Assentamentos de Bará podem virar patrimônio cultural no RS
Projeto da deputada Luciana Genro (PSOL) busca proteger espaços sagrados do povo de axé. Iniiciativa ganha força às vésperas do Dia de Bará, celebrado em 13 de junho
Foto: Ascom Luciana Genro
O respeito às tradições de matriz africana passa pelo reconhecimento dos seus espaços sagrados. Em 2023, inspirada no exemplo do Bará do Mercado Público de Porto Alegre, que já é tombado como patrimônio cultural do município desde 2016, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) deu início a uma articulação com o povo de terreiro para ampliar essa proteção a outros assentamentos sagrados a nível estadual.
Essa mobilização resultou, em 2023, na apresentação de um projeto de lei que torna patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul os assentamentos do Bará ligados ao príncipe Custódio de Xapanã na capital. Foi ele quem trouxe os cultos da África e, como um grande líder religioso, decidiu fazer os assentamentos em Porto Alegre.
“Reconhecer os assentamentos de Bará como patrimônio cultural é uma forma concreta de enfrentar o racismo religioso e valorizar a resistência do povo de terreiro. Essa é uma luta por memória, respeito e justiça histórica. O que é sagrado para o povo negro também precisa ser protegido pelo Estado,” declarou a deputada.

Com meia década de dedicação à religião, Douglas de Bará Adague (também conhecido por Bronx) é assessor parlamentar de Luciana Genro e foi uma das peças-chave na articulação dos projetos que reconhecem os assentamentos de Bará como patrimônio cultural do estado.
“Esse projeto é muito mais do que um papel protocolado. É uma resposta ao apagamento histórico que o nosso povo sempre enfrentou. Ver um espaço sagrado como esse ser reconhecido oficialmente é motivo de orgulho e reafirma que as religiões de matriz africana fazem parte da alma do Rio Grande do Sul.”
Para Douglas, é essencial que esse reconhecimento chegue junto às novas gerações. “É assim que a gente garante que a história do povo preto e do axé seja respeitada e preservada com dignidade.”
Reconhecimento do Bará do Mercado também em Pelotas
A parlamentar ainda apresentou um Projeto de Lei que reconhece o Assentamento do Bará localizado no Mercado Público de Pelotas como de relevante interesse histórico e cultural para o Rio Grande do Sul. Esse espaço é muito mais do que um ponto religioso: é um núcleo de força espiritual, proteção e identidade para o povo de axé.
O pedido foi feito pelo Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Pelotas, liderado à época pelo Babalorixá Juliano de Oxum, em parceria com o Projeto de Extensão Terra de Santo, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e construído junto com lideranças negras de Pelotas, como a vice-prefeita Dani Brizolara, o vereador Jurandir Silva e o secretário de Igualdade Racial, Julio Domingues. Agora, o PL segue para tramitação na Assembleia Legislativa. Se aprovado, será um marco histórico na valorização das religiões de matriz africana e da cultura negra gaúcha.
“O Bará do Mercado é símbolo de resistência e memória viva do nosso povo. Esse projeto garante que futuras gerações conheçam e respeitem a riqueza do Batuque e a força das tradições afro-gaúchas,” afirma Luciana Genro.
Ambos os projetos de lei seguem tramitando em comissões da Assembleia Legislativa.
Apoio total em Pelotas
A repercussão positiva já ecoa: articulado pelo Babalorixá Juliano de Oxum e proposta pelo Vereador Jurandir Silva, a Câmara Municipal de Pelotas aprovou, por unanimidade, uma moção de apoio ao PL, reconhecendo a importância do tema e se somando à luta por respeito às religiões de matriz africana.
Reconhecer os Assentamentos do Bará como patrimônio cultural não é apenas um gesto simbólico. É reparar um passado de apagamento, afirmar a dignidade do povo de terreiro e combater o racismo religioso com políticas públicas efetivas.
Os assentamentos de Bará são símbolos vivos da presença do orixá no nosso cotidiano, representados pelos objetos ritualísticos conhecidos como Okutá. Esses assentamentos são núcleos espirituais de proteção e força, que garantem a segurança e a prosperidade de todos que respeitam o sagrado. Bará, uma figura central na cultura afro-gaúcha, é a entidade que abre caminhos, guarda as casas e cidades, e representa tanto o trabalho quanto a fartura para o nosso povo.
Axé do Príncipe Custódio segue vivo
Vindo da África Ocidental, onde era uma autoridade política, Custódio fugiu da violência do imperialismo europeu e chegou ao Rio Grande do Sul após passar pela Europa e pelo nordeste do Brasil. Ele viveu em Pelotas, Rio Grande e Bagé, onde conheceu Júlio de Castilhos, importante político rio-grandense.
Ascensão no estado
A convite de Castilhos, Custódio transferiu-se para Porto Alegre em 1901. Na capital, montou sua casa na Rua Lopo Gonçalves, onde criava cavalos e fazia seus cultos religiosos. No pós-abolição, Custódio se tornou um líder religioso importante, num período onde a população negra buscava reconstruir sua identidade, fortalecer seus laços de solidariedade e resistir às políticas racistas do Estado brasileiro.
Legado e contribuição
Custódio fez alianças com a elite política e intelectual rio-grandense e com a população negra de Porto Alegre. Ele tornou-se um dos protagonistas no fortalecimento das religiões de matriz africana no estado, especialmente do Batuque. Sua casa era um ponto de encontro para cuidar do sagrado e fortalecimento do Batuque.
Importância dos Assentamentos de Bará
Nos rituais liderados por Custódio, o Batuque se enraizou e cresceu como uma religião viva e organizada. Os assentamentos de Bará realizados por ele espalhados em Porto Alegre, inclusive no Palácio Piratini, por solicitação do governador da época, mostram a importância da tradição e da ancestralidade.
Reconhecimento e proteção
A luta atual por projetos de lei que reconhecem e protegem os assentamentos de Bará é uma forma de honrar o legado de Custódio e sua ancestralidade. É uma questão de memória, respeito e reparação histórica com o povo negro. A presença do Batuque e das religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul em cada terreiro, cada axé, carrega um pedaço dessa história.