O lugar do lulopetismo e o papel do PSOL na virada da situação brasileira

O lugar do lulopetismo e o papel do PSOL na virada da situação brasileira

Diante da nova situação em aberto, é preciso construir unidade ao redor de um programa mínimo à esquerda, sustentado pelo método da mobilização e que abarque exigências claras e realizáveis a olho nu, como fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos

Leandro Fontes 15 jul 2025, 14:03

A PGR pede a condenação de Bolsonaro e de mais sete réus por liderarem uma organização criminosa e dar um Golpe de Estado no Brasil. Essa é a notícia de momento com envergadura de três semanas que estão devendo pouco aos períodos de aceleração da história, num espaço curto de tempo a situação do Brasil virou de modo qualitativa. O governo Lula passou para a ofensiva e a direita, sobretudo, o bolsonarismo e seus satélites como Tarcísio de Freitas, para a defensiva. Mas o que houve de diferente para que dias parecessem semanas e semanas parecessem meses? Em primeiro lugar, no mesmo dia que o governo Lula liberou 1,15 bilhão para emendas parlamentares, o Centrão e a maioria do Congresso Nacional aplicou uma derrota acachapante na moderada proposta de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Sentindo o golpe, sobretudo dos partidos da “base aliada” e do acordo rompido por Hugo Motta e Davi Alcolumbre, o governo conseguiu encaixar uma contra-ofensiva nas redes sociais que funcionou. A política de agitação de “ricos contra pobres”, tendo como ênfase o mote da “taxação dos super-ricos”, emparedou o covil de ladrões da Câmara e do Senado. No calor desse embate, Boulos (como parte de sua campanha rumo ao ministério) convocou a mobilização do dia 10 de julho para a Avenida Paulista sob a consigna inicial: “Centrão inimigo do povo”.

A mesma Avenida Paulista tinha sido palco, em 29 de junho, da última mobilização da extrema-direita, que reuniu 12 mil pessoas em defesa da anistia para Bolsonaro e demais golpistas. Portanto, um ato aquém da força de mobilização que o bolsonarismo já demonstrou. Por outro lado, a esquerda não vinha dando resposta a altura. E, não por menos, já que a orientação do lulopetismo não é de apostar na mobilização e sim na negociação. De tal forma, no dia 4 de julho, véspera da Cúpula dos Brics no Rio de Janeiro, em um ato com petroleiros, Lula coloca água na fervura ao afirmar que o parlamento não era seu inimigo, porque este “votou 99% dos projetos do governo”. Ora, de duas uma, ou o Congresso Nacional não é inimigo do povo (o que desautorizava a campanha de pressão “nós contra eles”) ou, a partir da fala de Lula, o governo ensaiava colocar o discurso de lado e partir para a velha linha de conciliação com o andar de cima.

Isto só comprova que o problema histórico do lulopetismo não é o discurso. Mas a prática e o programa de colaboração de classes. Vamos lembrar que o PT vestiu a Dilma de guerrilheira na campanha de 2014, após as Jornadas de Junho de 2013, que a então presidente, além de Haddad (prefeito da cidade de São Paulo) e Alckmin (governador de SP), reprimiram duramente. O que ocorreu em seguida? O novo governo do PT, com Joaquim Levy como Ministro da Fazenda, aplicou o programa do Aécio Neves que foi derrotado nas urnas. Por isso, Dilma foi derrubada sem resistência digna de nota. No entanto, não precisamos ir tão longe, as próprias limitações do IOF coadunam com as diretrizes do Arcabouço Fiscal (Teto de Gastos), que igualmente produz os cortes de benefícios sociais (BPC) e dos 10% da educação como explicou David Deccache no artigo.

Paralelamente, no dia 6 de julho, 239.155 petistas elegeram com 74% dos votos, Edinho Silva, o novo presidente do PT, que defende o aprofundamento da conciliação de classes diante da necessidade social e política de um giro à esquerda. Acontece que não há surpresa no resultado do PED petista (Processo de Eleição Direta). Ou melhor, não há razão científica para que o PED do PT produzisse algo de novo. Pelo contrário, os resultados, tanto nacional quanto nos diretórios estaduais e municipais, são um raio-x exato do que se transformou o Partido dos Trabalhadores desde a “Carta ao Povo Brasileiro” e a vitória eleitoral de Lula em 2002. Isto é, o PT foi se deformando de modo contínuo e acelerado ao ponto de se tornar uma espécie de partido cartório que permite que figuras como Quaquá consigam filiar 80 mil pessoas e eleger o próprio filho para presidente do diretório estadual PT/RJ, ou seja, são superestruturas (governos, prefeituras e parlamentares) e máquinas burocráticas controlando uma massa de filiados (não-militantes) que são conduzidos a legitimar as posições políticas da direção hegemônica petista.

De tal modo, internamente, o PT é uma engrenagem amorfa e indisputável. A começar pelo próprio processo de decisão do comando das direções, o PED é um modelo de processo decisório que literalmente se espelha nas eleições burguesas. Ou seja, o debate de congresso entre militantes foi substituído por painéis de exibição de candidatos, sendo que parte deles, representa a máquina da CNB (corrente majoritária do PT) e os outros, de setores minoritários, que nesse último PED não passaram de 15% somando os 11% da candidatura de Rui Falcão e os 4% de Valter Pomar. Mas não só, Edinho Silva para além de toda vantagem que reunia, pelas características de sua candidatura, também foi o nome do PED que desfilou pela mídia burguesa se apresentando como homem de confiança de Lula e de continuidade do giro à direita petista na política da “Frente Ampla”, com destaque ao apoio à agenda econômica neoliberal implementada por Haddad e a de ampliação das alianças com partidos da centro-direita nas próximas eleições.

Embora haja toneladas de materiais petistas afirmando que o PT ainda é disputável para um projeto de esquerda e anticapitalista, a verdade nua e crua é oposta. Um fato que foi caracterizado, ainda em 2002, por Roberto Robaina na obra “Uma visão pela esquerda: a socialdemocracia, o Estado e o PT”, livro que foi base teórica para a formação do PSOL e, também, “A falência do PT: e a atualidade da luta socialista” de 2006, livro de Luciana Genro e Roberto Robaina, que abordou o desenvolvimento da degeneração do PT, após a expulsão dos Radicais, além da consequente fundação do PSOL, a segunda onda rupturas com o PT provocada pela crise do “mensalão” e a necessidade da construção de uma alternativa socialista à esquerda (o que ainda está para se provar), com força para superar a direção lulopetista que, já nesse então, havia passado para o lado dos capitalistas. De tal modo, se por um lado tenhamos consciência que a situação no tempo presente não é a mesma de vinte anos atrás, não à toa a posição do PSOL não é de oposição de esquerda ao governo Lula 3 e construímos unidade de ação em pautas defensivas com o PT, uma vez que o eixo da luta de classes se materializa no enfrentamento ao bolsonarismo. Por outro lado, não podemos nutrir ilusões na direção de Lula e do PT.

Não à toa saiu na coluna de Lauro Jardim no Globo (13/07/2025) que Guilherme Boulos perdeu a chance de ser Ministro da Secretaria-Geral da Presidência, por conta de o MTST ter ocupado uma agência do Itaú em São Paulo. Ademais, segundo Lauro Jardim, a “chapa dos sonhos de Edinho Silva nas eleições de São Paulo em 2026 é a seguinte: Alckmin para o governo e Haddad para uma vaga no senado. (…) “Em Minas Gerais, o novo presidente do PT quer o apoio a Rodrigo Pacheco para o governo do estado”. Enquanto isto, o governo aposta numa maior articulação com o setor privado da indústria e do agronegócio para responder o “tarifaço” de Trump com Alckmin como “capitão do time”. Ou seja, o caminho lulopetista não será de convocar a massa dos trabalhadores e do povo para as ruas, mesmo que a bandeira do Brasil, sob a cunha da soberania nacional e contra o imperialismo norteamericano, tenha passado momentaneamente para as mãos do governo e da esquerda.

Esse é o ponto cardeal que o petismo segue incorrigível como parte orgânica do pacto da Nova República e com a estratégia moribunda de governar para gerenciar de “modo humano” o capitalismo brasileiro. O problema é que o capitalismo é desumanizado por natureza, ainda mais no caso brasileiro que possui uma burguesia oriunda do latifúndio e do regime escravocrata. Portanto, querer gerir esse sistema sem propor destruí-lo coloca, consequentemente, uma parte dos brasileiros frustrados e indignados contra si e toda esquerda distorcida pelo senso comum. Foi nesse erro que em grande medida o bolsonarismo conseguiu surfar em parcelas da classe média empobrecida, do proletariado de baixo salário e dos trabalhadores de aplicativo precarizados, que se colocam “contra tudo que está ai” iludidos pela janela do empreendedorismo. Essa é a síntese que deu forma e lastro social ao falso discurso antissistêmico da extrema-direita neofascista. Por isso, é dever da esquerda radical que defende um programa antissistema factual, de poder nas mãos dos trabalhadores, lutar para sair da sinuca de bico que o lulopetismo em sua integração ao regime nos colocou.

Dito isto, qual é a conclusão de momento? Tudo indica que mais uma vez não haverá um giro à esquerda algum por parte de Lula e do PT. Pelo contrário, irão para mais uma concertação dos negócios capitalistas brasileiros, ao lado do Centrão, da mídia corporativa (vide os editoriais do Globo, Folha de S. Paulo e Estadão), do STF e de grandes empresários que financiaram a tentativa do golpe. A questão que fica para responder é se algo plausível irá cair no cesto da classe trabalhadora em contrapartida, como aprovação do fim da escala 6×1 e reforma tributária progressiva com taxação das grandes fortunas para que o ricaços paguem o que nunca pagaram ao país para que os trabalhadores assalariados e precarizados sejam aliviados do chicote da carga tributária. Essas bandeiras estão colocadas na ordem do dia e são parte do debate nacional, com alcance de audiência em amplos setores de massas e da vanguarda social.

Portanto, a esquerda que se reivindica como tal deve exigir abertamente essa agenda (tal como Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e Glauber Braga apresentam no Congresso Nacional) como parte do pacote do governo à luz da nova situação em que a direita passou para a defensiva e o grande empresariado está em regime de negociação. Esse papel não será cumprido pelo PT de Edinho Silva e muito menos por Lula. Mas deve ser cumprido pelo PSOL, sobretudo porque Boulos está virtualmente descartado como ministro, mas foi o proponente do ato do dia 10 de julho, que, diante das circunstâncias, superou numericamente (15 mil pessoas) o ato pela anistia de Bolsonaro. Esse balanço o campo majoritário do PSOL precisa fazer e tirar conclusões, principalmente o próprio Boulos, que se remodelou ao sabor do lulopetismo, sendo um fiel aliado útil e pode estar sendo bloqueado por “descompassos” de suas raízes.

De tal maneira, diante da nova situação em aberto, não há argumento – fora da capitulação – para não haver unidade de todo o PSOL, além dos partidos da esquerda radical e da fração minoritária das correntes petistas derrotadas no PED, ao redor de um programa mínimo à esquerda, sustentado pelo método da mobilização (como de 10 de julho) e que abarque exigências claras e realizáveis a olho nu, como fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos. Esse primeiro passo de um giro comum à esquerda de setores ainda minoritários na classe trabalhadora obedece a uma política de unidade e enfrentamento, que só pode existir com independência do governo, mas, contraditoriamente, é o que de melhor pode ocorrer para o índice de popularidade do terceiro mandato de Lula, já que até aqui o governo só atendeu às pressões da burguesia e chegou a hora da pressão mudar de lado.


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