Narcoterrorismo, genocídio e o papel da esquerda no debate de segurança pública
Sobre nossas tarefas diante da mudança de qualidade ocorrida com a nova chacina de Cláudio Castro
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Esse texto foi elaborado a partir de um debate na Coordenação Estadual do Movimento de Esquerda Socialista (MES-PSOL) do Rio de Janeiro no contexto da Chacina realizada pelo governo Cláudio Castro nos complexos do Alemão e da Penha e das mobilizações que viemos construindo em conjunto com os moradores e outros movimentos sociais desde então.
A megaoperação, que deixou mais de 120 mortos, revelou uma mudança de qualidade na política de segurança pública por parte da burguesia brasileira, especialmente expressada pela extrema direita, na qual o termo “narcoterrorismo” tem sido utilizado de forma bastante consciente. A operação que assassinou pelo menos 54 pessoas oriundas de outros Estados também explicita outro momento do crime organizado, expondo a mudança de escala do fenômeno.
O aumento de popularidade de Cláudio Castro e as pesquisas que demonstram uma maioria social de apoio à chacina, especialmente nas favelas cariocas, precisa ser compreendido. A nova realidade do crime organizado brasileiro, que impõe condições de vida cada vez mais duras aos moradores, e a falta de disputa por uma alternativa à esquerda de segurança pública que enfrente o genocídio da juventude negra, são elementos que explicam o apoio às ações de Castro.
O nível de violência da megaoperação e sua legitimação social nos colocam um desafio: é preciso atualizar o debate sobre segurança pública e crime organizado também pela esquerda. Para isso, é preciso compreender três elementos: a nova realidade do crime organizado brasileiro, a política da extrema direita para enfrentá-lo e quais desafios a esquerda tem para apresentar o seu projeto.
A mudança do crime organizado brasileiro
Primeiro, cabe afirmar que entendemos aqui que as organizações criminosas, como facções do tráfico e milícias, atuam na estrutura do capitalismo e, ainda que parte de suas atividades sejam formalmente ilegalizadas, são indissociáveis do resto da economia. Estão entrelaçados na dinâmica de produção de mercadorias, exploração de mão-de-obra, expropriação (violenta) de bens e territórios, assim como fazem outras empresas e o próprio Estado. Há também uma divisão social em sua estrutura, havendo uma massa de “soldados” do tráfico, de maioria negra, e uma burguesia criminal ou narcoburguesia que se apropria desse capital, sem estar sujeita ao custo social (especialmente a violência) que é decorrente dele.
Os últimos 10 anos marcam uma mudança qualitativa no crime organizado brasileiro, especialmente a partir da monopolização e financeirização das suas principais organizações. A tomada pelo Primeiro Comando da Capital da Rota Caipira (entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai) demonstrou um novo momento das facções brasileiras, no qual a expansão do capital criminoso indica uma centralização de capitais.
Em Marx, a centralização ocorre quando determinados capitais, por adquirirem maior tamanho e relevância, começam a incorporar ou desmontar outros capitais menores, tendendo ao monopólio. Ao tomar a principal rota de drogas para si, o PCC acelera esse processo, dinamizando o mercado de drogas. Há um reflexo dessa tomada quando o Comando Vermelho, seu antigo aliado e competidor, precisa reinventar seus negócios.
Nos últimos anos, o Comando Vermelho decidiu por um modelo duplo. Um de seus passos foi a intensa e violenta expansão para o Norte e Nordeste do país, buscando tomar a Rota Solimões (entre Peru e Amazonas). Isso resultou em diversas chacinas em prisões nessas regiões e também em uma expansão das guerras de facções, de locais de fronteira, como Acre e Rondônia, aos principais portos brasileiros, como Ceará e Pará. Além disso, essa expansão permitiu que o CV entrasse em outros ramos criminoso, em especial a extração de madeira e o garimpo ilegal.
Por outro lado, houve uma mudança na própria forma que o Comando Vermelho começou a atuar sob as comunidades que domina. Os métodos de domínio da milícia e do tráfico têm tido fronteiras cada vez menores. Casos de cobrança de taxas, venda de determinados produtos ou monopólio de certos ramos dentro das favelas se tornam mais e mais comuns. Essa realidade, com as constantes disputas e guerras entre facções, fazem com que o domínio violento do CV e de outras organizações similares se torne ainda mais insuportável para os moradores, que arcam com o custo dessa disputa.
A operação Carbono Oculto revelou uma realidade ainda pouco debatida no cenário brasileiro: a existência de uma narcoburguesia extremamente conectada com o setor financeiro e o Estado. Especula-se que a operação tenha atuado sob 50 bilhões de reais do PCC. Outras ações recentes, como as feitas sobre a fintech 4TBank, utilizada tanto pelo PCC e CV, também chegam na casa dos bilhões. Ou seja, existe um setor empresarial do crime, ligado ao mercado financeiro e naturalizado na sociedade, que está cada vez mais consolidado economicamente. São os que mais lucram com o crime organizado, mesmo que seus nomes não apareçam todos os dias nos jornais. Enquanto isso, os traficantes de varejo, em sua grande maioria jovens negros, recebem 400 reais por semana (cerca de um salário mínimo por mês) para atuar no crime, como noticiou o Jornal Nacional no dia da megaoperação.
Nesse debate, a figura de TH Joias, aliado de Castro que lavava dinheiro para o CV, foi posta em destaque para desmascarar a hipocrisia do discurso anti-crime do governador. Mas as relações vão além de figuras como TH. A chegada de fuzis e munições pelo crime é, muitíssimas vezes, por meios do próprio Estado ou por traficantes de armas com diversas conexões estatais, como demonstrou o caso de Ronnie Lessa.
Ou seja, o crime organizado está mais amplamente difundido, monopolizado, financeirizado e com relações mais profundas com os setores financeiros e as estruturas do Estado. A própria divisão de classe dentro do crime organizado se torna mais perceptível com a consolidação de uma burguesia financeira criminal e a mudança de modelo do crime organizado, explorando diretamente os próprios moradores, o que muda também as relações dentro das próprias favelas.
A extrema direita e o narcoterrorismo
A política de genocídio da juventude negra por meio de operações policiais no Rio de Janeiro não é uma novidade. A construção, por meio do Estado, de esquadrões de morte durante a ditadura militar e as políticas constantes de governos como Sérgio Cabral e Pezão de incursões letais nas favelas, na justificativa da guerra às drogas, são momentos que demonstram como esse sempre foi um método de controle social por meio da barbárie que a burguesia utilizou no Rio.
Não é possível, porém, ignorar a mudança de qualidade que veio com essa operação. A maior chacina do Rio de Janeiro já tinha sido realizada pelo governo Cláudio Castro. Mas até então, o maior número de mortos era de 28, menos de ¼ da última matança: isso não é ao acaso. Desde o início do ano, Castro tem se movimentado em relação aos Estados Unidos com o pedido da classificação do CV e do TCP como organizações narcoterroristas.
Esse termo tem razão de ser: assumir a ideia de combate ao terrorismo muda a perspectiva da necessidade de enfrentamento com essas organizações para impedir um mal social (a droga), para um modelo em que a eliminação dos seus integrantes é o objetivo em si. A incursão não tem mais o objetivo de apreensão de drogas – tanto que Castro mal fala sobre quanta droga que foi apreendida – mas tem seu sucesso medido por “inimigos neutralizados”. Ou seja, a matança se torna o objetivo de forma mais aberta à sociedade, ampliando qualitativamente a política de genocídio da juventude negra.
Não por acaso, a narrativa da extrema direita e de Castro esteve focada na retomada da soberania. É uma mudança de lógica que assume abertamente a falta de controle territorial do Estado e abre uma narrativa de guerra, não mais como uma metáfora (a guerra às drogas), mas assumidamente como uma guerra. O documento da Brasil Paralelo “Rio em Chamas” expressa bem a compreensão dos intelectuais que elaboram essa política, para os quais as operações policiais são formas de retomar a soberania estatal, que está sendo “atacada pelos terroristas”. É a mesma base que os Estados Unidos têm utilizado para justificar uma política imperialista sob a América Latina para abrir um cenário de confronto aberto, criando uma política de controle social diretamente ligada à construção de um inimigo comum, buscando fortalecer a extrema direita como pólo capaz de eliminá-lo.
Ao mudar a forma de debater o problema, também é possível avançar na criminalização dos movimentos sociais, organizações de direitos humanos e moradores que questionam essa política, a partir do que tem sido chamado de “narcoativismo” – os ativistas em defesa do tráfico. Entender e enfrentar essa mudança é urgente.
Esse debate consegue conquistar espaço por conta da maior exploração que os moradores têm sofrido por parte do crime organizado e pela falta de alternativas concretas. Não é possível fazer um debate de segurança pública que não leve em conta a urgência que boa parte da população sente de não viver sob as condições impostas pelo crime organizado. A extrema direita tem atuado sobre uma base real: a insegurança e medo que cerca o Rio de Janeiro e diversas cidades do país. Ao mesmo, a história do Rio de Janeiro, onde a situação é mais avançada, mas que não é a única, demonstra que as chacinas e a política de genocídio da juventude negra nunca serviram para enfraquecer crime organizado. É necessário debatermos o porquê.
Um programa de transição de combate ao crime organizado
Construir uma alternativa capaz de disputar a maioria social a um problema complexo é um desafio. Nisso, dois erros não podem ser cometidos: referendar a lógica do genocídio, naturalizando como saída, ou ter uma política que ignore o tema do crime organizado.
No primeiro caso, duas figuras do PT se tornaram bastantes relevantes. Quaquá, prefeito de Maricá e vice-presidente nacional do partido, se pronunciou diversas vezes, inclusive impulsionando seus vídeos nas redes sociais, em defesa de uma política focada nas operações policiais. O principal exemplo, porém, é Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia, que ampliou consideravelmente a política de operações no Estado, passando a chefiar a polícia que mais mata no Brasil.
Por outro lado, não é possível construir pela esquerda um debate que não tenha também como centro o combate ao crime organizado, compreendendo que hoje ele é composto por empresas multi-bilionárias monopolistas que baseiam parte considerável do seu lucro não só na venda de drogas, mas na exploração direta dos moradores e, inclusive, na devastação ambiental. Ser linha de frente no enfrentamento à violência policial é uma necessidade nossa pela expressão que às operações tem um caráter de dominação burguesa racial e de classe. Mas esse debate nunca será suficiente sem que haja em conjunto uma alternativa ao domínio do crime organizado. É preciso demonstrar que a política da extrema direita não busca enfraquecer essas organizações e que suas figuras estão também ligadas aos verdadeiros chefes do crime.
Nesse sentido, alguns pontos podem ajudar a avançar em nosso debate:
1- Desmascarar o coração do crime: os bancos e a lavagem de dinheiro
Como organizações monopolistas, o crime organizado hoje também é profundamente financeirizado. Já em 2012, a ONU especulava que 90% do dinheiro feito no atacado (distribuição) de cocaína era lavado. Na América Latina, em torno de 90% ia para grandes centros econômicos como a Europa e Estados Unidos.
Ou seja, existe uma narcoburguesia financeira que precisa ser posta em destaque. São aqueles que vivem dos lucros do crime sem estar nem perto dos problemas sociais que promovem. Isso ajuda a explicitar uma contradição das operações policiais: o topo da cadeia do crime organizado não é atingido, segue intacto. É necessário exigir uma política centrada em descobrir essas redes e para onde vai o lucro do narcotráfico, inclusive escancarando como os bancos, fintechs e outras empresas facilitam seu funcionamento por todo país e fora dele.
É necessário, também, compreender que o próprio sistema financeiro tem um funcionamento que é essencialmente facilitador do crime organizado. Estruturas de lavagem de dinheiro existem muito antes do tráfico de drogas ingressar nelas. Os grandes bancos escondem seus balanços e se mascaram por meio empresas terceirizadas (Shadow Banking) para permitir uma lógica especulativa perfeita ao crime organizado. É preciso avançar em um plano de regulação do setor financeiro como um todo, compreendendo que hoje seu modelo de funcionamento serve como pilar dos monopólios do crime.
2- Combate à corrupção e as relações estatais.
O funcionamento do crime organizado está muito entrelaçado também com as suas relações dentro do próprio Estado. Em muitos sentidos, organizações como as milícias são parte de um “Estado Ampliado”, organizando a dominação burguesa no território que controlam, por meio da força, mas também do consenso. As milícias iniciaram sendo apoiadas por políticos como Eduardo Paes e Cesar Maia, por impedirem a entrada do tráfico de drogas nas comunidades.
Essas relações são profundas e se dão de diversas maneiras, desde a articulação entre organizações criminosas e subprefeituras para terceirizar o recolhimento de lixo até a nomeação de Ministérios da República de figuras ligadas à milícia. É necessário uma luta para que o crime organizado seja combatido dentro do Estado, em todas suas formas, já que o tráfico de drogas também vem sendo capaz de adentrar à máquina estatal, como vimos no caso TH Joias.
3- Enfoque no tráfico de armas e munição
O crime organizado só se mantém pela capacidade de fluxo constante de armas dentro das comunidades. Os valores de um fuzil no mercado negro são estimados em torno de 60 mil e boa parte deles chega ao Brasil por venda direta de atores estatais, como do Exército, por meio de traficantes que trazem as armas desde os Estados Unidos ou são compradas por CACs (pessoas autorizadas pelo Estado a comprar armas) e depois desviadas.
Só em 2023 foram 1650 fuzis apreendidos, mesmo sem que o combate ao tráfico de armas seja uma prioridade política dos governos. Ou seja, esse negócio possui um mercado bilionário no Brasil, baseado na corrupção estatal e empresarial e necessariamente com grandes chefes distribuidores. Buscar e denunciar essas relações é fundamental para explicitar quem constrói as condições da atual situação do crime organizado.
4- Financiamento direcionado para educação, saúde e infraestrutura nas favelas
A reprodução do crime organizado também se baseia nas faltas de condições e perspectivas garantida aos moradores de favela. Segundo o Labjaca, o custo de um fuzil no orçamento da Polícia Civil do Rio de Janeiro é mais alto que o custo dos gastos de um estudante de ensino integral por ano, incluindo alimentos e materiais. O gasto em um helicóptero da PCERJ é o mesmo de 88 mil auxílios emergências de 250 reais. O custo de 2000 coletes balísticos, comprados pela Polícia em 2021, poderiam ser utilizados para 120 mil cestas básicas.
Enquanto isso, o IFRJ prometido no Complexo do Alemão, por exemplo, está longe de ser entregue. As obras do PAC de 2008 foram em muitos casos abandonadas e a realidade segue de precarização: 63% dos moradores vivem com até um salário mínimo por mês. Ou seja, é necessário questionar a distribuição do orçamento público, compreendendo o motivo estrutural para existir espaço para o crime organizado recrutar jovens dispostos a arriscar a vida com remunerações que não superam tanto um salário mínimo.
5- Legalização de drogas
A legalização das drogas é uma pauta histórica da esquerda como resposta à guerra às drogas. A política segue tendo sua importância, enquanto forma de legalizar uma das principais mercadorias que compõem a base econômica dos grupos armados. Atuar contra a ilegalidade dessa mercadoria, é enfraquecer uma das fontes de recursos desses grupos.
É verdade que as drogas não são a única mercadoria explorada pelos grupos armados. E dependendo de sua composição, podem até não ser a principal. As facções do tráfico passaram por uma transformação com a ascensão das milícias no Rio, aprendendo com seus métodos de exploração econômica de diversas mercadorias por meio do controle territorial. Porém, a venda de drogas segue sendo central para os lucros do crime organizado. A legalização segue como uma bandeira importante, mesmo que hoje não seja uma resposta única ao crime.
6- Desmilitarização das polícias e integração policial
A garantia de desmilitarização das polícias e melhores condições para os próprios policiais também segue sendo uma bandeira central, tanto para dificultar a corrupção policial, enfrentar a lógica militarizada de guerra, quanto para garantir possibilidade de debate livre dentro das corporações.
Somado a isso, tensionar para existir integração entre a inteligência policial é importante. O modelo da Operação Carbono Oculto, com o trabalho integrado entre diferentes órgãos do Estado contra estruturas financeiras do PCC, difere em forma e conteúdo da megaoperação que resultou na chacina da Penha, realizada de forma isolada e sem um plano de atuação conjunto. Castro tenta utilizar sua própria política de matança para a construção de um “Consórcio da Paz” entre governadores de extrema direita, dentro os quais ⅚ aumentaram a letalidade policial no seu Estado. A polícia e a política de morte não podem ser de controle arbitrário de governadores, a integração precisa servir como freio e contrapeso a essas forças.
7- Fiscalização e tomada de empresas ligadas ao tráfico
A operação carbono oculto revelou centenas de empresas ligadas diretamente ao PCC. O Comando Vermelho foi alvo de uma investigação argentina que revelou diversos esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo criptomoedas no país. A 4TBank, exposta como empresas construída pelo PCC e um dos principais meios de lavagem do dinheiro do CV, demonstrou a importância financeira dessas organizações. É necessário um plano de fiscalização e expropriação dessas empresas, de forma que o capital de negócios ligado ao narcotráfico possa ser tomado pelo Estado e utilizado em benefício da população que é mais afetada pela dominação dessas organizações.
8- Integração entre os diferentes órgãos de governo
A mudança de qualidade do crime organizado também faz com que o combate, especialmente da cúpula do crime, precise ser integrado não somente entre os órgãos policias, mas entre os diversos setores do governo. A ampliação, por exemplo, do desmatamento ilegal na Amazônia ou do garimpo ilegal, mostram que diferentes atores vão precisar atuar para ir contra as ações desses grandes monopólios. Atuação em comum com IBAMA, COAF e outros órgãos de fiscalização econômica e ambiental também se tornam centrais.
9- Melhoria das condições dos presídios brasileiros
O principal centro de coesão e organização do PCC e CV seguem sendo os presídios brasileiros. A falta de verba e o modelo prisional sem perspectiva de ressocialização faz com que seja ainda mais fácil para o domínio dessas organizações, com a utilização das prisões como espaço de recrutamento. É necessário um combate à superlotação, às condições precárias e uma política que permita a ressocialização, que garanta oportunidades aos presos após cumprimento de suas penas, para que sua única opção não seja o crime organizado. É um relato frequente de que muitos não conseguem ter empregos formais, com carteira assinada, por seu histórico criminal, produzindo uma dinâmica em que o crime volte a ser uma opção.
10- Enfrentamento à violência policial e o genocídio da juventude negra
A narrativa de Castro tende a dar mais espaço ao crime organizado. Assim como a guerra às drogas nunca diminuiu o uso de drogas no Brasil, a guerra ao terror nunca destruiu as organizações que pretendiam combater pelo mundo. A política genocida segue sendo a de “eliminar” um inimigo que se reproduz pelas condições sociais que o próprio Estado possibilita, ampliando também os motivos para a militarização e monopolização das facções criminosas.
Mesmo com diversas operações contra eles, o Comando Vermelho superou em 2023 as milícias para se tornar o grupo com maior controle territorial do Rio. A cúpula do crime sempre foi muito capaz em substituir quem fosse morto em operações policiais, pelas condições sociais que fornecem essa renovação, além de utilizar os confrontos para tentar manter algum grau de legitimidade por conta da violência estatal. Assumir uma postura de guerra em nada adianta aos moradores, sejam da comunidade que sofrem com as operações diariamente, ou seja, dos territórios mais amplos, como foi a paralisação do Rio de Janeiro durante toda operação. Inclusive, as operações servem como uma forma de regular o preço do “arrego”, valor pelos grupos armados para não serem alvos da intervenção policial em seus negócios. Com mais operações, mais os policiais e governantes corruptos passam a cobrar para que estas não ocorram em determinados territórios.
É preciso construir outra lógica de segurança pública, que aponte as operações policiais como falsa saída ao combate do crime e confronte as verdadeiras causas do crime organizado: a lavagem de dinheiro, a corrupção estatal, o tráfico de armas, a precarização da vida, a criminalização das drogas, a precariedade do sistema prisional e uma economia baseada no lucro e não na manutenção da vida.