Congresso da IV Internacional: tomando a medida da crise do capitalismo
Sobre o 18º Congresso Mundial da IV Internacional, realizado na Bélgica no fim de fevereiro de 2025
Foto: Esperando o início do Congresso. (IV Internacional)
O 18º Congresso Mundial da IV Internacional foi realizado na Bélgica no final de fevereiro, sete anos após o anterior. Ele proporcionou uma oportunidade para uma discussão aprofundada sobre a crise global e multifacetada do capitalismo, em especial o aumento das tensões e do militarismo, e as respostas a serem dadas, em especial com a adoção de um manifesto ecossocialista.
Na abertura do Congresso, o orador da direção cessante lembrou que, desde o congresso anterior, em 2018, houve grandes reviravoltas no mundo – Covid, guerras, revoltas, ascensão da extrema direita, aprofundamento da crise ecológica – que nos confrontaram com novos e difíceis desafios. A interrupção forçada de muitas atividades militantes, especialmente em nível internacional, imposta a nós pela pandemia de Covid, tornou a preparação deste congresso particularmente desafiadora, pois o longo processo de discussão e intercâmbio internacional necessário para uma discussão coletiva e multilíngue começou quando ainda só podíamos nos encontrar on-line.
Foram prestadas homenagens a todos os companheiros que perdemos devido à pandemia, à violência da extrema direita, principalmente nas Filipinas e no Brasil, às guerras, especialmente na Ucrânia, e aos companheiros forçados ao exílio, principalmente em Hong Kong e na Rússia.
Em particular, o Congresso lembrou-se daqueles que estiveram intimamente associados à liderança da Quarta Internacional e que morreram desde 2018: a ex-candidata à presidência e ativista anticolonial Helena Lopes da Silva (Portugal), Tito Prado, líder do Súmate do Peru, Alain Krivine, o mais conhecido Quarto Internacionalista da França, Rosario Ibarrez, candidata à presidência e ativista de direitos humanos do México, Marijke Colle, ecologista e ativista feminista de destaque em nossas fileiras na Bélgica, Hugo Blanco, uma lenda do movimento camponês andino, Neil Wijethilaka, líder sindical e dirigente no Sri Lanka, Ahlem Belhadj, líder feminista de renome nacional na Tunísia e Stálin Pérez Borges, líder sindical e político na Venezuela. O Congresso homenageou o notável líder da IV e economista marxista Ernest Mandel, que faleceu em 1995, há apenas trinta anos.
Cerca de 150 camaradas – delegados, membros da direção cessante, representantes de organizações simpatizantes, Observadores Permanentes e convidados – representando 42 países e 60 organizações, reuniram-se para cinco dias e meio de discussões intensas.1 Todos contribuíram para as discussões, proporcionando uma visão ampla da situação mundial.
Os participantes representavam uma ampla gama de idades: enquanto apenas 8% tinham menos de 30 anos, quase 50% tinham menos de 50 anos; mais da metade era ativista há menos de 20 anos. Isso mostra uma renovação bem-vinda de nossos ativistas.
Uma campanha militante em torno do Manifesto pela Revolução Ecossocialista
O principal evento desse congresso é, portanto, a adoção de um manifesto para a revolução ecossocialista, que aborda a escala da crise do sistema, os slogans anticapitalistas a serem usados para enfrentar essa catástrofe em andamento e os elementos de um projeto para a sociedade. O Manifesto mostra o atual impasse do sistema, já que as guerras e a crise climática colocam o mundo inteiro em uma situação aterrorizante e destrutiva que só pode ser interrompida por uma revolução que derrube o modo de produção e inicie transições fenomenais em todas as áreas. Em particular, o Manifesto propõe confrontar a pilhagem do planeta e dos seres humanos em particular, enfatizando o fato de que o 1% mais rico consome duas vezes mais CO2 do que os 50% mais pobres, o que mostra tanto a extensão em que os capitalistas capturam a riqueza quanto a possibilidade de que os seres humanos possam viver muito melhor consumindo muito menos do que hoje. O Manifesto retoma e atualiza documentos históricos do programa, como o Manifesto do Partido Comunista e o Programa de Transição. O objetivo é atacar a propriedade privada dos meios de produção, reduzir as horas de trabalho, trabalhar para a plena realização de todos, massificar o transporte público gratuito, aplicar direitos fundamentais como acesso à água, moradia, saúde etc. como parte de um projeto militante voltado para a auto-atividade e auto-organização das classes trabalhadoras.
O Manifesto abrange muitos tópicos, mas houve um debate sobre o uso ou não do termo “decrescimento”. Foi decidido por uma grande maioria que nosso objetivo é o “decrescimento global no contexto do desenvolvimento combinado e desigual”, o que significa que, em escala global, as emissões de carbono terão de ser drasticamente reduzidas, caso contrário, a vida humana estará em perigo mortal para centenas de milhões de pessoas, especialmente nos países dominados, mas que por último será necessário continuar a aumentar a capacidade de satisfazer as necessidades, seja em termos de infraestrutura ou de bens diversos.
Uma campanha ativista internacional será desenvolvida em torno desse Manifesto, que queremos divulgar e tornar amplamente conhecido, para que possa ser uma ferramenta para as lutas e para o reagrupamento das forças revolucionárias.
Uma situação internacional altamente violenta
O debate sobre a situação internacional nos permitiu abordar, além da crise global do capitalismo, a atual aceleração das relações de poder globais, que combina um reforço do caráter violento e predatório da dominação imperialista com um aumento das tensões entre as potências imperialistas. Estamos testemunhando guerras em cerca de trinta países em todo o mundo, o roubo de riquezas, uma guerra travada contra os imigrantes, ataques generalizados às classes trabalhadoras. A ascensão da extrema direita, que já chegou ao poder em muitos países, é um dos elementos desse aumento do perigo. A eleição de Trump também acelerou ainda mais a situação e as ameaças aos explorados e oprimidos. Isso foi discutido em detalhes, assim como o genocídio na Palestina e as mobilizações para as quais estamos contribuindo graças a ele, principalmente graças à presença de um delegado do Grupo Comunista Revolucionário do Líbano.
A presença de companheiros da Ucrânia e da Rússia também enriqueceu a discussão sobre a guerra na Ucrânia, que deu origem a posições diferentes. A resolução que foi adotada enfatizou a necessidade de apoiar a resistência armada e desarmada do povo ucraniano diante do ataque imperialista da Rússia de Putin, mas também diante dos ataques liberais do presidente ucraniano Zelensky, sem confiar nos imperialistas, que estão defendendo seus próprios interesses nessa guerra, como mostram as reviravoltas do governo Trump nos Estados Unidos. Portanto, apoiamos a resistência vinda de baixo e pedimos, por exemplo, o cancelamento da dívida da Ucrânia como uma das formas de lidar com o ataque russo. A resolução alternativa, que foi rejeitada, via a guerra atual essencialmente como uma guerra entre a OTAN e a Rússia e, embora também defendesse a retirada das tropas russas e o direito dos povos à autodeterminação, recusava-se a ver a luta da Ucrânia e a luta pela libertação nacional como um confronto com a Rússia.
Nenhuma posição campista, ou seja, a defesa da Rússia contra os imperialistas ocidentais, foi defendida no Congresso, mas mesmo assim o Congresso Internacional decidiu romper relações com a Socialist Action, uma organização dos EUA que defende essa posição.
Também abordamos nossa posição em relação aos governos de esquerda em todo o mundo (especialmente os chamados governos “progressistas” na América Latina), para enfatizar que os defendemos contra os ataques das classes dominantes, especialmente da extrema direita, e a necessidade de permanecermos independentes deles, especialmente quando traem as esperanças das classes trabalhadoras e suas demandas ao implementar políticas liberais, como é o caso em muitos países.
Desenvolvimento de visões comuns
Um importante documento foi adotado com relação à intervenção nos movimentos sociais e à orientação que defendemos neles. Consideramos necessário construí-los para ajudar o proletariado – em sua definição ampla – a se constituir como uma classe ativa, por meio da unidade, o que requer tanto a construção dos movimentos como eles são, com suas limitações, aprendendo com eles, quanto a defesa de nossas próprias posições, de forma respeitosa e democrática. Em particular, lutamos contra os excessos burocráticos e defendemos a auto-organização, mas também a independência do Estado, uma visão internacionalista, a luta contra a opressão, ao mesmo tempo em que levantamos a questão do poder – quem governa.
Por fim, o documento sobre a construção da Internacional trata de aspectos concretos da construção da Internacional e de suas organizações. Ele relembra o objetivo da nossa Internacional, que é “a construção de partidos revolucionários de massa e de uma Internacional revolucionária de massa” e, tendo em vista o estado complexo do mundo e a verdade das situações das organizações do movimento operário e das intervenções das seções da Internacional, o texto desenvolve propostas que devem nos permitir fortalecer nossa coerência política, nossa compreensão do mundo e, portanto, nossa capacidade de trabalhar na mesma direção, apesar das diferenças entre nossas intervenções. Assim, planejamos fortalecer nossa capacidade de nos reunirmos, nossa capacidade de publicar nossas análises e posições – especialmente na Internet – e fortalecer nossos institutos educacionais (Amsterdã, Manila, Islamabad). Também observamos que a necessidade de uma organização internacional está sendo sentida devido às dificuldades da situação e às enormes mobilizações que estão ocorrendo regularmente em todo o mundo e nas quais estamos envolvidos: na Índia, na Argélia, na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos, nas Filipinas, na Ucrânia e em muitos outros países.
O congresso também registrou um fortalecimento substancial da Internacional. No Brasil, isso provocou um debate muito duro devido à oposição de vários componentes da organização à entrada do Movimento Esquerda Socialista (MES). Continuaremos a trabalhar para superar essa tensão, principalmente em torno do projeto de uma edição do Inprecor em português do Brasil. No entanto, registramos o reconhecimento ou a expansão de várias seções, o que representa um aumento de cerca de 27% no número global de membros: Marabunta e Poder Popular juntos na Argentina, Anti*Capitalist Resistance e ecosocialist.scot formando juntos a seção britânica, MES entrando na seção brasileira, Radical Socialist na Índia, Solidarity nos Estados Unidos e a intenção do NPA-L’Anticapitaliste como um todo de fortalecer a Quarta Internacional na França.
Apesar das dificuldades da situação, podemos, portanto, analisar essa convergência de forças como um sinal das possibilidades de fortalecer o papel dos revolucionários para ajudar a responder à crise do sistema.
Nota
- Os países representados foram: da África: Argélia, Marrocos, África do Sul; da Ásia: China, Índia, Indonésia, Japão, Paquistão, Caxemira, Filipinas, Sri Lanka; da Europa: Áustria, Bélgica, Grã-Bretanha [Inglaterra/País de Gales e Escócia], Dinamarca, França, Alemanha, Grécia (2 delegações), Irlanda, Itália (2 delegações), Países Baixos, Noruega, Portugal (2 delegações), Rússia, Estado Espanhol, Suécia, Suíça, (2 delegações) Turquia, Ucrânia; da América Latina: Argentina (2 delegações), Brasil (9 delegações), Colômbia, México (4 delegações), Panamá (2 delegações), Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai, Venezuela; do Oriente Médio: Líbano; e da América do Norte: Canadá e EUA (3 delegações). As organizações de Bangladesh, Antilhas Francesas, Equador e Austrália não puderam comparecer. ↩︎