Duas táticas do Movimento Estudantil na UNE
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Duas táticas do Movimento Estudantil na UNE

Uma resposta ao artigo da UJS “Sectarismo, doença infantil do Movimento Estudantil”

Fabiana Amorim e Theo Louzada Lobato 26 maio 2025, 11:10

Foto: Congresso da UNE. (J!/Reprodução)

Via Juntos!

Escrevemos essa elaboração como resposta ao texto “Sectarismo, doença infantil do movimento estudantil” feito por Rafael Leal e Camila Ribeiro, ambos membros da Executiva Nacional da UJS. Acreditamos que é uma oportunidade importante para demonstrar as “duas táticas” distintas do movimento estudantil nesse processo de disputa que o Congresso da UNE representa e por isso abrimos aqui o debate.

O texto de Leal e Ribeiro se constrói como um texto de polêmica com a oposição da UNE, em determinados momentos colocando que é uma crítica “à força que hegemoniza o campo”, mas, em boa parte da sua linha argumentativa, disputa contra a existência de uma Oposição de Esquerda na UNE. Com esse objetivo, o texto tenta transmitir a disputa do congresso da UNE em dois setores políticos: “o sectarismo”, que seria, na prática, a Oposição de Esquerda, e uma “nova maioria” dentro do movimento estudantil, representado pelo campo da majoritária da UNE – uma “caravana que passaria enquanto os sectários ladram”. Seguindo essa lógica, as características dos sectários seriam as de se negar a construir unidade com o resto das forças de esquerda das universidades e servir, com sua crítica, como instrumento do imperialismo e da extrema-direita, enquanto seu campo político seria a grande responsável pelas mobilizações no país.

O que é sectarismo?

Para fazer esse debate é importante lembrar que o sectarismo, como dito em alguns momentos no texto, mas esquecido em sua conclusão, não é uma vertente política, é uma postura. O sectarismo pode vir tanto de setores revolucionários quanto reformistas, da esquerda quanto da direita, é a ideia de que não é possível construir iniciativas unitárias entre diferentes atores políticos na sociedade. O sectarismo, de fato, pode ser um problema. Seja em momentos de mobilização, como nas greves universitárias, seja na construção das nossas entidades estudantis, temos diversos embates contra essa lógica, por termos a convicção de que nem nós, nem nenhum setor político no país é suficiente sozinho se queremos conquistar efetivamente direitos estudantis e disputar uma alternativa de sociedade.

Porém, a acusação de sectarismo em diversos momentos da história também foi utilizada não para tensionar a construção por unidade perante uma luta concreta, mas como rótulo para esconder divergências políticas. Toda unidade precisa ser em torno ou de um objetivo, no curto prazo, ou de um programa, a longo prazo. Um campo político na UNE, para se conformar, precisa de marcos mínimos de estratégia em comum, algo que parece ficar por completo de fora do texto dos companheiros da UJS. Acreditamos que é nisso que se fundamenta o debate.

Duas táticas do movimento estudantil na UNE

Hoje, o movimento estudantil tem se voltado a dois debates centrais: 1) como construir uma barreira de contenção à extrema-direita, algo que todos os setores do movimento estudantil organizado tem bastante acordo sobre a necessidade; e 2) qual será a pauta reivindicatória dos estudantes perante a continuidade da precarização da educação que segue existindo no governo Lula, um debate que demonstra mais abertamente as divergências que estão colocadas.
Sobre a extrema-direita, acreditamos que é nítido o consenso sobre a necessidade de um combate contínuo por parte do movimento estudantil. Isolamos e combatemos juntos o governo Bolsonaro e todos os projetos que surgem desse setor. O que precisa ser dito, porém, é que não há como debater o enfrentamento à extrema-direita de forma isolada, pois nem no Brasil, nem no mundo a extrema-direita surgiu como um raio em céu azul. Ela é fruto da frustração do povo com governos liberais ou da social-democracia, que passaram a ser gerenciadores da crise capitalista.

O Decreto do Apagão da Educação só explicita um problema que há muito tempo se apresenta: a estratégia do governo de permitir que siga a desestruturação da educação pública brasileira. A verba aprovada para 2025, mesmo sem o decreto do apagão, é menor do que foi estabelecido em 2019 durante o Governo Bolsonaro. É uma realidade objetiva. A tentativa de esconder que o debate sobre a unidade do movimento estudantil precisa passar primeiro pela definição de qual estratégia devemos tomar perante essa situação não serve ao avanço da nossa luta. De nada adianta fingir que as decisões do governo não têm a gravidade que têm, já que as consequências de sua política econômica já são sentidas na realidade das universidades.

Ou seja, há uma divisão no movimento estudantil, não por um “capricho”, mas por diferenças na linha política. Um setor aposta que nossas entidades estudantis devem estar atreladas a um projeto político que tem seu limite ainda dentro do governo federal, ou seja, que a forma de impedir que a extrema-direita cresça é não fazermos a crítica às contradições que todos sabem que existem. Por isso não tentaram construir uma pressão mais ampla sobre o arcabouço fiscal ou os orçamentos cada vez mais diminutos aprovados para a educação. Estamos do outro lado do movimento estudantil, o que acha que precisamos fazer esse debate de fundo e não podemos dar um passo atrás, deixando a “caravana passar”, como tem passado por cima dos direitos estudantis, é preciso construir um movimento estudantil independente.

Enquanto nós alertamos que a UNE deveria colocar com centralidade o combate ao projeto econômico levado adiante pelo arcabouço fiscal, a entidade se propôs a colocar um debate de uma reforma universitária em abstrato, sem refletir a real situação orçamentária das universidades. Ao mesmo tempo que isso acontecia, a deterioração das universidades seguiu ampliando. A falta de articulação da UNE nesse sentido, diferente do que dizem Leal e Ribeiro, também foi uma decisão política, que não pode só ser justificada com o argumento de que o movimento estudantil não participou de nenhum processo de luta relevante.

Que fazer?

Nesse sentido, vemos que se trata de uma questão de horizonte estratégico. Acreditamos que o combate à extrema-direita só pode ser feito a partir de uma aposta em um programa antissistêmico e radicalizado à esquerda. Apresentar uma saída que não seja firme contra a crescente privatização da educação brasileira permitida pelo governo, que ignore o impacto climático de medidas como a perfuração do Foz do Amazonas e a privatização das praias e que não aposte na auto-organização estudantil é a receita pronta para frearmos a potencialidade que os estudantes têm na disputa de uma agenda política no país e no mundo.

Os exemplos de Bangladesh e Coreia do Sul demonstram a potencialidade que o movimento estudantil globalmente segue possuindo. Nesse tempo de crise, precisamos tensionar a forma como construímos nossa própria agenda e não só qual impacto nossa luta pode ter na popularidade do governo. Se existem dificuldades para uma articulação nacional do movimento estudantil no Brasil atualmente, o que não negamos, temos que ter como prioridade saber como reativá-lo, em vez de nos preocupar em como ele pode ser um incômodo.

Acreditamos, por isso mesmo, que o fato de as principais mobilizações dos últimos anos terem sido puxadas pela Oposição não foi uma coincidência. Exemplos como a retomada dos atos de rua em 2021 por meio de uma manifestação construída pelo DCE da UFRJ, ou a greve geral da USP em 2023, a maior greve em décadas na maior universidade do país, foram processos muito importantes que demonstraram sua força, mas que não foram conduzidos pelos setores majoritários da UNE.

Nesse mesmo sentido, a greve das federais demonstrou mais abertamente essa contradição. O ano de 2024 foi marcado por uma greve que teve importante peso de técnicos e professores por conta da precarização que já vinha acontecendo durante o governo Lula. A tentativa de boicotar as greves pelos setores dirigentes da UNE foi registrada em diversas ocasiões e mostrou uma concepção que era objetivamente diferente do ponto de vista da oposição. Até hoje, e isso se reflete no texto dos companheiros, a defesa da UJS é de que a crítica gerada pelas greves foi um fortalecedor da extrema-direita. Ou seja, mesmo que digam que se deve “pressionar o governo pela esquerda”, na prática, quando isso acontece, optaram pela desmoralização dos setores que lutam por seus justos direitos.

Nos perguntamos se os companheiros realmente acreditam que a mobilização feita por técnicos, professores e estudantes é realmente o fator que fortalece o bolsonarismo em vez da replicação da política fiscal de desmonte da educação pelo governo. Se acreditam de fato nisso, então deveriam dar um passo atrás e se posicionar em defesa do Decreto do Apagão da Educação, mas não o fazem porque sabem a situação limite em que está a educação e porque a pressão objetiva das universidades a partir da situação concreta que o governo constrói os obriga a tomar uma posição. Se o governo permitir que as universidades fechem no próximo semestre, ele estará não só abrindo uma avenida para a extrema-direita crescer na demonstração na contradição do projeto petista, mas estará desmontando uma das principais barreiras de resistência à extrema-direita.

A possibilidade de construir compromissos, alianças e saber se movimentar taticamente entre setores, como Lenin bem argumenta no livro que referenciam os companheiros da UJS, nada tem a ver com a defesa de um projeto estratégico que tem um horizonte de classe limitado aos marcos do neoliberalismo. Argumentar que não se pode criticar o governo à esquerda é dizer, na prática, que “não há alternativa”, como tentaram nos vender nos anos 80. Acreditamos, porém, que a realidade objetiva se impõe, e o Decreto do Apagão da Educação escancara a impossibilidade de não debater esse modelo econômico que está posto e coloca a urgência da construção de uma esquerda que não tenha medo de colocar as suas pautas.

Algumas Conclusões

Portanto, esse debate precisa ser feito de forma honesta, se não a agitação da unidade se torna um vazio sem programa ou projeto. O debate de fundo nunca foi entre sectários ou não sectários. Se fosse, os momentos de unidade como o Tsunami da Educação nem seriam possíveis. A real discussão é sobre onde estará a UNE nos embates mais decisivos da nossa geração: se entregando a potencialidade do movimento estudantil para um projeto adaptado (que não é nem mais possível de ser chamado de reformista e sim de rendido) que apenas busca justificativas para nossas dificuldades; ou se impulsionando a rebeldia de enfrentamento, com um projeto independente que não abre mão das nossas bandeiras, para permitir que novas mobilizações de massas possam surgir.

Por fim, é necessário dar um passo à frente. Assim como todos os processos que estivemos construindo, acreditamos que a luta contra o Decreto do Apagão da Educação precisa ser a mais ampla o possível. O Tsunami da Educação foi, de fato, um exemplo de unidade, que teve peso considerável da oposição, mas agregou todos os setores da UNE. Acreditamos que o Decreto tem a mesma gravidade e esperamos que o conjunto do movimento estudantil embarque nessa luta e tire conclusões do que esse decreto significa: não é mais possível naturalizar a política econômica do governo federal. Estaremos abertos para construir a unidade com quem for para derrubar essa medida, já que acreditamos que a unidade é sim extremamente necessária, mas que ela precisa servir para fortalecer a luta dos estudantes. Precisamos abrir espaço para debatermos outro modelo de economia e sociedade: um projeto ecossocialista que se articule pelo fim do arcabouço fiscal, da perfuração na Foz do Amazonas e da escala 6×1, por reforma agrária e urbana e pela construção de uma saída real para nossa geração.


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Autores

Camila Souza