O governo Trump é fascista?

O governo Trump é fascista?

Qual o caráter do governo Trump e até onde ele poderá chegar? Qual deve ser a resposta dos movimentos sociais e dos trabalhadores organizados?

Estados Unidos Hoje da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

Donald Trump conduz uma política fascista nos Estados Unidos? Ou Trump seria apenas um reacionário radical, um “louco” incontrolável, mas inconsistente? Qual o caráter do seu governo e até onde ele poderá chegar? Qual deve ser a resposta dos movimentos sociais e dos trabalhadores organizados? 

As questões acima povoam o pensamento de milhões de pessoas. Entre as organizações políticas, muitas vezes a confusão predomina. Angústia e ansiedade tomam conta do mundo à medida que ações do presidente estadunidense se concretizam. 

Para pensar o tema, é preciso entender a correlação de forças, a situação específica dos movimentos sociais, das organizações de classe, o programa de Trump e suas medidas concretas na economia, na ameaça às liberdades democráticas, ao meio ambiente e aos imigrantes. Além disso, é indispensável aprender com a experiência histórica do nazifascismo dos anos 1930. Portanto, não é uma tarefa simples. 

Pouco depois da posse de Trump em janeiro, Álvaro Bianchi¹ publicou um artigo notando uma guinada no discurso trumpista em direção a uma estética fascista. Essa estética estaria presente na ideia de uma “nova era de ouro” para os Estados Unidos. Diferentemente do seu primeiro governo, Trump agora promete uma “revolução do senso comum”, liderada por ele próprio, o líder insubstituível. O “mito do declínio e renascimento nacional” são marcas do fascismo, destaca Bianchi. O fascismo historicamente emergiu como força política para salvar a nação de uma “suposta ruína iminente”, causada, segundo eles, por traidores da pátria e setores sociais específicos.

Mas naquele momento Bianchi afirmou que, apesar da retórica, Trump não seria um fascista, porque seu projeto de fundo não visaria destruir o atual regime político estadunidense, mas sim desenvolver os aspectos mais reacionários dele. Mesmo assim, nesse percurso, o presidente seria apoiado por grupos nazifascistas — e aceitaria esse apoio. 

Seis meses após a posse de Trump e o artigo de Bianchi, qual a situação concreta?

Considerando os acontecimentos, parece adequado afirmar que Trump atua, sim, com o objetivo de alterar tanto o regime político dos Estados Unidos quanto a ordem mundial. Chega-se a essa conclusão observando medidas internas, como a perseguição violenta aos imigrantes, e externas, como o plano de limpeza étnica em Gaza, as tarifas e o ataque recente à soberania brasileira. Também têm caráter profundamente reacionário os ataques ao meio ambiente, à população transgênero, à educação pública, à ciência, às liberdades democráticas e até mesmo aos organismos multilaterais burgueses. 

Trump quer impedir, com base na força, o declínio do imperialismo estadunidense. Em paralelo, no país, tenta instituir uma nova situação pautada pela concentração de poder e pela ampliação da desigualdade social, do individualismo, do conservadorismo e da perseguição às minorias. Até onde ele conseguirá chegar é uma questão em aberto.

Em The Struggle against Fascism in Germany (Pathfinder, 1971), Trotsky definiu que, ao se tornar fascista, o Estado passa a exercer controle total sobre todas as esferas da sociedade: os poderes, o exército, as universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos, as empresas. Esse controle se dá sob a hegemonia do capital financeiro, a onipotência de um líder ditatorial e a aniquilação física das organizações da classe trabalhadora.

De acordo com esses critérios, seria errado afirmar, desde já, os Estados Unidos e seu governo como fascistas. No país, as organizações de classe e a sociedade civil seguem livres para se organizar. Trump, o ditador em potencial, está distante de hegemonizar as instituições e, na verdade, há divisões intraburguesas e brigas na esfera da extrema direita, como mostra o exemplo de Elon Musk. Uma parcela da mídia, da opinião pública e do establishment opõe-se ao presidente — e até a vitória recente de Zohran Mamdani nas primárias democratas de Nova York revela a vitalidade do movimento socialista em oposição à extrema direita. 

Mas Trump quer mudar esse quadro. São nítidas as ações dele para tentar controlar a Suprema Corte, o parlamento, intervir nos estados, municípios, nas universidades e na imprensa. Passo a passo, ele tenta construir o que Frederico Henriques² chamou de caminho “da erosão institucional, da cooptação das elites, da violência legitimada e da inércia das forças democráticas”. Em outros termos, o caminho da mudança de regime.  

Até aqui, Trump obteve vitórias, mas também deixou flancos abertos. A intervenção militar em Los Angeles foi um avanço da sua parte, respondido, porém, pelas manifestações nacionais do No Kings Day e por múltiplas lutas na Califórnia, que vêm freando, até agora, a nacionalização da ofensiva e da repressão. No ensino superior, diante das chantagens, universidades como Columbia capitularam. Outras, como Harvard, resistiram. A favor do governo, pesaram a aprovação do orçamento pelo Congresso e decisões da Suprema Corte, que pavimentaram o caminho para desmonte dos serviços públicos e do Departamento de Educação, bem como para a perseguição a imigrantes e transgêneros. Ao se contraporem a operações do ICE, políticos democratas, incluindo um senador e um prefeito, chegaram a ser detidos, abrindo um grave precedente. Também são graves as ameaças islamofóbicas feitas por Trump contra Zohran Mamdani. Por outro lado, o próprio Trump está agora no centro de um aparente escândalo de abusos sexuais envolvendo o magnata falecido Jeffrey Epstein — o que tem gerado fraturas dentro do movimento MAGA.  

Se estamos diante de um cenário arriscado e indefinido, o que merece mais atenção? Entre os vários tópicos de grande gravidade, destacamos, a seguir, três deles:  a política externa, a política imigratória e a política ambiental.

A “solução final” em Gaza seria, em escala global, o maior avanço do fascismo trumpista em aliança com o igualmente fascista Netanyahu. Além disso, o mundo deve se preparar para mais investidas imperialistas e neocoloniais, por meio da instrumentalização das tarifas (caso do Brasil), de agressões diretas (casos do Irã e Iêmen), ou de chantagens variadas (casos da Ucrânia, Panamá e outros). As respostas do movimento de massas em escala global e a ação soberana de países que não se curvam à barbárie são o que pode barrar o alcance da extrema direita.

No problema da imigração, está o centro nervoso da ideologia de Trump e seu entorno. É importante resgatar a entrevista de JD Vance ao The New York Times³, na qual o vice-presidente acusou imigrantes de ameaçarem a “coesão social” estadunidense e construírem comunidades pautadas pelo “caos, violência e pela brutalidade pré-moderna”. Trata-se de um conteúdo evidentemente supremacista, que deve ser cortado na raiz. Mas o governo avançou ao aprovar o orçamento, que prevê, segundo Vance, recursos para erguer materialmente um aparato de repressão em larga escala à imigração — qualquer semelhança com campos de concentração não é mera coincidência.    

Por fim, no âmbito climático, Trump promove o que Luiz Marques⁴ definiu como um “voo cego”, ao destruir agências, institutos e pesquisas, além de incentivar os combustíveis fósseis e atacar a energia verde. As consequências se espraiam pelo mundo e disparam alerta máximo. A combinação entre ecocídio e perseguição racista a imigrantes (que são parcela importante da classe trabalhadora, tanto local quanto mundial) pode bem configurar formas atuais da mesma “liquidação física” dos meios de existência da classe trabalhadora que caracterizou o fascismo do passado. Em última instância, trata-se da tentativa de construir um futuro marcado pelo caos, autoritarismo, hiper exploração dos pobres e oprimidos, racismo, misoginia, conservadorismo cristão, colonialismo, negacionismo científico e privilégio dos bilionários. 

O alerta a respeito da gravidade do que está em jogo marca o novo livro de Roberto Robaina, A ascensão da extrema direita e o freio de emergência (Editora Movimento, 2025). Nele — em uma definição com a qual concordamos —, Robaina apresenta como neofascista a política de Trump, e sustenta que estamos diante de um fenômeno de alcance mundial, que envolve outros líderes. Assim, as tarefas das organizações revolucionárias e dos movimentos da classe trabalhadora se hierarquizam a partir desse enfrentamento.  

Trump quer destruir o planeta e as massas estadunidenses. Seu segundo governo apresenta diferenças qualitativas em relação ao primeiro. No balanço final, ele pode representar apenas mais um capítulo nas experiências reacionárias da história dos Estados Unidos — ou pode, desta vez, ir além. E é preciso considerar ainda uma terceira possibilidade: que as massas estadunidenses tenham a palavra final nessa batalha, agindo com consciência histórica e apoiadas nas liberdades democráticas vigentes.   

Conectar os polos das lutas nacionais e internacionais é decisivo para erguer a força física e ideológica que pode esmagar o neofascismo, a maior ameaça à nossa geração. Afinal, conforme orienta Robaina (apoiando-se em Benjamin), é preciso puxar o freio de emergência.

¹ https://diplomatique.org.br/donald-trump-e-a-promessa-de-uma-nova-era-de-ouro/
² https://movimentorevista.com.br/2025/04/a-capitulacao-silenciosa-legalidade-calculo-e-avanco-autoritario/
³ https://www.nytimes.com/video/opinion/100000010172754/jd-vance-on-his-faith-and-trumps-most-controversial-policies.html
⁴ https://outraspalavras.net/sem-categoria/eua-assim-se-gestou distopia/#sdendnote17sym

Samir Oliveira

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