Os americanos estão dispostos a enfrentar a oligarquia trumpista?
Uma análise de conjuntura realizada por correspondentes brasileiros diretamente dos EUA
Foto: Multidão reunida em manifestação convocada por Bernie Sanders nos EUA. (@OliverHidWoh/X)
Via FLCMF
A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco passará a publicar, semanalmente, uma análise de conjuntura sobre a situação política dos Estados Unidos e os movimentos de luta contra o trumpismo no país. O projeto “Estados Unidos Hoje” tem a colaboração de correspondentes brasileiros que estão nos EUA acompanhando direta e presencialmente as mobilizações dos movimentos sociais e das forças políticas de esquerda. As reflexões e análises serão divulgadas em nossas redes sociais e no site.
Neste primeiro texto, analisamos o movimento “Fighting Oligarchy” (Enfrentando a Oligarquia), encabeçado pelo senador Bernie Sanders e pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que têm percorrido o país juntos em comícios populares contra Trump e também criticando a postura branda do Partido Democrata.
Os americanos e o mundo entraram em uma era funesta com o segundo governo Trump. Mais do que em seu primeiro mandato, o republicano agora dispõe de força considerável para avançar seus planos. Do ponto de vista dos movimentos sociais e da esquerda, o momento é defensivo, existindo como que um baque após a derrota eleitoral, seguido de uma catatonia frente à velocidade das medidas governamentais.
As primeiras ações de Trump impressionam pelo nível de violência e reacionarismo. No tema da imigração, mais de 30 mil imigrantes foram presos apenas nos primeiros cinquenta dias de governo. Cerca de 1500 estudantes universitários tiveram seus vistos revogados e correm risco de deportação. Parte deles — incluindo casos simbólicos como de Mahmoud Khalil, Rümeysa Öztürk e Mohsen Mahdawi — encontra-se presa, principalmente por envolver-se na luta pela libertação da Palestina. Uma lei de 1798 — a Lei dos Inimigos Estrangeiros — foi evocada para extraditar venezuelanos e salvadorenhos para a prisão sinistra de Nayib Bukele em El Salvador.
Em matéria de política interna, há já um rastro de destruição nos serviços federais. Em aliança com o multibilionário Elon Musk, Trump está devastando agências responsáveis por serviços públicos, enquanto demite ou precariza dezenas de milhares de servidores. Essa política agressiva abarca um viés ideológico, pois a perseguição se dirige principalmente contra políticas de diversidade e de proteção ambiental. Recentemente, o presidente extirpou fundos federais de um museu destinado a preservar (e a denunciar) a história da escravidão, o Whitney Plantation. Trata-se de um exemplo entre muitos.
Trump assedia o mundo, ameaça com as tarifas e impõe a nova tônica de um imperialismo ainda mais agressivo, adepto da limpeza étnica em Gaza, da rendição e recolonização ucraniana. É, portanto, cúmplice e agente de crimes contra a humanidade.
Enfrentando a oligarquia trumpista
Cada um dos tópicos citados acima, e outros que podem ser trazidos à tona, merece uma análise específica. É que se pretende realizar ao longo das próximas semanas. Porém, hoje, o que se que destacar são as mobilizações em resposta a Trump.
Desde o início de março, o emblema da esquerda estadunidense, Bernie Sanders, acompanhado da jovem deputada socialista, Alexandria Ocasio-Cortez, está realizando comícios pelo país. Os eventos, denominados “Fighting oligarchy” (“Enfrentando a oligarquia”), estiveram até agora em 11 paradas ao redor de 8 estados: Nevada, Arizona, Colorado, Los Angeles, Utah, Idaho, California e Montana.
Para a surpresa dos céticos, o público tem sido de milhares, por vezes dezenas de milhares de pessoas. Algumas aglomerações foram as maiores para esse tipo de evento desde a primeira campanha presidencial de Barack Obama e todas são as mais expressivas já capitaneadas por Sanders. Os estadunidenses que vão aos atos entram em contato com ideias radicais e conectam-se com um horizonte de empoderamento coletivo e de enfrentamento à barbárie.
As intervenções de Sanders e Ocasio-Cortez denunciam a desigualdade social crescente, a pilhagem do aparelho do Estado, os riscos às liberdades democráticas representados pelos ataques às universidades, e solidarizam-se com a luta Palestina e com aqueles perseguidos em decorrência dela. Embora o foco seja Trump e o Partido Republicano, nas falas de Sanders, tampouco o Partido Democrata sai ileso de críticas.
Ao longo do mês de abril (dias 5 e 19), também ocorreram duas jornadas nacionais de mobilização de rua, utilizando o mote “Hands off!” (“Tirem as mãos!”). Lideradas por setores da classe média, as marchas tiveram adesão ampla e espalharam-se por mais de 1000 cidades em todos os 50 estados. Em centros urbanos como Washington e Nova York, verdadeiras multidões reuniram-se para abordar uma miríade de demandas urgentes.
Finalmente, há que se observar os passos da juventude. Uma nova geração de ativistas estadunidenses, que fez em 2024 acampamentos em defesa da causa palestina, encontra-se agora na mira da repressão governamental. O resultado dessa queda de braço influenciará o cenário nacional. Entre o medo e a coragem, a juventude tem papel central no enfrentamento à destruição neofascista, ao lutar pela educação e pelas liberdades democráticas.
Rumo ao May Day
A próxima data de mobilização é o 1º de Maio. A expectativa é alta para reunir outra vez multidões nas ruas, conectando pautas políticas, democráticas e econômicas, com protagonismo dos sindicatos e dos trabalhadores organizados.
Pesquisas recentes apontam uma queda na popularidade do governo, que é apoiado por menos da metade da população. Em alguns temas, a maioria anti-Trump alcança 60%. Entre a juventude — que nas eleições de 2024 deu maioria apenas estreita a Kamala Harris — a rejeição a Trump saltou para 69%, enquanto a aprovação é de 26%.
A situação — é preciso outra vez enfatizar — é defensiva para os movimentos sociais e os trabalhadores. No entanto, há indícios de que os estadunidenses podem enfrentar a oligarquia trumpista e escrever uma página diferente para a história do país.