Sâmia apresenta PL para suspender salários de condenados por crimes contra mulheres na ditadura
Projeto prevê corte de remuneração e pensões de agentes envolvidos em violência de gênero no regime militar
Foto: Ale Bastos/Divulgação
No último dia 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou o Projeto de Lei 795/2025, que estabelece a suspensão da remuneração e dos proventos de militares condenados por crimes de violência contra mulheres praticados durante a ditadura militar (1964-1985). A proposta tem como objetivo impedir que agentes responsáveis por violações de direitos humanos continuem recebendo recursos públicos, reforçando o compromisso do Estado brasileiro com a justiça histórica.
“A manutenção de remunerações a militares condenados por tais atos representa uma afronta à memória das vítimas e à sociedade brasileira”, afirmou Sâmia.
O PL prevê que a suspensão dos pagamentos ocorra tanto em casos de condenação judicial transitada em julgado quanto quando houver reconhecimento oficial da participação do militar nos crimes por comissões nacionais ou internacionais de direitos humanos.
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, a prática sistemática de tortura e violência sexual contra mulheres foi um dos instrumentos utilizados pela ditadura para reprimir opositoras políticas e amedrontar suas famílias. A proposta, segundo a deputada, busca reparar essa dívida histórica: “Para honrar a luta das que vieram antes de nós e para que nunca se repita. Por Eunice Paiva, Helenira Resende, Amelinha Teles e tantas outras. Ainda estamos aqui: sem anistia!”.
Justiça e moralidade administrativa
O PL 795/2025 estabelece que a suspensão dos salários e proventos será definitiva após a condenação, impedindo que esses agentes sigam recebendo qualquer tipo de subsídio, adicional ou gratificação. O projeto ainda garante o direito ao contraditório e à ampla defesa, prevendo que, caso haja revisão criminal com absolvição do militar, os valores suspensos poderão ser pagos retroativamente, corrigidos monetariamente.
“O Estado brasileiro precisa reafirmar o seu compromisso com os direitos humanos e com a reparação das vítimas de violações ocorridas nesse período”, diz Sâmia.
O tema ganhou ainda mais repercussão com o sucesso mundial do filme “Ainda Estou Aqui”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, que narra a história de Eunice Paiva, esposa do deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar. Eunice foi presa e fichada, sofreu violência e perseguição, teve seus bens confiscados e precisou criar sozinha os filhos após a execução do marido pelo regime. O corpo de Rubens nunca foi localizado.
Mulheres na resistência
Além de Eunice Paiva, outras figuras históricas da luta pela democracia inspiraram a proposta de Sâmia Bomfim. Helenira Resende, por exemplo, foi uma militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) torturada e assassinada pelo regime militar em 1972. Durante sua execução, mesmo sob tortura, teria se recusado a entregar companheiros de luta, o que a tornou um ícone da resistência.
Amelinha Teles, por sua vez, foi presa junto com seu marido e filhos pequenos, sendo submetida a sessões de tortura na sede do DOI-Codi, um dos principais centros de repressão da ditadura. Até hoje, segue na luta pela memória e justiça às vítimas.
Outro símbolo é a estilista e ativista, Zuzu Angel, que levantou-se contra os militares após a execução de seu filho, Stuart Angel. Ela usou sua visibilidade internacional para denunciar as atrocidades da ditadura e morreu em circunstâncias suspeitas em 1976, num atentado forjado como acidente de carro.
Já Dilma Rousseff, que viria a se tornar a primeira presidenta do Brasil, foi presa e brutalmente torturada durante os anos de chumbo por sua militância na luta clandestina contra o regime. Sua trajetória é um testemunho da violência sofrida por tantas mulheres que ousaram enfrentar a repressão.
“A aprovação deste projeto é essencial para promover a justiça e a responsabilidade institucional, garantindo que recursos públicos não sejam destinados a indivíduos que cometeram graves violações de direitos humanos”, concluiu Sâmia Bomfim.
O projeto agora aguarda despacho do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para seguir a tramitação.