ocorrências de conflitos no campo, o maior número da série histórica da Comissão Pastoral da Terra. Essas ocorrências apresentam uma taxa 8% superior às documentadas em 2022, revelando um aumento de 60% na intensidade da violência nos últimos 10 anos. A maior parte dos conflitos em 2023 ocorreu na região Norte, que concentrou 35% das ocorrências, seguida pela região Nordeste, com 32%. O Maranhão é o segundo estado com maior registro de conflitos no campo entre 2014 e 2023, com 1.926 ocorrências, atrás apenas do Pará, que registrou 1.999 ocorrências no mesmo período.
  4. A forma mais eficaz de combater a fome e enfrentar a crise climática no Brasil seria através de investimentos significativos na reforma agrária. Essa medida permitiria a preservação de áreas ambientais essenciais, incentivaria métodos de produção que geram mais empregos no campo e impulsionaria a produção de alimentos livres de agrotóxicos, tornando a alimentação mais acessível e saudável para a população. No entanto, o cenário atual revela um governo submisso aos interesses do agronegócio e das elites políticas. Apenas uma reforma agrária ampla e efetiva seria capaz de conter a absurda inflação dos alimentos, expondo a contradição entre os incentivos bilionários ao agronegócio e a escassez do básico na mesa dos brasileiros. Essa situação tem forçado a substituição de uma alimentação nutritiva por opções rápidas e baratas, como os fast foods, agravando ainda mais os problemas sociais e de saúde pública.
  1. No campo da economia, o arcabouço fiscal, apresentado como a grande solução econômica pelo governo, nada mais é do que “mais do mesmo”: um projeto neoliberal que, como todos os outros desde Collor, busca resolver as crises fiscais retirando direitos sociais e sobrecarregando justamente os que menos têm. Esse modelo, elogiado pelo mercado financeiro e pela GloboNews, é um retrato claro de um governo que samba ao som das elites econômicas.
  2. Metade do governo já se passou, e é evidente que reforma agrária e reforma urbana não fazem parte da pauta desse governo. Portanto, é fundamental que os movimentos sociais tenham autonomia frente aos governos e partidos governistas, sob pena de suas lutas se transformarem em mera retórica. O MPL, com sua independência, é uma força capaz de organizar os de baixo e travar a necessária luta por teto, trabalho e terra, sem amarras com governos ou partidos da ordem.

O Papel e os Desafios do MPL

  1. O MPL está presente nos estados de Mato Grosso do Sul (MS), Paraná (PR), São Paulo (SP), Alagoas (AL) e Bahia (BA), além de manter contato em outros cinco estados. O movimento organiza cerca de 7 mil famílias sem teto e sem terra, lutando pela dignidade e justiça social.
  2. Para enfrentar os desafios colocados pelo capitalismo, o MPL precisa avançar em sua estruturação orgânica, fundamentada nos princípios organizativos defendidos por Lenin. Em “O Que Fazer?”, Lenin destacou a importância de um movimento disciplinado, centralizado e orientado estrategicamente. Inspirado por essa experiência histórica, o MPL deve organizar coordenações em todos os acampamentos e assentamentos, com reuniões periódicas para debater os rumos do movimento. Além disso, é indispensável que existam coordenações estaduais, responsáveis por estruturar o trabalho em cada estado, e uma coordenação nacional que se reúna ao menos trimestralmente para traçar diretrizes e ações conjuntas.
  3. É necessário fortalecer a comunicação do MPL, pois ela é o elo que conecta o movimento às massas, potencializa nossas lutas e expõe as contradições do sistema. Além disso, nossa coluna de quadros dirigentes deve focar em uma jornada de formação política e prática, capacitando a militância para conduzir as próximas etapas da luta.
  4. É importante também pontuar que o governo federal não tem compromisso sério com a reforma agrária e a reforma urbana, permanecendo refém de práticas que já se mostraram ineficazes, como a cooptação de lideranças e a promoção de seminários em Brasília que geram poucas mudanças concretas. O relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) alerta há décadas que, sem orçamento, prazos e terras destinadas a essas políticas, os conflitos no campo não serão reduzidos.
  5. A verdadeira transformação só será possível com independência de governos e partidos da ordem. Lideranças comprometidas com a luta precisam debater a criação de espaços de unidade, evitando que o setor adesista ao governo sufoque a resistência popular. O debate sobre a reforma agrária e urbana deve ser feito nas ruas, com ações diretas que desafiem o latifúndio e dividam a terra para o povo, rompendo as estruturas de poder que perpetuam a desigualdade.
  6. Como parte desse processo, o MPL precisa planejar e executar jornadas de debates no primeiro semestre de 2025 voltadas para a acumulação interna, o fortalecimento das nossas colunas de quadros e a articulação com organizações independentes que tenham disposição de luta para a construção de unidade de lutas. Esses seminários devem reafirmar a importância da ação direta como meio de avançar demandas e unir forças populares.
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Conclusão

  1. O capitalismo do século XXI insiste em aprofundar desigualdades, devastar o meio ambiente e concentrar poder e riqueza nas mãos de uma elite bilionária. Esse modelo não apenas ameaça o futuro do planeta, mas compromete a dignidade de milhões de pessoas. A crise climática, o avanço de governos reacionários como o de Trump e a submissão de governos como o de Lula aos interesses das elites mostram que não há saída dentro das estruturas do sistema atual.
  2. Para o MPL, a luta por teto, terra e trabalho exige uma organização sólida e independente, inspirada nos princípios de Lenin, com coordenações locais, estaduais e nacionais articuladas e atuantes. O próximo período será de grandes desafios, e o movimento deve fortalecer sua comunicação, investir na formação de seus quadros dirigentes e realizar jornadas de debates no primeiro semestre de 2025 para enfrentar as contradições do sistema com ações diretas e mobilização massiva.
  3. O Marxismo não é um dogma, mas um guia para a ação. A prática do MPL é fundamentada na luta de classes, com o objetivo de fazer a revolução e construir o socialismo. Como movimento social que luta por terra, teto, trabalho e liberdade, o MPL reconhece a importância de preservar sua autonomia em relação a partidos e governos. No entanto, também compreendemos que nossa luta não pode ser isolada e precisa contar com aliados entre as mais variadas organizações da classe trabalhadora. Por isso, é necessário construir alianças e pactos táticos com diferentes forças sociais e políticas, sempre com o objetivo de fortalecer a mobilização popular e avançar nossas pautas.
  4. Ainda assim, reafirmamos que nossa unidade programática com o Movimento de Esquerda Socialista (MES) possui um caráter estratégico. Essa aliança vai além de uma simples convergência pontual, sendo uma parceria fundamentada na construção de um projeto revolucionário comum. Reconhecemos o PSOL como um partido que queremos ajudar a consolidar como ferramenta central da luta de classes. Somente com essa articulação estratégica será possível derrotar a burguesia, tomar o poder político e pavimentar o caminho para uma sociedade socialista. Assim, o MPL reafirma sua disposição em construir pontes, mas também em manter a clareza sobre os compromissos de longo prazo que sustentam nossa luta.
  5. A alternativa à barbárie capitalista é o socialismo. A luta por uma sociedade justa, sustentável e solidária deve estar no centro da agenda de todos aqueles comprometidos com o futuro da humanidade. O tempo de resistir e avançar é agora. O MPL reafirma seu compromisso com a organização popular e com a construção de um mundo em que a dignidade seja um direito e não um privilégio.

Coordenação Nacional do MPL
28 de janeiro de 2025


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Pedro Micussi