Negligência e superfaturamento: como falhas da prefeitura podem ter ampliado a crise da dengue em SP
Falta de em armadilhas, suspeitas de superfaturamento e falta de fiscalização colocam São Paulo no epicentro da pior epidemia de dengue do país, com mais de 77% das mortes registradas em 2025
Foto: Agência Brasil
Três em cada quatro mortes por dengue registradas no Brasil em 2025 ocorreram no estado de São Paulo. Conforme dados do painel de monitoramento do Ministério da Saúde, este ano foram registrados 338.822 casos prováveis de dengue e 131 mortes confirmadas. Destas, 102 aconteceram em São Paulo, o que representa 77,86% do total nacional. Há ainda 331 óbitos sob investigação. A Secretaria de Saúde de São Paulo, no entanto, já confirma 104 mortes, diferença atribuída ao tempo de atualização entre os sistemas estaduais e federais.
E a prefeitura de São Paulo pode ter colaborado com essa situação devastadora. A Controladoria Geral do Município (CGM) abriu, em 22 de janeiro, uma sindicância sigilosa para apurar possíveis irregularidades no uso de armadilhas contra a dengue, segundo documentos obtidos pela Agência Pública. Há suspeitas de que a falta de manutenção desses dispositivos possa ter transformado as armadilhas em focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti, potencializando o aumento dos casos durante a pior epidemia de dengue já registrada na cidade.
A CGM apurou que a prefeitura levou, em média, sete meses para substituir o veneno nas armadilhas contra a dengue, desconsiderando as orientações do fabricante, que recomendava a troca em até quatro semanas. A própria Secretaria Municipal de Saúde havia estipulado um prazo máximo de três meses para a substituição. Negligenciada, a armadilha para os mosquitos se torna um criadouro do vetor da dengue.
“Esse tipo de absurdo acontece porque não tem profissionais da Vigilância Sanitária em Saúde em número suficiente. Inclusive, do último concurso que teve, ainda falta gente para convocar. A gente já tomou várias medidas e o Ricardo Nunes ainda não chamou todos os aprovados, inclusive os da própria vigilância”, denunciou a vereadora Luana Alves (PSOL).
A prefeitura realizou apenas 50,8 mil visitas às armadilhas contra a dengue entre 5 de janeiro de 2023 e 17 de junho de 2024, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Isso equivale a uma média de apenas 2,5 vistorias por armadilha em 18 meses — ou seja, cerca de uma visita a cada sete meses. O número está muito aquém do recomendado pelo próprio fabricante, que orienta inspeções mensais, e da Secretaria de Saúde, que estipulava um intervalo máximo de três meses entre as trocas de veneno.
O descaso levanta sérias preocupações sobre a eficácia do programa de combate à dengue. A CGM afirmou em nota que irá realizar uma série de ações para apurar se “a discrepância entre os prazos definidos pelo fabricante e os efetivamente praticados (média de sete meses) pode ter causado o efeito inverso, ou seja, a proliferação de mosquitos em vez de sua eliminação”. Algumas das medidas a serem tomadas estão a inspeção in loco busca de há larvas ou pupas vivas do mosquito.
Suspeita de superfaturamento
A investigação teve início após reportagens da Agência Pública denunciarem a compra de armadilhas com indícios de superfaturamento de uma empresa comandada por uma pessoa próxima ao prefeito Ricardo Nunes (MDB). As armadilhas foram compradas por R$ 400 cada, enquanto a Fiocruz oferecia dispositivo semelhante por R$ 10 a unidade. A prefeitura desembolsou R$ 19 milhões na compra dos equipamentos.