‘É hora de lutar por nossa segunda e definitiva independência’
mònica quilodrán

‘É hora de lutar por nossa segunda e definitiva independência’

Aos 60 anos do MIR, Mónica Quilodrán defende o internacionalismo, denuncia o imperialismo norte-americano e reafirma o compromisso do movimento com o socialismo e a autodeterminação dos povos latino-americanos

Vanessa Gil 24 out 2025, 11:48

Foto: Reprodução

O Movimento de Izquierda Revolucionária (MIR) completa 60 anos em 2025 como um pilar histórico da esquerda chilena. Organização de tradição marxista-leninista e guevarista, a sua história heroica de resistência à ditadura de Pinochet marca indelevelmente a luta pelo socialismo no Chile.

Hoje, num contexto político de mudanças no cenário internacional e também interno, o MIR mantém viva a chama allendista, enfrentando os desafios do século XXI. Para compreender como este legado se projeta no futuro, conversámos com a sua dirigente Mónica Quilodrán, Psicóloga Clínica, responsável pelas Relações Internacionais do MIR-Chile.

Durante a Unidade Popular, como o MIR conciliava sua construção de “poder popular” com a estratégia institucional do governo de Allende?

A tarefa de construção do poder popular foi realizada a partir das Frentes Intermediárias de Massa. No caso das fábricas ou dos Cordões Industriais, a organização do Poder Popular foi erguida a partir dos sindicatos das indústrias da área social, organizados nos Cordões. Isso ocorreu em aliança com o antigo Partido Socialista – aquele que era marxista-leninista -, o MAPU e a Esquerda Cristã. Nem toda a Unidade Popular concordava com a construção do Poder Popular; essa tarefa recaiu sobre a FTR (Frente de Trabalhadores Revolucionários), dirigida por companheiros dirigentes sindicais do Comitê Central do MIR.Com o governo, havia polêmicas, pois não havia outra maneira de organizar a defesa do governo popular sem uma estrutura organizada dos(as) trabalhadores(as).

Sendo a organização que manteve a luta armada contra Pinochet, como você avalia o impacto dessa resistência militante no conjunto da oposição à ditadura?

A segunda pergunta só pode ser respondida revelando o que foi a resistência armada ou o uso de todas as formas de luta. O pacto de saída da ditadura não começou com o plebiscito do “sim” e do “não”; começou em 1984, com o nascimento da Assembleia da Civilidade, dirigida pela Democracia Cristã e pelos sindicatos sob sua direção. Pouco a pouco, foram se incorporando os diferentes setores de um Partido Socialista sem rumo definido – com muitas tendências -, o MAPU, a Esquerda Cristã etc., ficando de fora o MIR e, até então, o Partido Comunista, que só o fez em 1986, em outro frente chamada democrática. Depois do fracassado atentado contra Pinochet, realizado pelo FPMR, o PC decidiu dissolver essa frente e aderir à saída pactuada, junto ao setor do PS liderado por Almeyda, que era a fração mais organizada desse partido.

Em 1981, havia sido construída uma frente política cujo objetivo era derrubar a ditadura usando todos os métodos de luta: o MDP (Movimento Democrático Popular), do qual fazíamos parte – o MIR, o PC, o MAPU e a IC. Esse movimento se dissolveu em 1986, após o fracasso do atentado, o que resultou na maior cooptação do movimento popular antiditatorial. Além disso, setores do nosso próprio partido desempenharam um papel nefasto no pacto de governabilidade, firmado sob os princípios e a doutrina – sobretudo econômica – da ditadura. Um dos objetivos desse pacto foi ocultar as ações antiditatoriais e dissolver e aniquilar a esquerda revolucionária – situação que, de certa forma, permanece vigente até hoje.

O MIR completa 60 anos em um cenário mundial de ascensão da extrema-direita em muitos países e com a América Latina novamente sob tentativas de intervenção dos Estados Unidos, como na Venezuela e no Brasil. Como o movimento se percebe dentro desse contexto e quais são suas principais tarefas políticas no Chile de 2025?

O MIR completa 60 anos, em uma longa trajetória de luta desde sua fundação, para que no Chile se possa avançar em um processo revolucionário, a partir de nosso povo, que nos leve pelo caminho da construção do socialismo.

Temos plena consciência de que há uma ascensão da extrema-direita na Europa, no Oriente Médio e na América Latina. Assistimos à mais cruel agressão e invasão armada do sionismo em Gaza, deixando uma sequência de destruição, pobreza e milhares de mortos, dos quais muitos eram crianças que morreram de fome e desnutrição severa. Apesar do imenso clamor solidário para frear os massacres em Gaza, apenas há poucos dias se assinou um acordo de “paz” que o exército de Israel rompe quando quer. E precisamente aí, os EUA financiaram o extermínio palestino. Não podemos fechar os olhos diante do fato de que capitais chilenos se associaram a Israel nesta guerra desigual de ingerência e ocupação de Gaza, expulsando os palestinos – verdadeiros donos daquelas terras. Segundo denúncia do jornalismo investigativo, capitais das AFP (Fundos de Pensões) chilenos teriam apoiado Netanyahu, ou seja, usaram as economias dos trabalhadores chilenos para massacrar o povo palestino – e este governo pró-EUA não sabia disso?

Neste ano, nossa tarefa fundamental foi lutar para evitar a destruição da educação pública através dos sindicatos de professores (SUTE), que está cada vez mais deteriorada, enquanto a educação particular cresce com subsídios estatais. Também propomos um currículo pedagógico descolonizador. Além disso, temos construído uma organização de jovens pela paz e pela autodeterminação dos povos, para sensibilizar sobre o direito de viver livres e sem medo da guerra, em solidariedade com os povos em luta. Continuamos resistindo ao modelo neoliberal imposto pela ditadura militar e vigente até hoje, mantendo viva a exigência de uma verdadeira assembleia constituinte e uma nova constituição.

Como o MIR analisa a experiência do governo Boric?

O governo de Boric é uma continuidade do pacto de governabilidade e respeito irrestrito ao modelo neoliberal firmado em 1988 entre a centro-esquerda = falsamente chamada de progressista – e a ditadura militar. Preservou e aumentou a dependência do país em relação aos capitais transnacionais norte-americanos e europeus, militarizou ainda mais violentamente a região da Araucanía, perseguindo o povo Mapuche, e suas reformas, como a lei das 40 horas, são lentas e superficiais. Já a reforma previdenciária apenas transferiu dinheiro do Estado aos fundos privados, sem melhorar as baixíssimas aposentadorias dos trabalhadores. Em contrapartida, o governo foi rápido em liberar recursos para Israel e sua ocupação militar de Gaza.

Boric é um administrador do modelo neoliberal, tal como poderiam ser a extrema-direita ou a socialdemocracia. Quem acredita que Boric é de esquerda se engana: é um neoliberal disfarçado de progressista que serviu, em um momento político crítico, para acalmar os movimentos sociais cansados de 30 anos de injustiça.

5. Muitos setores falam em esgotamento do progressismo latino-americano – de Boric a Lula. O MIR concorda? Que alternativa propõe?

Na verdade, nunca consideramos Boric ou os governos da Concertación como progressistas. Eles administraram o modelo herdado da ditadura. O único processo que poderia ter iniciado uma verdadeira democratização foi o plebiscito constitucional de 2021, sabotado desde o início. O “progressismo” chileno nunca existiu de fato.

Sobre o Brasil, pouco sabemos além da destituição de Dilma, da ascensão de Bolsonaro e do retorno de Lula. O Foro de São Paulo, do qual participávamos, está sem propostas, talvez reflexo da queda do progressismo regional. O que consideramos importante é a criação dos BRICS, que pode defender as economias do Terceiro Mundo e promover um comércio mais justo — e nos alegra o papel do Brasil nesse projeto multipolar.

Quanto ao progressismo conciliador, reafirmamos: na luta de classes, ou se está com os trabalhadores, ou com a burguesia. O “progressismo” é apenas uma forma branda de defesa do capitalismo.

O feminismo socialista e o feminismo popular ganharam espaço no Chile e no Brasil. Que relação o MIR estabelece com esses movimentos?

Apoiamos plenamente o feminismo socialista e popular – suas reivindicações e propostas são também as nossas. Lutamos por uma sociedade sem classes, sem discriminação econômica ou de gênero, solidárias com as mulheres do mundo que acreditam em um novo mundo livre e unido.

Que legado das mulheres miristas inspira as novas gerações?

O legado das companheiras caídas – inclusive brasileiras – é sua coragem e dignidade na defesa dos ideais revolucionários, mesmo com o risco da vida. Esse sentimento de admiração e amor está presente em cada nova militante. Articulamos gênero, classe e internacionalismo em nossa prática política, defendendo causas justas, soberania nacional e direitos de gênero onde quer que sejam negados.

A América Latina vive uma recomposição política, com centro-esquerdas frágeis e direitas autoritárias. Qual é a leitura do MIR sobre esse novo ciclo?

Na América Latina, esse ciclo é recorrente: surgem processos de bem-estar e substituição de importações, seguidos de ditaduras militares e violações de direitos humanos, sempre sob a Doutrina Monroe. As alianças de centro-esquerda não detêm as direitas autoritárias; ao contrário, desviam a energia popular. É hora de lutar por nossa segunda e definitiva independência, unindo todos os povos do continente. O imperialismo norte-americano continua bloqueando Cuba, cercando a Venezuela e isolando a Nicarágua. É o momento histórico de defender o processo bolivariano, apoiar o governo legítimo da Venezuela e desmascarar as mentiras dos EUA sobre narcotráfico — sabemos que as próprias CIA e DEA organizam o tráfico de drogas, armas e pessoas, canalizando lucros para os bancos norte-americanos e europeus. Precisamos passar de processos progressistas para processos verdadeiramente populares e de esquerda.

O Brasil volta a ter um governo progressista com Lula, mas cercado por forças do capital e do agronegócio. Que paralelos o MIR vê entre Brasil e Chile?

O paralelo é claro: quem governa são as grandes empresas e os donos do capital. Os governos apenas administram um modelo que não é deles, no qual os interesses dos trabalhadores ocupam o último lugar. Antigamente se dizia que “para onde caminhasse o Brasil, caminharia a América Latina”; hoje, a chave está em defender a paz na Venezuela, para que todo o continente avance em seu processo de emancipação.


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