E lá se vão quase dois séculos da publicação de um panfleto agitativo
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E lá se vão quase dois séculos da publicação de um panfleto agitativo

Notas sobre o Manifesto Comunista e de Marx e Engels na Revolução de 1848

Ruan Debian 22 fev 2025, 08:00

Foto: Reprodução

E lá se vão quase dois séculos da publicação de um panfleto agitativo, contando em sua primeira edição com apenas 23 páginas, que entrou para história como O Manifesto Comunista. O peso dessa obra é incalculável! Quem se debruça sobre a sua escrita não consegue terminá-la a mesma pessoa, pois contagiante sentimento de se organizar contra as opressões imposta ao povo trabalhador se torna praticamente um dever ético. Sentimento, este, que inflamou gerações de comunistas no decurso do tempo.

Notas sobre o Manifesto Comunista e de Marx e Engels na Revolução de 1848

Redigidos pelos inseparáveis amigos Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto Comunista veio à luz em certo contexto histórico em que intensa efervescência tanto política quanto social caracterizava os anos 40 do século XIX. Intensidade registrada por Eric Hobsbawn ao citar a fala do político Alexis de Tocqueville na Câmara francesa dos Deputados: “Estamos dormindo sobre um vulcão… Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez?” (Hobsbawn, 2017, p.31).

Os pressentimentos de Tocqueville não eram sensações advindas do alto, mas lucidez da realidade concreta, pois pouquíssimo tempo depois, não somente a terra tremeu, mas “palácios” com seus reis desmoronaram. Com tradição de revolta popular, o povo francês descoroou Luís Filipe I em 24 de fevereiro de 1848, sua queda resultou na instauração da segunda Repúlica na França. Entre os dias 2 e 18 de março daquele ano os ares revolucionários chegaram no sudoeste alemão, na Bavária, Hungria, Milão, Itália (ibid.). Com intensidade antes nunca vista, aqueles ventos insurgentes não se restringiram apenas ao velho continente, pois seus ideais cruzaram os oceanos e exerceu importante influência no levante Pernambucano de 1848, intitulado Insurreição Praieira (Schwarcz e Starling, 2014).

Naquele momento, devido a expulsão da França recorrente a perseguição política de Guilherme IV e de Luiz Filipe I, a família Marx experienciava o exílio na Bélgica em companhia de Engels. Ao tomarem conhecimento dos processos revolucionários na Alemanha, imediatamente se mudaram para Colônia e se uniram à Associação Democrática para lutarem pela emancipação da classe trabalhadora (Lowy, 2023). Engels foi além da palavra, pegou em armas e compôs os frontes de batalhas nos levantes iniciados em 1848. Tais atitudes de unidade com outros operários, mesmo não sendo comunistas, estão em consonância com o conteúdo redigido pouco tempo antes no Manifesto quando afirmam que “Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários. Não têm interesses diferentes dos interesses do proletariado em geral” (Marx e Engels, 2010).

Em Colônia, os autores do Manifesto Comunista publicaram por mais de um ano a Nova Gazeta Renana com intuito de unificar setores progressistas contra as forças contrarrevolucionárias burguesas e monárquicas. Porém a Associação Democrática traiu a luta e foi coaptada pelos grupos reacionários, em resposta Marx e Engels desempenharam esforços na construção da Associação Operária de Colônia (Lowy, 2023). Obviamente que eles não estavam sozinhos! Os escritos do operário Friedrich Lessner chegam a ser emocionantes, assim escreveu:

Em 1848, após a eclosão da revolução, surgiu a Nova Gazeta Renana […] com a colaboração de diversos membros da Liga dos Comunistas e democratas convictos. Fui naquela época de Londres a Colônia e fiz tudo o que estava a meu alcance para ajudar nossos camaradas na divulgação e na propaganda dos periódicos. Em todos os lugares em que trabalhei,eu distribuía a Nova Gazeta Renana e frequentemente lia em voz alta, durante a jornada de trabalho, os artigos jornalísticos, que eram, na maioria das vezes, recebidos com entusiasmo pelos trabalhadores […] (Lessner, p.91, 2019, grifo nosso).

Esse parágrafo mostra que Marx e Engels faziam parte de uma organização composta por inúmeros militantes. Estes foram homens e mulheres os quais partilhavam o real sentimento na construção de um porvir verdadeiramente justo, ou seja, socialista. Infelizmente, como é sabido, a revolução de 1848 não triunfou e vários governos autoritários foram restaurados (Hobsbawn, 2017). Muitos insurgentes se exilaram, entre eles Marx e Engels que imigraram para Londres, mas nem todos tiveram a mesma sorte. Punições contra os revolucionários foram aplicadas, como relata o próprio Lessner sobre sua prisão em 1851 e a condenação sofrida no processo dos comunistas de Colônia que lhe custou mais três anos de reclusão (Lessner, 2019).

Em seu artigo escrito dez anos após a morte de Karl Marx, em 1893, Lessner lembra os esforços desprendidos pelo autor d’O Capital em solidariedade aos condenados no processo dos comunistas de Colônia. O relatório desenvolvido por Marx, conhecido como Revelações sobre o processo dos comunistas de Colônia, escancarou que muitas provas eram forjadas e os meios de consegui-las eram contra as leis vigentes. Esse documento produzido contribuiu na absolvição de quatro acusados (Ibid.)1.

Já exilado em Londres, cidade que faleceria em 14 de março de 1883, Marx seguiu acompanhando as contradições lutas ocorridas na França cujo desfecho seria a eleição de Napoleão III. Dessas análises, emerge o clássico livro O 18 Brumário de Luiz Bonaparte, obra impecável metodologicamente sobre o rigor dos fatos através do materialismo histórico-dialético.

Em 1850, junto com Engels e seus camaradas, rompe com setores da Liga dos Comunistas cuja construção na capital inglesa centralizava na Associação Educacional dos Trabalhadores Comunistas. O racha ocorre, pois parte da Associação agitava as bases para intervenções revolucionárias nutrindo-as à falsa concepção que a revolução estava na ordem do dia, enquanto que para Marx, e a história lhe deu razão, naquele momento ela estava perdida. Eis aqui outra concordância com o próprio Manifesto Comunista, pois os comunistas não se agitam apenas por empolgação, contudo são motivados pelo programa do partido respaldado pela análise teórica da realidade, em outras palavras, sem aventurismo momentâneo (Marx e Engels, 2010).

Não resta dúvida alguma que as experienciações tanto de Marx quanto de Engels nos processos revolucionários ocorridos em 1848 proporcionaram um salto qualitativo, seja no quesito político, seja no sentido teórico. Eis a práxis (teoria e prática) revolucionária marxista manifestada, em seu momento histórico, tanto no Manifesto Comunista como na Primavera dos povos. Contudo, sempre é bom ressaltar que partes desse notório livro não são mais aplicáveis nos dias de hoje, pois, lamentavelmente, os ares não são os mesmos de 1848. Mas nos interessa perceber, e isto é sempre importante frisar, que parte considerável do Manifesto Comunista nunca estarão obsoletas enquanto o capitalismo existir.

Portanto, podemos concluir deste singelo texto duas conclusões em torno dos autores do Manifesto Comunista: 1°) Não eram teóricos de gabinetes que apenas se preocupavam com a teoria; 2°) Possuíam profunda paixão pela classe trabalhadora e lutavam por amparar todos aqueles que defendiam as causas dos oprimidos, como mencionado o processo dos comunistas em Colônia. Em que pese todas lições encontradas no Manifesto Comunista, considero esta a mais importante e, me atrevo a dizer, é a fórmula para derrotarmos o Capital:

Trabalhadores de todo Mundo,uni-vos!

Referências

HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

LOWY, Michel. Marx, esse desconhecido. São Paulo, Boitempo, 2023,

MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

Marx pelos marxsitas / Friedrich Engels… [et.al]; organização André Albert. – 1. Ed. – São paulo: oitempor, 2019.

Nota

  1. Tal citação se encontra na nota de rodapé de número 6, na própria página 91. ↩︎

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