“O partido mais poderoso do último meio século na Bolívia acabou implodindo”
Entrevista com Pablo Stefanoni à luz das recentes eleições presidenciais bolivianas, marcadas pela derrota do MAS após 20 anos no poder
Entrevista realizada por Fabien Escalona (Mediapart) com Pablo Stefanoni. Retirado de VientoSur.
Embora os setores conservadores se regozijassem no domingo à noite após o anúncio dos resultados das eleições gerais na Bolívia, era surpreendente constatar a marginalidade à qual havia sido relegado o Movimento ao Socialismo (MAS). Depois de obter maioria absoluta dos votos em várias eleições consecutivas, incluindo a de 2020, não alcançou sequer 5%.
O ensaísta Pablo Stefanoni tem trabalhado sobre a dinâmica do MAS e publicou, junto com Hervé Do Alto, Nous serons des millions. Evo Morales y la izquierda en el poder en Bolivia (Raisons d’agir, 2008). Este antigo diretor da edição boliviana de Le Monde diplomatique, que recebemos para apresentar seu último livro sobre as “contraculturas neorreacionárias”, descreve ao Mediapart as etapas e as consequências do declínio do “partido mais poderoso do último meio século na Bolívia”.
Mediapart: A situação crítica do país tornava previsível um castigo ao governo de saída e à esquerda em geral, mas a magnitude da queda é espetacular. Como se explica?
Pablo Stefanoni: Três fatores se conjugaram: uma guerra intestina no seio do MAS, o fim da liderança indiscutível de Evo Morales à frente da esquerda boliviana e uma crise econômica.
A guerra interna entre os evistas (partidários de Evo Morales), os arcistas (partidários do presidente Luis Arce Catacora) e os androniquistas (partidários do candidato à presidência Andrónico Rodríguez) foi brutal e contribuiu para a autodestruição do movimento. O governo desqualificou Morales e lhe retirou a sigla do MAS por meio de uma manobra judicial, enquanto Morales tentou bloquear o país contra o governo de Arce.
O jovem candidato Andrónico Rodríguez, relativamente bem posicionado nas pesquisas no início, passou de ser o delfim de Evo Morales a ser considerado um traidor por se apresentar à presidência sem sua autorização. Por isso Morales pediu a anulação das eleições. Atacada pelo governo e por Morales, a candidatura de Andrónico Rodríguez desmoronou.
No entanto, a liderança de Evo Morales se desfez. Os 18% de votos nulos – que responderam em grande medida ao seu chamado – demonstram que ele ainda mantém influência em alguns setores. Contudo, esse voto nulo também reflete a impotência de Morales diante de sua inelegibilidade. Corresponde a cerca de 15% do eleitorado que lhe professa apoio incondicional. Morales se entrincheirou na região do Chapare, seu bastião político, para evitar ser preso em um caso de abuso sexual de menores reativado pelo governo de Arce.
Por fim, há a crise econômica, que fez os bolivianos esquecerem o período de prosperidade conhecido como “milagre econômico boliviano”. Discursos de tipo liberal começaram a seduzir diante dos problemas do nacionalismo econômico do MAS.
Entre as numerosas experiências de governo de esquerda na região na década de 2000, qual foi a originalidade do MAS e de Evo Morales? Se o nome do partido evoca o socialismo, como caracterizar suas conquistas efetivas?
A originalidade do MAS foi colocar em primeiro plano a questão indígena e a plurinacionalidade, por um lado, e o nacionalismo econômico, por outro, em particular através da nacionalização do gás. O nome do partido pode gerar confusão: o Movimento ao Socialismo (MAS) era um acrônimo que Evo Morales havia adotado porque a justiça não havia legalizado sua escolha inicial: o Instrumento Político pela Soberania dos Povos (IPSP).
Seu modelo nacionalista de esquerda parecia funcionar graças aos altos preços das matérias-primas e a uma política orçamentária prudente, mas a industrialização prometida se limitou a pequenas fábricas ineficientes e as reservas de gás se esgotaram. A Bolívia experimentou um forte crescimento durante quase uma década e meia sob o mandato de Morales, com Luis Arce como ministro da Economia, mas esse período parece ter ficado para trás.
Ao mesmo tempo, enfraqueceu-se a ideia de que os indígenas regenerariam a Bolívia. Os bolivianos se cansaram de Morales e de seus constantes esforços para se reeleger. O símbolo indígena perdeu seu prestígio e seu poder narrativo. E a plurinacionalidade, muito difícil de aplicar, reduziu-se mais a questões simbólicas. No entanto, houve um verdadeiro empoderamento popular, cujos efeitos veremos no novo ciclo que se abre.
Com o declínio do MAS, a Bolívia parece voltar à década de 1990: crise econômica, fragmentação política, pactos entre as elites para obter maiorias parlamentares em um contexto de divisões na esquerda.
Evo Morales parecia ser a pedra angular desse movimento. O que ocorreu internamente desde sua derrubada após as controversas eleições de 2019?
Evo Morales começou a se desgastar após o referendo de 2016, quando perdeu a votação sobre a possibilidade de um mandato adicional, mas seguiu adiante com seu projeto apesar de tudo. Em 2019, foi derrubado por um levante original, tanto cívico quanto policial. Para surpresa geral, o MAS voltou ao poder um ano depois, nas novas eleições, com mais de 50% dos votos.
Não foi Morales quem retornou, mas sim Luis Arce. Aí começou uma guerra pelo controle do governo e do MAS. Morales sempre considerou Arce como um candidato de transição que deveria facilitar seu retorno ao poder, mas este se cercou de sua própria camarilha e finalmente decidiu concorrer a um segundo mandato, antes de desistir por falta de apoio.
Numerosas personalidades tentaram mediar a crise do MAS – o presidente venezuelano Nicolás Maduro, o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, Raúl Castro e outros – mas nenhuma conseguiu.
A guerra interna se intensificou, alimentada por uma cultura política boliviana marcada pelo caudilhismo. Além disso, o MAS não é um partido no sentido estrito, mas uma complexa federação de sindicatos e movimentos sociais. Em meio a esses enfrentamentos, o partido sofreu um processo de decomposição política acelerada. Morales começou a ver traidores por toda parte, inclusive entre seus seguidores mais fiéis, como seu antigo vice-presidente Álvaro García Linera.
É surpreendente que o partido mais poderoso do último meio século na Bolívia tenha acabado implodindo. Evo tenta agora resistir com seu novo movimento EVO Pueblo, entrincheirado em posições ideológicas bolivarianas, como seu apoio a Putin e Maduro, que só encontram eco entre seus seguidores mais radicais.
Aconteça o que acontecer em outubro, este país será governado pela direita. Que repercussões se podem esperar do ponto de vista regional?
Os dois candidatos anunciaram sua intenção de se distanciar da Venezuela e do Irã, países com os quais a Bolívia assinou acordos de cooperação, e de se aproximar dos Estados Unidos. No entanto, ambos são favoráveis à permanência da Bolívia no BRICS.
Jorge Tuto Quiroga, um anticomunista declarado, está muito mais próximo que o outro candidato das redes da direita radical e é mais hostil ao Mercosul [o mercado comum do Sul da América, nota do editor], ao qual considera uma “prisão comercial”. Deve-se levar em conta que Milei, na Argentina, poderia se somar a José Antonio Kast, no Chile, se as pesquisas estiverem corretas, o que criaria um eixo regional marcado pela direita.
O discurso de Rodrigo Paz é menos ideológico que o de Quiroga, mas seu pragmatismo deve levá-lo hoje a posições de direita, como foi o caso de seu pai Jaime Paz Zamora (1989-1993), um ex-esquerdista eleito presidente no ano da queda do Muro de Berlim, que acabou se aliando ao antigo ditador Hugo Banzer.
O primeiro lugar de Rodrigo Paz foi justamente uma surpresa. Todas as pesquisas apontavam como vencedor o empresário Samuel Doria Medina, seguido do ex-presidente Jorge Tuto Quiroga. Como se explica esse resultado?
Apesar de estar na política há décadas, Paz não se identifica com o retorno ao poder das antigas elites. Seu companheiro de chapa era um ex-policial muito popular, Edman Lara, expulso das forças policiais após denunciar a corrupção interna, um tema especialmente delicado na Bolívia.
Embora se inspire no presidente salvadorenho Nayib Bukele, Lara insiste no respeito à Constituição e às leis. Seu “bukelismo suave” enfatiza a luta contra a polícia corrupta, mostrando um senso comum que seduziu uma Bolívia desiludida e cansada.
O voto que antes se expressava a favor do MAS parece ter se dividido entre os votos nulos e a chapa Paz-Lara.
Graças a uma campanha eficaz no TikTok, o “Capitão Lara”, de 39 anos, se apresentou como o “candidato viral do povo” e soube seduzir o oeste andino da Bolívia. Mas as redes sociais não explicam tudo: Paz e Lara percorreram o país, firmando acordos com diversas organizações em busca de apoio eleitoral.
A Bolívia andina, a mais popular, votou a favor da chapa Paz-Lara para evitar que as antigas elites (Doria Medina e Tuto Quiroga) voltassem ao poder. Esse resultado contrasta fortemente com o da região agroindustrial de Santa Cruz, onde Quiroga estava amplamente à frente. O voto que antes ia para o MAS parece ter se dividido entre os votos nulos e a aliança Paz-Lara, a de um “politiquinho” tradicional e um outsider.
A vitória de um ou outro finalista representará uma diferença para as esquerdas bolivianas? Qual é sua prioridade para se reconstruir?
Uma vitória de Paz-Lara poderia permitir um melhor diálogo com o mundo popular do que a de Tuto Quiroga, como já mostra a geografia eleitoral. Nesse cenário, o renascimento da esquerda se tornaria mais difícil.
O MAS nasceu de processos profundos como as guerras da água e do gás na Bolívia, mas também se beneficiou de um contexto regional de questionamento do neoliberalismo. E houve um líder, Evo Morales, o único capaz de unificar a esquerda e o bloco popular. Hoje, esse contexto desapareceu. As esquerdas regionais no poder carecem de dinamismo transformador e várias correm o risco de perder as próximas eleições: no Chile, na Colômbia e talvez no Brasil.
É provável que o próximo governo boliviano se veja obrigado a impor programas de austeridade sem dispor de maioria no Congresso nem de líderes capazes de suscitar uma verdadeira adesão popular, o que poderia alimentar novas ondas de contestação social.