Mulher negra, lésbica e filha do Candomblé – são as marcas de orgulho e forças de tudo que sou.

Ser lésbica nesse mundo já é, por si só, um ato de resistência! É romper com o destino que o patriarcado tentou escrever pra nós. É desafiar um sistema que nos quer submissas, invisíveis ou mortas. É construir laços fora da lógica do controle, do domínio, da submissão. E ser lésbica de terreiro é enfrentar e romper com dois sistemas ao mesmo tempo: o patriarcado e o racismo religioso.

Foi a religião mais perseguida desse país, marcada pelo racismo e pela intolerância que disse que eu podia ser quem era, que me acolheu. Ser do axé, do candomblé, das religiões de matriz africana também é resistir. É honrar uma espiritualidade ancestral, preta, que sobreviveu à escravidão, ao racismo, à intolerância religiosa e às tentativas de apagamento. O Candomblé me ensinou a pisar firme na terra, a escutar os sinais, a confiar no tempo e a saber que cada corpo carrega uma força sagrada e única.

Mas eu quero dizer que ser lésbica e de terreiro, juntas, me ensinou mais do que apenas resistir. Me ensinou a existir com inteireza. Porque quando me ajoelho pra saudar meu pai Ogum, mãe Oxum, quando bato minha cabeça, eu sei que ali estou inteira. Quando abraço minha parceira, ando de mão dada ou beijo minha companheira, eu também estou inteira. Somos filhas da rua, da luta, do amor e do axé.

O dia 28 de Junho — Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ – nos lembra que a nossa luta nunca foi por aceitação, mas por liberdade. É um marco de resistência, mas também de celebração por sobrevivência porque nossas vidas não são negociáveis.

Estamos afirmando que amar outra mulher pode ser uma oração, que nossos afetos são sagrados, que dançar no xirê pode ser um grito político, que nossas existências não cabem mais nos armários e nem nos altares que nos negam e que a nossa fé e o nosso amor não pedem licença — eles ocupam espaço!

Ser lésbica e ser de terreiro me devolveu Deus. Não um Deus que vigia e pune, mas um Deus que dança comigo no xirê, que me chama pelo meu nome, que se manifesta nos tambores, no cheiro do banho de folha, na força da natureza, no cuidado da minha mãe de santo.

Que a força e serenidade de Oxalá, os ventos de Iansã, a sabedoria com a guerra de Ogum sigam abrindo os caminhos. Que o ouro de Oxum ilumine nossa autoestima,
e que o axé da nossa ancestralidade continue nos empurrando pra frente —
porque, como dizemos no terreiro: quem tem axé, não recua!

Axé e Orgulho pra nós!