Ocupação indígena no Pará completa duas semanas
Mais de 500 integrantes de 14 etnias ocupam a Secretaria de Educação contra mudanças no modelo educacional das comunidades tradicionais
Foto: Fernanda Cabral
Nesta terça-feira (28), os povos indígenas do Pará completaram 14 dias de ocupação no prédio da Secretaria de Educação do Pará (Seduc), em Belém. Com coragem e determinação, mais de 500 representantes de ao menos 14 comunidades indígenas exigem a revogação da lei nº 10.820/2024, que modifica o Sistema Modular de Ensino (Some), inclusive o Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), e a exoneração do atual secretário de Educação do Pará, Rossieli Soares.
A mobilização dos povos originários reflete a resistência contra possíveis retrocessos que ameaçam os avanços conquistados na educação escolar indígena – bem como de quilombolas e ribeirinhos. Apesar das promessas do governo estadual de manter as aulas presenciais nas comunidades indígenas, os manifestantes denunciam que, na prática, as mudanças impostas pela nova legislação resultariam na substituição do ensino presencial por aulas à distância ou em áreas urbanas, prejudicando o acesso ao ensino e comprometendo o aprendizado nas aldeias.
A Lei 10.820/2024
Sancionada em dezembro, a lei estadual 10.820/2024 estabelece normas para o magistério público estadual, incluindo o plano de cargos, carreiras e a jornada de trabalho. No entanto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aponta que as alterações promovidas pela lei ameaçam a continuidade da educação escolar indígena. Um dos principais pontos de crítica é a substituição do ensino presencial por modalidades online em regiões remotas, o que inviabiliza a educação adaptada às especificidades culturais e geográficas das comunidades indígenas.
A resistência indígena
Há duas semanas, iniciou-se um impasse entre as comunidades indígenas e o governo Helder Barbalho (MDB). Na tentativa de solucionar o conflito, uma reunião foi promovida pelo governo na última terça-feira (24). Contudo, o movimento indígena criticou a falta de diálogo efetivo durante o encontro. Segundo os manifestantes, o governo tem ignorado as demandas dos povos originários e tomado decisões unilaterais que impactam diretamente suas vidas.
Durante a reunião, o secretário substituto da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart), Uilton Tuxá, anunciou que dois representantes do movimento indígena participariam das discussões, mas isso não ocorreu. A falta de inclusão no debate reforçou a insatisfação das comunidades indígenas e fortaleceu a mobilização.
Nesta segunda-feira (27), a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, esteve na Seduc, em Belém, na tentativa de alinhavar reabertura de negociações com Helder Barbalho.
As perdas em jogo
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 2, a lei 10.820/2024 precariza uma série de avanços conquistados pela educação escolar indígena. O Somei, que leva professores não indígenas para dar aulas presenciais nas comunidades do interior, é um exemplo emblemático das conquistas ameaçadas. A transformação das aulas presenciais em virtuais não apenas compromete o aprendizado, mas também desconsidera a realidade das aldeias e a importância de uma educação que respeite os saberes tradicionais.
“Essa lei representa uma ameaça significativa aos direitos e interesses dos povos indígenas do Brasil. É crucial destacar a perda de autonomia que a lei implica. Ela impõe um modelo educacional padronizado que não respeita a rica diversidade cultural e linguística dos povos indígenas. A autonomia na gestão educacional é vital para que as comunidades possam ensinar e preservar suas tradições, línguas e saberes, elementos essenciais para a identidade e continuidade de suas culturas.”, diz nota da organização.
Além disso, a legislação promoveria um desrespeito cultural flagrante ao permitir a imposição de uma cultura dominante sobre as indígenas.
“Este tipo de política educacional ignora a importância da língua materna, um pilar fundamental na transmissão de valores e conhecimentos entre gerações. Assim, a educação que deveria ser um espaço de valorização e fortalecimento das culturas indígenas, tem sido transformada de homogeneização cultural”, argumenta o Cimi.
A luta dos povos indígenas do Pará é um exemplo de resistência contra medidas que desconsideram suas necessidades e direitos. Determinados a proteger a educação de suas comunidades, os manifestantes permanecem firmes, evidenciando sua garra e disposição para impedir retrocessos. Para eles, a educação escolar indígena é mais que um direito; é uma ferramenta fundamental para preservar suas culturas e garantir um futuro digno para as novas gerações.