Japão: estagnação e confusão
Análise da situação econômica e política do Japão às vésperas das eleições da Câmara Alta ocorridas no último dia 20 de julho
As eleições da Câmara Alta do Japão aconteceram no último dia 20 de julho, um dia antes da publicação do artigo de Michael Roberts – como advertido pelo próprio autor. Os resultados premilinares dão conta que a coalização governamental liderada pelo PLD não alcançou as 50 cadeiras necessárias para ter maioria parlamentar, tal como nas eleições da Câmara Baixa em outubro quando elegeram 75 cadeiras. As duas câmaras, somadas, totalizam 248 cadeiras, razão pela qual seria necessário eleger agora ao menos 50 parlamentares para constituir a maioria governamental. O partido da direita populista japonesa, como classificado por Roberts, tornou-se a quarta maior força de oposição, saindo de 1 representação na Câmara Alta para 14 representantes.
Amanhã [20 de julho] acontecem as eleições em uma economia chave do G7, Japão. A atenção se centra em si na coalização governante do Partido Liberal Democrático (PLD) e seu sócio menor, o Komeito, que juntos sofreram uma importante derrota nas eleições da Câmara Baixa (Dijin) no último outono, poderão manter a maioria na Câmara Alta (Shorin). O governo de coalização deve ganhar 50 dos 125 assentos (a metade das cadeiras da Câmara) que estão em jogo. As últimas pesquisas de opnião sugerem que vários partidos minoritários da oposição estão obtendo ao redor de dois terços dos votos potenciais, enquanto os partidos governantes só têm 32%.
O primeiro ministro Shigeru Ishiba, que encabeça o PLD, intensificou sua retórica sobre temas que atraem os conservadores, a base principal do PLD. Destacou a necessidade de revisar a Constituição pacifista do Japão, um objetivo que o PLD persegue faz muito tempo para remilitarizar o país, e mostrou firma oposição às tarifas de 25% propostas por Trump sobre as exportaçõe japonesas aos Estados Unidos: “Não nos subestimem. Embora estejamos negociando com um aliado, devemos dizer o que precisa ser dito sem vacilar”. Ishiba está apelando à direita populista, como fazem agora todos os políticos mainstream das economias do G7. No Japão, a direita populista está representada pelo partido Sanseito, que se opõe à imigração e às pessoas estrangeiras sob o lema Os japoneses primeiro e ganhou apoio entre o eleitorado mais jovem.
Mas esses não são os principais temas que preocupam os eleitores. Em vez disso, o que predomina é o descontentamento pelo aumento da inflação, o baixo crescimento dos salários e os altos impostos, o que há provocado uma onda de apoio aos partidos anteriormente marginais que prometem mais gasto público e cortes nos impostos sobre as vendas de todos os produtos. O PLD prometeu auxílios em dinheiro e outras medidas para reduzir os preços da energia.
Mas estes auxílios prometidos só podem aumentar o déficit orçamentário do Governo e a enorme dívida pública do Japão. Como resultado, os investidores financeiros estão vendendo títulos do Estado: o rendimento dos títulos de dez anos atingiu seu nível mais alto desde a crise financeira mundial de 2008.
Os partidos de oposição estão baseando suas campanhas em atacar as crescentes taxas de inflação e pedir uma redução do imposto sobre as vendas de 10% e do imposto sobre os produtos alimentícios de 8% para reduzir o custo de vida. Mas o imposto sobre as vendas é a maior fonte de receita do Governo. O ano fiscal de 2025, arrecadou 25 bilhões de yenes (160 bilhões de dólares), o que representa 21,6% da receita total. Reduzir a metade essa alíquota significaria um corte nas receitas de mais de 10 bilhões de yenes.
Japão costumava ter uma taxa de inflação próxima a zero, mas em uma tentativa de reativar a economia, o governo e o Banco do Japão trataram deliberadamente de impulsionar a inflação para animar às empresas a investir e reduzir a carga real da dívida. No entanto, o único que conseguiu foi deteriorar as condições de vidas das família japonesas.
Segundo as pesquisas, 48% da população considera que a luta contra a inflação é a questão central mais importnate, seguida pela seguridade social, com 33%, e o crescimento econômico, com 30%. Os eleitores querem que reduza o imposto sobre as vendas, mas não querem que a queda na receita se compense com cortes nos programas sociais, como sugeriu o Governo.

Fonte: Katz
Como em todas as economias do G7, ao longo das últimas décadas, os governos japoneses adotaram políticas econômicas neoliberais destinadas a reduzir as pensões e benefícios sociais. Richard Katz assinlou que a coalização do PLD reduziu as prestações da seguridade social para as pessoas idosas de 2,9 milhões de yenes (20 mi dólares na cotação atual) em 1995 para apenas 2,1 milhões de yenes (14 mil e 500 dólares) atualmente, o que significa uma redução de 30% em termos reais. Além disso, o gasto público em assistência médica por idoso (maior de 65 anos) se reduziu quase um quinto nos últimos 30 anos.

Fonte: Katz
Ao mesmo tempo, o imposto sobre os lucros das empresas foram reduzidos de 50% para 15%. Os lucros foram duplicados, passando de 8% do PIB para 16%, mas a arrecadação fiscal do governo advinda das empresas caiu de 4% do PIB para 2,5%. Estes cortes nos impostos sobre os lucros das empresas não deram lugar a um aumento do investimento empresarial. Em vez disso, as empresas acumularam dinheiro ou investiram em títulos da dívida ou bolsa de valores.

Fonte: Katz
A chave do fracasso destas medidas neoliberais para impulsionar o investimento empresarial e pôr fim à estagnação econômica da economia japonesa desde a década de 1990 é a diminuição da rentabilidade de investimento de capital. A rentabilidade do capital no Japão caiu mais do que em qualquer outra economia do G7.

Fonte: EWPT e séries AMECO, cálculos do autor.
A economia japonesa está estagnada (em termos de PIB real), oscilando continuamente à beira da recessão. Portanto, o investimento e a demanda dos consumidores têm sido débeis. Esse é particularmente o caso dos salários. De fato, uma das característica dos últimos 25 anos tem sido a estagnação dos salários, enquanto os lucros aumentam. Este é o resultado das políticas neoliberais adotadas pelos sucessivos governos para tentar reverter a queda a longo prazo da rentabilidade do capital japonês, com um êxito limitado.
Embora a taxa de desemprego oficial se encontre próxima de mínimos históricos, como em outras grandes economia, há mais ociosidade no mercado de trabalho do que indicaria a taxa de desempregro de 2,5%. O número total de horas trabalhadas segue sendo 2,8% inferior ao nível da pandemia. As empresas estão preenchendo suas vagas com trabalhadores e trabalhadores de meio período com salários mais baixos. O desemprego é baixo devido a enorme contração da população em idade de trabalha, que atualmente diminui aproximadamente em 550 mil habitante por ano.
O impacto no mercado de trabalho se compensou com o aumento do desemprego feminino, mas as mulheres trabalham em setores com salários mais baixos e recebem salários inferiores aos dos homens. Isso mantém a baixa a participação salarial na economia e alta a participação nos lucros. De fato, a participação do trabalho na renda nacional japonesa diminuiu desde o final do período de bonança japonesa na década de 1980, passando de 60% a 55% atualmente. O salário médio por hora de um trabalhador de turno completo no Japão não é superior ao de 1993. E o salário real médio por hora de todos os trabalhadores japoneses, não só os de tempo integral, baixou a 10% desde seu auge em 1997.

Fonte: Katz
O problema de longo prazo é a população japonesa. Está diminuindo e envelhecendo. Isso permite que o crescimento da renda per capita seja superior ao crescimento do PIB total; o PIB real per cepita do Japão aumentou 10,8% desde 2010, enquanto o PIB real aumentou 9,6%. Mas o crescimento do PIB real per capita também está desacelerando.

Fonte: FMI
As e os trabalhadores estão sobrecarregados. Japão cunhou o termo karoshi – morte por excesso de trabalho – faz 50 anos, depois de uma série de tragédias que afetaram vários trabalhadores. As grandes empresas estão promovendo a ideia da jornada de trabalho de quatro dias para aliviar esta pressão e aumentar a produtividade. No entanto, há pouco indícios de que esta ou outras medidas estejam funcionando para aumentar a produtividade. O crescimento da produtividade é inexistente.
A razão é clara. O crescimento do investimento empresarial é muito débil. É possível que as empresas japonesas tenham aumentado seus lucros às custas dos salários, mas não estão investimento esse capital em novas tecnologias e equipes que melhorem a produtividade. O investimento real não é superior ao de 2007. O investimento público (aproximadamente 1/4 do investimento empresarial) se mantém estático. A imagem do capital japonês como inovador tecnológico parece ter desaparecido há tempos. A medida principal da inovação, a produtividade total dos fatores (PTF), passou de crescer mais de 1% anualmente na década de 1990 a quase zero atualmente, enquanto o enorme investimento de capital nas décadas de 1980 e 1990 desapareceu por completo. Portanto, a taxa de crescimento real do PIB potencial do Japão é próxima de zero.
Os primeiros ministros vão e vêm: de Abe a Kishida e a Ishiba, mas não muda muda. Japão registrou déficits públicos permanentes, que destinou a projetos de construção e de outro tipo, e, no entanto, sua economia segue estagnada. A enorme relação de dívida pública do Japão não provocará uma crise financeira, já que a maior parte dessa dívida está nas mõas do Banco do Japão e dos seus principais bancos, mas segue sendo uma mostra do fracasso do setor privado na hora de investir.

Fonte: FMI
As eleições da Câmara Alta acontecem em um momento no qual o motor das exportações japonesas está falhando e justo quando as tarifas do presidente estadunidense, Donald Trump, começarão a afetar os setores chaves como automobilístico e o sirderúrgico a partir de 1 de agosto. Até agora, Tóquio não conseguiu alcançar um acordo comercial com Estados Unidos, apesar das sete visitas a Washington do enviado comercial japonês, Ryosei Akazawa.
A economia japonesa se contraiu no primeiro trimestre e as últimas cifras comerciais apontam que é cada vez mais provável que se produça uma segunda contração consecutiva no segundo trimestre, o que se ajustaria a definição de recessão técnica. Se a coalização liderada pelo PLD perde maioria na Câmara Alta, poderia se vê obrigada a convocar eleições gerais, com a economia estagnada e o governo em desordem.