Apagão na Europa: vulnerabilidade, notícias falsas e serviços públicos
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Apagão na Europa: vulnerabilidade, notícias falsas e serviços públicos

Queda de energia generalizada durou horas em Portugal e Espanha e evidenciou outros problemas nestes países

Carlos Carujo 29 abr 2025, 10:47

Foto: Queda de energia atingiu os países da Península Ibérica. (RBCU/Reprodução)

Via Esquerda.Net

Vulnerabilidade. A palavra foi escolhida por um jornal internacional para ilustrar o sentimento que percorreu a Península Ibérica depois do apagão generalizado que durou horas. O apagão teria desligado também algo no sentimento de invulnerabilidade de quem vive nestes países capitalistas ocidentais com uma sociedade de desigualdade mas de relativa abundância para a maioria e estabilizada. Revelaram-se fragilidades, pode ter havido a impressão que de que grande parte da vida a que estamos habituados está presa literalmente por um fio. Tudo isto será do plano da vivência íntima, dependerá do quadro das relações sociais em que nos inserimos, da nossa forma de encarar problemas e estará assim muito desigualmente distribuído. Mas creio que precisamos de ter consciência que o que se fizer destes sentimentos nos próximos tempos é do mais político que existe.

Notícias falsas. Nos momentos iniciais deste apagão, ao mesmo tempo em que se pensava no essencial para ultrapassar a situação, inevitavelmente uma das principais perguntas que circulava era qual a causa. O apagão não trouxe respostas imediatas e simples. Parecia ser igualmente um apagão numa certa forma de certeza. Mas não ficou um vazio porque, como seria de esperar, foi sendo preenchido por boatos. Um dos maiores foi que Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, tinha dito que teria sido um “ataque à Europa” e que estávamos a ser alvos de um ciberataque. A enormidade da afirmação e a ausência de fontes credíveis não foram obstáculo a que o rumor tivesse chegado a vários meios de comunicação social mainstream, como aliás aconteceu com outras falsas explicações.

Apesar das notícias falsas terem tido uma vida breve na comunicação social e de a maior parte dos órgãos não as terem difundido, isto não deixa de levantar algumas questões. A primeira, mais fácil de responder mas nem por isso menos inquietante, é como é que chegaram onde chegaram rumores que circulavam pelas redes sociais. A pressa em publicar primeiro, redações depauperadas, pressionadas a oferecer resultados face a uma concorrência feroz, a diminuição de processos de verificação de informação etc., fizeram com que nem o mais simples tenha sido feito: uma simples pesquisa de confirmação mostraria que tal declaração não constava em nenhuma das redes ou páginas da Comissão Europeia e da sua presidente, nenhum dos grandes meios de comunicação social internacionais a divulgava.

Outra questão será de onde nasceu este boato e com que intenção. Sendo que um boato pode nascer simplesmente de uma brincadeira de mau gosto, este vinha, em algumas das suas versões, com referência à CNN e escrito em inglês, o que mostra algum grau de elaboração ou uma fonte externa. Como não pode haver uma resposta direta a ela, deixemo-la de lado.

Uma terceira questão será como se espalhou tanto e tão depressa. A predisposição para aceitar esta explicação indicia um certo ar dos tempos, um clima instalado e suspeitos do costume. Como se costuma dizer, as notícias falsas com as suas explicações simples e teorias da conspiração adjacentes bebem da fonte da necessidade de certezas, fazendo muitas pessoas preferir imediatamente a tese de uma ciberguerra à de um acaso, fenómeno ambiental ou à da revelação das fragilidades sistémicas. As teorias da conspiração dão segurança, os maus que controlariam, ameaçariam ou desencadeariam este tipo de fenómenos seriam mais seguros que a insegurança do mundo real. Mas certamente não precisamos de uma teoria sobre a génese da aceitação das notícias falsas para perceber o perigo das máquinas de desinformação.

Serviços públicos. Uma outra dimensão política virá à baila nos próximos tempos. A disputa sobre o que aconteceu durante o apagão. Uma primeira camada será sobre a eficácia do governo na gestão das ocorrências. Outra, mais importante a médio prazo, será sobre o estado dos serviços de emergência e das infraestruturas críticas, sobre o desinvestimento de que têm sido objeto ao longo dos últimos anos e a necessidade de reverter isto.

Numa outra camada, de fundo, entra o debate sobre os serviços públicos em geral. Porque se alguma lição imediata se pode tirar é a da indispensabilidade de investimento nos serviços públicos. É o público, o comum, que nos pode salvar das crises. Foi a lição da pandemia, é a deste dia também. Necessitamos de serviços públicos fortes, sem estarem dependentes dos “mercados” e das oscilações especulativas, dos “empreendedores” que olham para o mundo com os olhos do lucro imediato. Necessitamos de debate claro, amplo, democrático, sobre prioridades coletivas. Isso é a segurança que podemos construir num mundo perigoso.

Eletricidade. Ironicamente, enquanto a Península Ibérica vivia o seu apagão, aqui ao lado, em França, discutia-se na Assembleia Nacional a “soberania energética” do país. Um debate feito de escolhas a que não seremos alheios. Com o governo do centrão a adiar uma transição energética indispensável e a reforçar a aposta na energia nuclear e a demagogia da extrema-direita a pedir ainda mais nuclear e a diabolizar as energias renováveis ficam indicadas as balizas políticas que se manifestarão aqui de forma mais ou menos semelhante.

Por estas bandas, para além de termos de falar da privatização das empresas energéticas e do que isso significa, temos de falar em abastecimento e da chamada ilha energética em que se tornou a Península Ibérica, de conetividades, de dependência energética, de energias renováveis de produção autónoma, de grandes empresas. É, assim, tempo de aprofundar todos estes debates.

E é tempo de fazermos um balanço das nossas fragilidades e diagnosticar problemas nas infraestruturas críticas e serviços de emergência, de combater a desinformação e de perceber que é a força dos serviços públicos que nos permite resistir às crises.


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