Diante do algoz, Bolsonaro amansa
Em depoimento no STF ex-presidente exibe contradições, piadas e medo. Calou-se diante das provas e adotou tom submisso frente a Alexandre de Moraes, após anos de ataques à Corte
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Diante do ministro Alexandre de Moraes, seu principal algoz no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou nesta terça-feira (10) um depoimento que mais pareceu um ato de rendição política e judicial. Conhecido por seus arroubos autoritários e ataques diretos à Corte durante o mandato, Bolsonaro adotou um tom contido, quase submisso, em contraste gritante com a retórica beligerante que o marcou nos últimos anos.
A mudança de postura não foi por acaso. Nos bastidores, aliados do ex-presidente já admitem que seu destino jurídico está selado.
“Entrou condenado, saiu condenado”, confidenciou uma fonte próxima ao núcleo bolsonarista à colunista do G1 Andréia Sadi, reconhecendo o peso das evidências reunidas no inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado.
O foco agora é tentar evitar o pior: uma prisão em regime fechado. A aposta é em um acordo para prisão domiciliar, como último recurso para salvar o que resta da dignidade política de Bolsonaro.
O depoimento diante de Moraes foi marcado por contradições, tentativas de minimizar responsabilidades e, surpreendentemente, até piadas de mau gosto. Bolsonaro chegou a convidar o ministro, relator do processo, para ser seu vice em 2026.
“Posso fazer uma brincadeira?”, perguntou, com tom jocoso. Diante do silêncio constrangido, completou: “Eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”.
Moraes respondeu com frieza: “Eu declino novamente”, provocando risos entre os presentes. Mas a cena revelou mais fragilidade do que irreverência.
Principais pontos do depoimento
Na Corte, o ex-presidente:
- Negou envolvimento na tentativa de golpe, dizendo que “teve que entubar” a derrota para Lula;
- Minimizou as reuniões com militares, afirmando que discutiu apenas “alternativas dentro da Constituição”;
- Pediu desculpas públicas a Moraes por declarações anteriores, negando qualquer intenção de ofender o ministro ou acusá-lo de ilegalidades;
- Negou ter redigido ou sugerido mudanças na minuta golpista, apesar de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, ter relatado o contrário em sua delação;
- Chamou de “malucos” os apoiadores que pediam AI-5 e intervenção militar e disse que gravou uma live pacificadora antes de fugir para os Estados Unidos;
- Negou qualquer vínculo com os atos de 8 de janeiro, em que golpistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
As incongruências são notáveis. Bolsonaro, que nos palanques dizia não aceitar resultado eleitoral sem “voto impresso auditável”, agora afirma que aceitou a derrota. Quem insultava ministros do STF, chamando-os de “canalhas”, agora pede desculpas e elogia a instituição. A minuta do golpe, que segundo Cid teria sido alterada por ordem direta de Bolsonaro, foi, na versão do ex-presidente, apenas “exibida rapidamente numa TV”. É uma mudança de narrativa feita sob o peso de provas robustas e da iminência de uma condenação histórica.
Desqualificando CId
Além disso, o depoimento reforça outra linha de defesa em curso entre os aliados: tentar desqualificar a delação de Mauro Cid. Réus como Braga Netto contestaram trechos da colaboração, inclusive o episódio da sacola de vinho com dinheiro destinada a financiar acampamentos golpistas. A tentativa é clara: desmoralizar o delator para reduzir os danos que sua colaboração impõe à narrativa bolsonarista.
Importante lembrar que Bolsonaro já foi declarado inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Agora, responde criminalmente por articular uma tentativa de ruptura institucional – com riscos concretos de prisão, como alertam juristas e especialistas em Direito Penal.
Segundo o professor de Direito Constitucional Pedro Estevam Serrano, em entrevista à Carta Capital, “o conjunto de provas contra Bolsonaro no caso da tentativa de golpe é denso e coerente. A estratégia de negar tudo, mesmo diante de delações premiadas, só reforça o comportamento negacionista que sempre o caracterizou”.
O teatro encenado no STF revela, mais do que uma mudança de tom, o colapso da bravata autoritária. Bolsonaro, que se alimentou politicamente do confronto com as instituições, agora depende justamente da leniência delas para escapar da cadeia.