A Margem Equatorial e o suicídio ecológico do Brasil
Assine o abaixo assinado contra a exploração de petróleo na Foz do Rio
Amazonas!
Este documento coletivo repudia as pressões do governo Lula para perfuração exploratória em busca de petróleo na Foz do Amazonas, atentatória ao patrimônio natural do país, e defende a rápida redução da produção e consumo de combustíveis fósseis, conforme compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Em 2024, sofremos um aquecimento médio global superficial, terrestre e marítimo combinados, de 1,55 oC acima do chamado período pré-industrial (1850-1900). Trata-se de um aquecimento sem precedentes na história das civilizações humanas e, provavelmente, nos últimos 125 mil anos. O sistema econômico globalizado movido a combustíveis fósseis e a desmatamento está provocando o início do sexto evento de extinção em massa de espécies nos últimos 445 milhões de anos. Em 2022, o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) admitiu: “A extensão e magnitude dos impactos das mudanças climáticas são maiores do que as estimadas nas avaliações anteriores”. A aceleração do aquecimento é inequívoca. Demorou quase um século (1920-2015) para o aquecimento atingir 1 oC acima do período 1850-1900. Mas em apenas 10 anos (2015-2024) atingimos 1,55 oC, com um salto de 0,4 oC nos últimos dois anos!
Eis duas certezas científicas que governantes e governados no Brasil não têm mais o direito de ignorar ou desconsiderar: (1) a viabilidade do nosso país requer abandonar os combustíveis fósseis, zerar os incêndios florestais, o desmatamento e as emissões da agropecuária, bem como um esforço de guerra para restaurar a manta vegetal nativa do país, perdida ou degradada nos últimos decênios; (2) cada décimo de grau a mais de aquecimento torna o planeta mais insalubre, mais adverso e mais letal para todos nós, humanos e não humanos.
Não podemos tampouco ignorar uma terceira certeza científica: o Brasil é um país extremamente vulnerável à emergência climática. Lar de uma riqueza biológica sem igual, em seu território situa-se a maior parte da maior floresta tropical do planeta. Ocorre que desde 1970 extensões imensas da área original da floresta amazônica já foram destruídas sobretudo pelo agronegócio: 37% de sua parte leste e pelo menos 21% da floresta como um todo no território brasileiro. Mais de 50% da área do Cerrado e 43% da Caatinga já não existem mais. E boa parte do que ainda resta dessas florestas já foi degradada pela atividade agropecuária. Mantida a trajetória atual, boa parte da região equatorial brasileira se tornará inabitável antes do final do século.
Nossas florestas são fontes de estabilidade do clima, de proteção da biodiversidade, de água e de refrigeração da atmosfera. O desmatamento acelera o aquecimento e ambos perturbam gravemente os ciclos hidrológicos do país, intensificando as secas. Na Amazônia, secas que aconteceriam a cada cem anos repetiram-se com intensidade crescente em 2005, 2010, 2015-2016 e 2023-2024, ameaçando a resiliência da floresta. As secas estão expandindo a área do semiárido no Nordeste e já fizeram surgir uma primeira zona árida, em um rápido processo de desertificação. Aquecimento e perda florestal combinados geram também chuvas intensas e inundações catastróficas. Em 2011, as chuvas na região serrana do Rio de Janeiro provocaram deslizamentos de terra classificados pela ONU como o 8º maior deslizamento mundial dos últimos 100 anos. Em 2022 e 2023, inundações devastaram Petrópolis, Recife e o litoral norte de São Paulo. Em 2024, as inundações no Rio Grande do Sul foram sem precedentes. Além disso, a elevação do nível dos oceanos já está afetando os 279 municípios brasileiros defrontantes com o mar, 12 dos quais capitais de estado. No Rio, o nível do mar se elevou 13 cm entre 1990 e 2020 e pode se elevar mais 21 cm até 2050. Em Santos, essa elevação pode ser de até 27 cm até 2050. O IPCC avalia que Recife ocupa a 16ª posição no ranking mundial das cidades mais vulneráveis às mudanças climáticas. Segundo a Confederação Nacional de Municípios, 94% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade pública entre 2013 e 2024.
E eis uma quarta certeza científica: estamos no início da curva ascendente desses impactos. Contê-los em níveis compatíveis com nossa capacidade de adaptação deve ser, portanto, nossa prioridade absoluta. O consumo dos combustíveis fósseis já explorados atualmente implicará aumento de 40% das emissões de gases de efeito estufa até 2050. Iniciar novas explorações desses combustíveis gerará ainda maior aquecimento. Além disso, explorar petróleo justamente na foz do Amazonas é algo que atinge as raias da estupidez! Ali estão as maiores áreas de manguezais do mundo e enorme riqueza de recifes de corais (mais especificamente, recifes de rodolitos, igualmente agregadores de biodiversidade), de peixes, mamíferos marinhos e aves migratórias. Mensurações aéreas realizadas pelo Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE mostraram enorme absorção de CO2 atmosférico pelo fitoplâncton que se concentra nessa região, alimentado pelos sedimentos trazidos pelo grande rio. O fitoplâncton é nosso aliado na contenção do aquecimento!
O IBAMA classificou a exploração de petróleo nessa região como de “risco máximo”, com 18 impactos negativos, quatro dos quais de alta magnitude. Fortíssimas correntes marítimas nessa região aumentam o risco de vazamentos de petróleo e tornam impossível limitar a tempo a destruição da vida marinha, dos litorais e dos corais que apenas ali existem. Em apoio ao IBAMA, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA) enviou ao presidente Lula uma mensagem clara: “O IBAMA é um órgão de Estado, cuja missão é a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais do Brasil”. Atropelar o IBAMA, inaugurar termoelétricas a gás “natural” fóssil em série ou dizer que mais petróleo pode viabilizar a “transição energética” é inaceitável. E é puro cinismo. Um documento do Ministério das Minas e Energia (2023) revela as reais ambições do governo: “O Brasil produz, atualmente, três milhões de barris de petróleo por dia. A expectativa é de que este número chegue a 5,4 milhões até 2029, com expectativa de se tornar o 4º maior produtor de petróleo do mundo – com 80% destes recursos vindos do pré-sal”.
Mais petróleo, na Amazônia ou alhures, é o caminho mais curto para nosso suicídio ecológico. Em emissões acumuladas desde 1850, o Brasil é o quarto país mais emissor de gases de efeito estufa no mundo, sobretudo por causa da destruição de nossas florestas. Em emissões atuais é o sexto. Estamos, em todo o caso, entre as maiores vítimas globais dessas emissões. Liderar a COP30 em Belém requer sair da OPEP+ e reduzir em 92% nossas emissões até 2035 em relação aos níveis de 2005, como propõe o Observatório do Clima, de modo a atingir emissões líquidas zero até 2040, como, de resto, o próprio presidente Lula defendeu na última reunião do G20. Não queremos e não podemos arcar com as consequências fatais de concepções anacrônicas e anticientíficas que ainda associam petróleo a desenvolvimento. O que está em jogo é a perda de habitabilidade de latitudes crescentes do Brasil e do planeta como um todo.
Tanto em termos biológicos quanto em termos civilizacionais, o Brasil é um país megadiverso e tem plenas condições de oferecer desenvolvimento social genuíno a todos, desde que não se torne um Petroestado. É inadiável entender que desenvolvimento genuíno nada tem a ver com crescimento do PIB ou aumento do consumo energético, especialmente de combustíveis fósseis, os quais, como a ciência demonstra há mais de meio século, estão condenando o planeta a um colapso climático potencialmente irreversível.
Endossam esse documento, inicialmente, os nomes abaixo listados em ordem alfabética:
Adilson Vieira. Sociólogo. Coordenação da Rede de Trabalho Amazônico, Conselheiro do Fundo Amazônia
Dom Adolfo Zon Pereira, Bispo de Alto Solimões (AM)
Dom Adriano Ciocca, Bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT)
Alcidema Magalhães – professora da UFPA, geógrafa, coordenadora do Comitê Dorothy e integrante do Instituto Socioambiental Casa Amazônia.
Alexandre Araújo Costa, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
Alice Gabino, Coordenadora do Movimento Amazônia na Rua (PE)
Allan Coelho, Teólogo e Professor Universitário
Ana Laura Oliveira, Coordenadora da Rede Emancipa de Educação Popular
Ana Paula Santos, Diretora de Universidades Públicas da UNE
Antonia Cariongo, liderança do Quilombo Cariongo (Santa Rita/MA)
Antonio Donato Nobre, Professor do Programa de Doutorado em Ciência do Sistema Terrestre do INPE
Bruno Magalhães, Coordenador da Rede Emancipa de Educação Popular
Camila Valadão, Deputada estadual (PSOL-ES)
Carlos Bocuhy, Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM)
Carlos Minc, ex-Ministro do Meio Ambiente
Carlos Nobre, Instituto de Estudos Avançados (USP), membro da Academia Brasileira de Ciências
Chico Whitaker, “Prêmio Nobel Alternativo” da Right Livewood Award, conferido pelo Parlamento Sueco
Claudio Angelo, Jornalista
Clóvis Cavalcanti, Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco)
Coletivo 660
Christiane Neme Campos, Professora Associada, Depto. de Teoria da Computação, Instituto de Computação, Unicamp
Cristina Serra, Jornalista e escritora
Daniel Seidel, secretário executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP)
Pe. Dario Bossi, Assessor da CNBB
Dinamam Tuxá, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e APOINME
Eduardo Viveiros de Castro, Antropólogo, Professor Titular da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências
Emília Wanda Rutkowski, Professora Titular, FECFAU, Unicamp
Dom Erwin Krautler, Bispo emérito do Xingu
Déborah Danowski, Professora Emérita da PUC-Rio e pesquisadora do CNPq
Fernanda Melchionna, Deputada Federal (PSOL)
Dom Flávio Giovenale, Bispo de Cruzeiro do Sul (AC)
Francisco Cardoso Guedes Neto, Secretaria de Estado de Educação (RJ) e Secretaria Municipal de Educação (RJ)
Gabriel “Biologia”, Vereador (PSOL Fortaleza), biólogo e mestre em ecologia
Gabriela Castellano, Professora do Instituto de Física Gleb Wataghin, Unicamp
Dom Gabriele Marchesi, Bispo de Floresta (PE)
Dom Gilberto Pastana, Presidente da Comissão para a Amazônia da CNBB e Arcebispo de São Luís (MA)
Dom Giovane Pereira de Melo, Bispo de Araguaína (TO)
Dom Guilherme Antônio Werlang, Bispo de Lages (SC)
Gustavo Goulart Moreira Moura, Professor do curso de Oceanografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará
Helena Falkenberg Marques, Jovens pelo Clima (DF)
Heloise Rocha, Grupo Consciência Indígena (GCI) e Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Pará (SINTEPP)
Jackson Pinheiro, Professor da Faculdade de Biologia da UFPA
Janaína Uemura, Ação Educativa, Coletivo 660
João Pedro de Paula, Diretor de Assistência Estudantil da UNE
José Abílio Barros Ohana, biólogo, Casa Amazônia
Jorge Abrahão, Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis
José Acácio de Barros, San Francisco State University, Membro correspondente da Academia Brasileira de Filosofia
José Correa Leite, Professor Universitário, Assembleia Mundial da Amazônia (AMA)
José Eustáquio Diniz Alves, Pesquisador aposentado do IBGE
Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, Bispo do Marajó (PA)
Dom José Luís Ferreira Salles, Bispo de Pesqueira (PB)
Juliane Cintra, Ação Educativa, Coletivo 660
Jussara Marques de Miranda, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, Bispo de Colatina (ES)
Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ
Liszt Vieira, Advogado e sociólogo, membro do Conselho da Associação Terrazul
Luana Alves, Vereadora (PSOL São Paulo)
Lucia Mendes, Coordenadora do Fórum em Defesa das Águas, do Meio Ambiente e do Clima (DF)
Luciana Gatti, Coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE
Luciana Genro, Deputada Estadual (PSOL-RS)
Dom Lúcio Nicoletto, Bispo de São Félix do Araguaia (MT)
Dom Luiz Fernando Lisboa, Bispo de Cachoeiro de Itapemirim (ES)
Dom Luiz Gonzaga Fechio, Bispo de Amparo (SP)
Luiz Marques, Professor aposentado colaborador do Depto. de História da Unicamp
Maike Kumaruara, Grupo Consciência Indígena (GCI) e Movimento Negro Unificado (MNU)
Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio (PR)
Manuela Carneiro da Cunha, Antropóloga
Manuela Picq, cientista política
Márcio Wagner – Professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFPA
Maria Inês Ladeira, Antropóloga, Centro de Trabalho Indigenista
Mariana Conti, Vereadora (PSOL Campinas)
Mariana Riscali, Diretora Executiva Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
Marijane Lisboa, Professora da PUC-SP
Mary Caroline Ribeiro – Coordenadora Geral do Sindtifes-PA e Diretora da Fasubra.
Mauri Cruz, Instituto de Direitos Humanos (IDhES)
Mauro William Barbosa de Almeida, Antropólogo
Max Costa, Doutorando NAEA/UFPA, Coordenador da Casa Amazônia e editor da Revista Socioambiental Jatobá
Michael Löwy, Diretor de Pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, Paris
Moema Miranda, Sinfrajupe, Assessora da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB
Mônica Seixas, Deputada estadual (PSOL-SP)
Nadia Farage, Antropóloga, Professora aposentada da Unicamp
Oded Grajew, Presidente emérito do Instituto Ethos
Patrícia Valim, Professora Universidade Federal da Bahia (UFBA)/RBMC/Manifesto Coletivo
Paulino Montejo, Assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Paulo Santilli, Antropólogo, Professor aposentado da Unesp
Dom Pedro Brito Guimarães, Arcebispo de Palmas (TO)
Pedro Ivo Batista, Coordenação Nacional do FBOMS e Conselheiro do Conama
Frei Pedro Nelto Alves Lima, OFM, Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)
Professor Josemar, Deputado Estadual (PSOL-RJ)
Dom Raimundo Vanthuy Neto, Bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM)
Dom Reginaldo Andrietta, Bispo de Jales (SP)
Regio dos Santos Gomes, Chefe de Serviço do Instituto de Radioproteção e Dosimetria
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM, Rede Igrejas e Mineração
Dom Roque Paloschi, Bispo de Porto Velho (RO)
Renata Moara, Diretora de Meio Ambiente da UNE
Renato Cunha, Coordenador Executivo do Gambá, Grupo Ambientalista da Bahia
Ricardo Dahab, Professor Titular, Depto. de Teoria da Computação, Instituto de Computação, Unicamp
Ricardo Galvão, Membro da Academia Brasileira de Ciências, ex-diretor do INPE, presidente do CNPq
Roberto Robaina, Vereador (PSOL Porto Alegre)
Rubens Harry Born, Engenheiro, advogado ambientalista, diretor da Fundação Esquel, conselheiro do CONAMA
Ruth Almeida – Professora do Instituto Socioambiental e dos Recursos Hídricos da Ufra
Sabine Pompeia, Professora do Depto. de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, Unifesp
Salete Valesan, Coletivo 660
Sâmia Bomfim, Deputada Federal (PSOL)
Sérgio Haddad, Professor aposentado, coordenador de projetos especiais da Ação Educativa
Sheila Vilhena, Professora da Faculdade de Biologia da UFPA
Sila Mesquita Apurinã, Teóloga, Filósofa e Coordenadora Nacional da Rede de Trabalho Amazônico (RGTA)
Simone Romero, Vice-presidenta do Sindicato dos Jornalistas do Pará
Stella Araujo Sette, Coletivo 660
Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, ex-Presidente do IBAMA
Thalita Veronica Gonçalves e Silva, Defensora Pública do Estado de São Paulo (DPESP)
Dom Vicente Ferreira, Presidente da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB.
Vivi Reis, Vereadora (PSOL Belém)
Vladimir Safatle, Professor do Depto. de Filosofia da USP
Dom Zenildo Lima da Silva, Bispo auxiliar de Manaus (AM)