Povos e territórios em alerta: encontro internacional articula lutas ecossociais rumo à COP 30
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Povos e territórios em alerta: encontro internacional articula lutas ecossociais rumo à COP 30

Ambientalista José Corrêa fala sobre encontro de lideranças globais em São Paulo pela defesa das florestas tropicais e o enfrentamento ao colapso climático através da auto-organização dos povos e da resistência territorial ao avanço do capital fóssil

José Correa Leite e Revista Movimento 21 abr 2025, 08:29

Foto: O ambientalista José Corrêa Leite. (IEA/USP/Reprodução)

Diante do agravamento da crise climática e do avanço acelerado do colapso ambiental global, movimentos populares, organizações indígenas, lideranças territoriais e coletivos ecossocialistas se articulam em uma frente internacional de resistência. Entre os dias 26 e 28 de maio, São Paulo sediará o Encontro Internacional Povos, Territórios e Natureza Frente ao Caos Global, uma iniciativa da Mobilização dos Povos em Defesa do Clima e da Terra, em preparação para a COP 30, que ocorrerá em Belém do Pará em 2025.

O evento busca articular uma resposta radical à falência das negociações climáticas oficiais — cada vez mais capturadas por lobbies do capitalismo fóssil. Como denuncia o ambientalista e integrante do MES-PSOL José Corrêa Leite, uma das lideranças da Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA), “não há ilusão de que a COP vá promover mudanças reais enquanto os governos estiverem permeáveis às corporações petrolíferas”. Frente ao esvaziamento político e à financeirização da pauta ambiental, os movimentos propõem uma agenda de ação direta nos territórios: desmatamento zero, petróleo debaixo da terra, fim da mineração em áreas florestais e terras indígenas, e a defesa da soberania dos povos originários.

Com 56% da Floresta Amazônica sob responsabilidade do Brasil, e com a região já dando sinais de colapso iminente – estudos indicam que, degradada, a Amazônia pode entrar em ponto de não retorno com apenas 2°C de aquecimento global -, os movimentos alertam que proteger as florestas tropicais não é uma opção, mas uma necessidade vital para a sobrevivência do planeta. A Amazônia, o Congo e a Indonésia, os três principais maciços tropicais do mundo, estarão representados no Encontro, que pretende construir uma posição crítica ao suposto “fundo trilionário verde” articulado pelo governo brasileiro, mas que pode, na prática, aprofundar a financeirização da natureza.

A expectativa é de reunir entre 50 e 80 lideranças internacionais para elaborar uma estratégia comum frente ao ecocídio global e ao racismo ambiental, combatendo também o feminicídio e a violência nesses territórios. Esta nova articulação, de caráter anti-sistêmico e ancorada nas lutas concretas, busca construir um outro horizonte: uma transição ecológica desde os povos, contra o mercado, contra a exploração, por justiça climática e social.

Em entrevista a Revista Movimento, José Corrêa dá o panorama da problemática ambiental no país e no mundo, e as saídas levantadas pelos ecossocialistas.


Quais são os principais desafios e aspectos estratégicos dos movimentos socioambientais no Brasil?

Creio que temos quatro premissas. Primeiro: o movimento socioambiental é muito disperso e dividido social e politicamente; são movimentos ecoterritoriais, como definia a Maristella Svampa. Eles têm sempre um foco de lutas ao redor de biomas, de povos e territórios; as catástrofes que ocorrem no espaço. A segunda questão é que, no Brasil, o bioma amazônico é muito estratégico. É a única questão ambiental do Brasil que tem impacto planetário. A preservação da Amazônia tem um impacto planetário. Se a Amazônia se degrada, isso tende a ter um efeito cascata sobre os chamados “tipping points”, pontos de virada, do Sistema Terra pelo mundo todo. Tem questões no Ártico, na Antártica, corrente do Golfo, monções… Nós, no Brasil, como somos responsáveis por 56% do território da floresta amazônica, isso tem muita consequência. Então, a questão da Amazônia é completamente decisiva para todo o planeta. Uma terceira: a crise climática planetária tem como causa fundamental a emissão de gases de efeito estufa. Então, só tem um jeito de combater, que é reduzir as emissões, o que envolve sair do petróleo. A quarta é que o Brasil é um país continental e as lutas ecológicas abarcam a agenda de toda a sociedade: a questão urbana, mobilidade, economia circular, a questão agrária, a alimentação, em síntese, o modelo de economia e sociedade… Que futuro existe para o Brasil e para sua população se sua economia continuar assentada na destruição da natureza pelo agronegócio e pelo extrativismo de petróleo e minerais?

E como está se dando a articulação desse combate na Amazônia?

Existem, na região Amazônia, três organizações que têm uma natureza supranacional, que federam lutas de seus capítulos no Brasil, na Bolívia, na Colômbia, no Peru, nas Guianas etc. São o Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa), a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repan), e a Coordenadora de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica). Em 2020, nós juntamos tudo isso na Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA) e fizemos uma articulação em grande medida digital, por conta da pandemia, mas que depois realizou encontros presenciais. Nesse período, foram realizados três Assembleias Mundiais e dois fóruns sociais importantes, um em Belém, no Pará, em agosto de 2022, e depois outro em Rurrenabaque, na Bolívia, em junho de 2024. E realizamos uma atividade de incidência importante quando da reunião dos presidentes dos países da Panamazônia, em agosto de 2023, em Belém. O site da AMA acompanha de perto todo este processo de lutas.

A Amazônia é uma questão global, mas o Brasil tem outras frentes na questão socioambiental. Como está a articulação nesse sentido?

A Amazônia é decisiva, mas não é o único foco da questão ambiental no Brasil. Tivemos, no último período, as inundações no Rio Grande do Sul, as queimadas no Centro-Oeste, a seca na Amazônia e também em outras regiões do país, deslizamentos e enchentes frequentes em muitos estados, por exemplo. Então, a partir da Assembleia Mundial pela Amazônia, estamos articulando uma iniciativa global, um diálogo com movimentos ambientais e socioambientais que assumem importância na defesa da Amazônia, mas tem outras agendas: petróleo, água, poluição, transição energética, racismo ambiental e assim por diante.

Chamamos esse processo, que se iniciou há quase dois anos, de Mobilização dos Povos em Defesa do Clima e da Terra. A Mobilização dos Povos foi lançada com a pretensão de dar um protagonismo amazônico antes, durante e depois da COP 30. Mas depois outras organizações brasileiras, sediadas no Rio, São Paulo e Brasília, que sempre lançaram iniciativas de incidências em todas as COPs, lançaram o processo da Cúpula dos Povos, que será realizado em Belém, de 10 a 15 de novembro. As organizações da Mobilização dos Povos se integraram à Cúpula dos Povos; não pretendemos ser uma substituição da Cúpula, mas organizar os setores ambientais com uma agenda permanente de luta por territórios livres de todas as dimensões do ecocídio que o capitalismo extrativista e fossilista promove – territórios livres de petróleo, livres de desmatamento, livres de racismo, livres de ecocídio… Não acredito que a COP 30 vá promover qualquer mudança. Se tivéssemos correlação de forças, deveríamos fazer o que o movimento altermundialista fez em Seattle, em 1999 e nos anos seguintes, frente a OMC – bloquear as negociações existentes e impor novos termos ao processo.

Por quê a COP não promoverá mudanças?

Porque as COPs são impermeáveis. As negociações entre os governos foram sequestradas pelo lobby das corporações dos combustíveis fósseis. Depois da COP 26 em Glasgow, em 2021, tivemos a COP 27 em Sharm al-Sheikh no Egito, a COP28 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos e a COP 29 em Baku, no Azerbaijão. Todas essas COPs foram organizadas por governos controlados pelo lobby das empresas petrolíferas, que passaram a dar um grande peso a essas atividades, para que não saia nada que confronte seus interesses. É uma correlação de forças totalmente desfavorável. Além disso, lembremos que o Acordo de Paris – que é o último acordo das COPs vigente, de 2015, que queria limitar os aumentos de temperatura a 1,5°C acima do nível pré-industrial – foi apoiado pelo governo Obama, mas o governo Trump 1 saiu do Acordo, depois o governo Biden entrou de novo no Acordo de Paris, e agora o Trump 2 saiu de novo do Acordo. A atitude dos EUA torna o processo da COP uma fantasia; tudo indica que já atingimos um aumento de temperatura do planeta de 1,5°C sem qualquer processo pactado de transição energética para fora dos combustíveis fósseis, como vemos mesmo em países mais abertos ao tema, como o Brasil.

Agora, na COP 30 em Belém, há uma enorme especulação em torno de alojamentos. A cidade não tem estrutura hoteleira para receber tanta gente e o que que acontece? Lobbies de empresas e corporações do petróleo alugaram prédios inteiros. Por isso que o preço está lá em cima, porque o parâmetro não é de uma atividade da sociedade civil ou de diplomatas. É o do lobby ativo das corporações do capitalismo fóssil. Não temos ilusão de que a COP 30 vá mudar essa realidade. Há um enorme impasse estratégico do movimento ambiental. E é esse impasse estratégico que a Mobilização dos Povos quer ajudar a superar.

A partir desse diagnóstico qual o plano de ação da Mobilização dos Povos?

A nossa abordagem é que as soluções têm que vir da auto-organização territorial. De você bloquear a exploração de petróleo numa região, como fizeram os povos indígenas do Equador na região de Yasuni, em uma luta de mais de duas décadas. Temos que bloquear a exploração de petróleo na Amazônia, banir a exploração mineral de uma série de regiões, a começar pelos territórios indígenas. O garimpo do ouro está promovendo um genocídio dos indígenas nas terras yanomamis. Então, se não partimos dessa luta territorial, da mobilização dos povos em concreto, não alteramos a correlação de forças, não estabelecemos pontos de apoio para uma luta mais ampla que nos permita disputar políticas frente ao Estado, disputar a política internacional. Não podemos nos iludir que podemos resolver o problema do aquecimento global em um país. A atmosfera do planeta é uma só em todas as partes.

A Mobilização dos Povos, como uma articulação composta por várias organizações, vai realizar um seminário de estratégia, em São Paulo, de 26 a 28 de maio: o Encontro Internacional, Povos, Territórios e Natureza, Frente ao Caos Global. Depois, nos dias 30 e 31, a Cúpula dos Povos vai realizar, em Belém, um encontro de seu operativo político. Creio que nessas reuniões será desenhado o plano político geral dos movimentos sociais para Belém. A Mobilização corresponde, grosso modo, ao setor ecossocialista dos movimentos. Mas temos todo um setor favorável às políticas de mercado (como a dos mercados de carbono), que poderiamos chamar de eco-capitalista, que se identifica com as políticas da Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. É defesa da floresta, mas é defesa da floresta integrando ela na especulação financeira. E temos, entre esses dois polos, um ecossocialista e um ecocapitalista, a grande maioria dos movimentos de lutas socioambientais, as organizações mais variadas, que têm interesse em participar de um espaço plural, de diálogo, no qual se poderia idealmente incidir sobre os governos. Nós avaliamos que hoje não existe hoje maneira de isso se dar, mas não vamos deixar esses movimentos sozinhos.

Qual a expectativa para o Encontro da Mobilização?

É um encontro internacional de lideranças que deve reunir entre 50 a 80 pessoas. Vamos, no primeiro dia, discutir a nova situação internacional criada pela posse do governo Trump e a regressão que estamos assistindo nas políticas ambientais e de direitos humanos em muitos países. É um contexto novo, que deve acelerar as catástrofes ambientais. Depois, vamos discutir o tema das florestas tropicais, que já tratamos em uma reunião por ocasião do G-20, no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado. Estamos esperando, por exemplo, representantes de movimentos da Indonésia e do Congo.

O governo brasileiro está propondo um fundo de financiamento chamado de Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF em inglês) que, no papel, pretende levantar um trilhão de dólares para a preservação das florestas tropicais. Evidentemente, que se houver um fundo desses, 95% vai para o capital financeiro, vai para megaobras e não fica nos movimentos, mas isso atrai interesses de muitos. Estamos construindo uma posição desde os movimentos mais combativos para nos posicionarmos sobre isso. O governo brasileiro está articulando esse projeto com os países da Amazônia, da Indonésia, do Congo e de outros países da África. Qual é a nossa posição perante a preservação das florestas tropicais do planeta com os mecanismos de mercado que estão sendo propostos para isso? Como os povos nos territórios se defendem disso?

Outra agenda é o ‘Petróleo debaixo da terra’. Do que se trata?

A Petrobras quer abrir formalmente uma prospecção na Margem Equatorial, na foz do Rio Amazonas, mas essa prospecção é para dar condições de iniciar a exploração. Nós sabemos que é muito provavel que haja petróleo ali porque ele é explorado um pouco acima, nas Guianas. Qual é a nossa proposta? Deixa esse petróleo debaixo da terra. Não tem uso possível disso para desenvolvimento porque o aquecimento global já está fora de controle. Entramos, em 2023, numa mudança de estado do clima no planeta. Temos uma rápida aceleração da elevação da temperatura do planeta: nós já estamos subindo quase 0,5°C a cada duas décadas. A perspectiva que o aumento da temperatura se estabilizasse em 1,5°C foi para o espaço. Vamos atingir, provavelmente, 2,5°C, 3°C. Então, o único jeito de evitar que a situação piore muito é reduzir a exploração de combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás – e evitar desmatamento das florestas tropicais, que são sumidouros de carbono.

Essas são agendas centrais para salvar a Amazônia: petróleo debaixo da terra, desmatamento zero, fim da mineração nas áreas florestais e terras indígenas, demarcação das terras indígenas. Essa é a agenda dos direitos da Amazônia e de seus povos. Isso está diretamente ligado à denúncia do ecocídio e de sua ligação com o racismo e com o feminicídio – já que essas regiões são regiões de fronteira agrícola extremamente violentas, onde você tem a expropriação de bens comuns e apropriação à bala de amplos territórios pela expulsão de seus habitantes, que avançou muito no governo Bolsonaro. Em princípio, a Floresta Amazônica se manteria mesmo com um aumento de temperatura até 3,5, 4°C acima do nível pré-industrial. Mas degradada, a floresta já colapsa a 2°C. Estamos numa corrida contra o tempo para ver o que é possível salvar nesse processo.


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